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Águas
Quantas vezes a Musa me guiava
Ao lugar em que terno suspirava
Petrarca
saudoso, que em Vaucluso
Suave fez o uso
Da cítara cadente, repetindo
Aquela branda história
Que lhe pôs na memória,
Com
as farpas de Amor, um gesto lindo!
Aonde os pensamentos me levavam!
Parecia-me que as Musas enlaçavam
Com fios de ouro as ramas do
loureiro;
Depois, que o Deus flecheiro,
Verdes mirtos colhendo, os ia
unindo
À formosa capela
De que a Musa mais bela
Coroou
Petrarca, Laura, repetindo.
Sonhos vãos que forjava a fantasia!...
Prazeres que benigno Amor
fingia!...
As Dríades me ouviram mil
canções,
Que aos ternos corações
Excitaram mil gratos sentimentos.
Hoje, nos troncos duros,
Dos meus fados escuros
Escrevo
os tão diversos movimentos!
A minha antiga Musa se desvia,
Só me inspira a cruel melancolia;
Outro Apolo não tenho que o meu
dano.
Às vezes de ano a ano
Uma triste cantiga solitária
No centro do retiro,
Seguida de um suspiro,
Arranca
do meu peito a sorte vária.
Ó Naides, que do fundo desta fonte
Ouvis o mal que Amor manda que eu
conte,
Se acaso minhas lágrimas saudosas
Distinguirdes, piedosas,
Ah! condoei-vos, sim, do dano
meu!
Se o mal que eu choro tanto
Paga
outro terno pranto,
Dai-me a sorte feliz do claro
Alfeu!
Canção, vai, que a levar-te não
me atrevo;
Segue longe do meu outro destino;
Enquanto nos pesares que imagino
A
minha acerba dor eu, triste, cevo.
[…]
Poemas de Leonor Almeida Portugal Lorena Lencastre, (1750 – 1839), in ‘Poemas de Alcipe’
JDACT
A Arte, Encantamento, Fernando Pessoa, JDACT, Marquesa de Alorna, MLAC, Poesia, Alcipe,