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sábado, 4 de junho de 2022

As Tercenas Régias de Lisboa: dom Dinis a dom Fernando. Manuel Fialho Silva e Nuno Fonseca. «… construção naval, algo que não nos deve surpreender, pois a referida confirmação de 1352 refere que existiam exactamente nesse local casas em que el Rei tem a madeira junto com o muro das tercenas»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) Não é conhecido com exactidão o momento da construção das tercenas régias de Lisboa, pois apenas está documentada a existência de Casas das Galés pertencentes à Coroa, em 1294, durante o reinado de dom Dinis. No entanto, não se deve ignorar a possibilidade de que esta estrutura já existisse anteriormente a este reinado e que tenha sido amplamente restruturada na última década do século XIII, pois ocorreu nesse momento uma ampla reconfiguração urbana na Ribeira através de uma acção concertada entre o monarca e o concelho da cidade.

Nessa reconfiguração sobressaiam a construção da muralha da Ribeira e a urbanização erguida em simultâneo com estrutura defensiva, mais precisamente, a fachada sul da Rua Nova e a fachada norte da Rua da Ferraria. Entre 2010 e 2011 foi encontrado, em escavações arqueológicas realizadas no Banco de Portugal, o muro norte das Tercenas medievais, o qual é publicamente conhecido como Muralha de dom Dinis, facto que não colabora para a divulgação da história destas importantes estruturas de apoio às actividades da marinha medieval portuguesa. Na realidade ambas as estruturas, tercenas e muralha da Ribeira, estavam intimamente ligadas no que respeita à morfologia urbana, pois a orientação da muralha coincidia com a orientação do muro Norte das terecenas, causa maior da referida ambiguidade. Ainda para mais, a própria estrutura das tercenas pode ter sido totalmente remodelada no mesmo momento em que a muralha foi erguida durante a última década do século XIII. Seja como for, não podemos deixar de sublinhar que o muro encontrado no quarteirão do Banco de Portugal, já no século XXI surge inúmeras vezes em documentos medievais denominado como muro das tercenas, ou seja, este muro era no século XIV conhecido como muro das tercenas e não como uma muralha (um aforamento de Afonso IV, em 1327, de um sótão e sobrado localizado na Judiaria Nova surge nas confrontações a sul o muro da mha taracena; um outro aforamento de Afonso IV, em 1327, de um sobrado na Judiaria Nova, é referido nas confrontações a sul uma via pulvega e o Muro da taracena; um outro aforamento de Afonso IV de um sótão localizado na Judiaria Nova refere nas confrontações a sul o muro da dicta taracena)

Nos meados do século XIV as tercenas régias de Lisboa foram alvo de uma expansão na direcção da Oura, ou seja, na direcção ocidental em relação ao edifício original. Esta expansão é conhecida devido a uma confirmação de 1352 de um escambo anterior realizado entre o concelho e a Coroa onde se refere que o concelho deu um campo à Coroa para aí serem erguidas tercenas para quatro galés, ou seja, uma estrutura com quatro naves. Escavações arqueológicas de emergência realizadas pelos arqueólogos da Câmara Municipal de Lisboa, em 1997, no momento da construção de um parque de estacionamento na Praça do Município revelaram um muro que consideramos estar relacionado com esta expansão das tercenas de Afonso IV, e não com a muralha fernandina, tal como foi considerado pelos arqueólogos responsáveis.

Além disso, na mesma escavação foi também encontrado um conjunto de estruturas de madeira preparadas para a construção naval, algo que não nos deve surpreender, pois a referida confirmação de 1352 refere que existiam exactamente nesse local casas em que el Rei tem a madeira junto com o muro das tercenas». In Manuel Fialho Silva e Nuno Fonseca, As Tercenas Régias de Lisboa: dom Dinis a dom Fernando, O Mar como Futuro de Portugal, Academia de Marinha, Lisboa, 2019, ISBN- 978-972-781-145-8.

Cortesia de AcademiadaMarinha/JDACT

JDACT, Manuel Fialho Silva, Nuno Fonseca, Cultura e Conhecimento, Armada, 

quinta-feira, 2 de junho de 2022

As Tercenas Régias de Lisboa: dom Dinis a dom Fernando. Manuel Fialho Silva e Nuno Fonseca. «Assim sendo, as 13 taracenas, referidas no Livro dos Bens Próprios, parecem corresponder a um edifício organizado em 13 naves»

 

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) Barcelona, cidade cabeça do reino de Aragão, é dotada das suas Drassanes Reials entre 1282 e 1285, no reinado de Pedro III de Aragão, pai da esposa de dom Dinis. As tercenas de Barcelona estão intimamente ligadas ao processo de expansão mediterrânica A estrutura erguida nessa época consistia num recinto rectangular, fortificado em três lados. As dimensões totais teriam cerca de 102m de comprimento, no eixo mar-terra e 81m de amplitude no eixo paralelo ao mar. A estrutura original teria nove naves, as quais teriam capacidade para 18 galés.

No caso de Lisboa, as primeiras referências documentais a um palatium navigo-rium regis, ou seja a um Paço das naus do rei, situado na Freguesia de Santa Maria da Madalena, surge ainda no reinado de Sancho II. No entanto nada mais se pode acrescentar a esta breve informação sobre estas estruturas de apoio às actividades navais. As escavações arqueológicas conduzidas por Artur Rocha no local do actual Museu do Dinheiro, ou seja, no extremo ocidental da margem ribeirinha do arrabalde ocidental da Lisboa medieval, revelaram que esta zona da cidade estaria ainda sob a influência das marés, antes da construção do muro Norte das Tercenas. Deste modo é possível afirmar que esta zona, não estaria ainda urbanizada em meados do século XIII. A primeira referência documental à existência de tercenas régias, apenas surge no reinado de dom Dinis, em 1294, quando são referidas umas Casas das Galés pertencentes à Coroa, no contrato para a construção da muralha da Ribeira celebrado entre dom Dinis e o concelho. Poucos anos depois, no Livro dos Bens Próprios, um inventário da propriedade régia composto entre 1299 e 1300, é afirmado que o rei possuía, na Ribeira, 13 taracenas onde estavam, nesse momento, 12 galés. Pelas confrontações que surgem em vários documentos da época é possível reconstituir parcialmente as tercenas originais de dom Dinis. Assim sendo, as 13 taracenas, referidas no Livro dos Bens Próprios, parecem corresponder a um edifício organizado em 13 naves. As reconstituições que aqui apresentamos alicerçaram-se em três áreas distintas.

A primeira foi um estudo comparativo com tercenas medievais de várias cidades marítimas, o que nos possibilitou a compreensão da forma arquitectónica destas estruturas. A segunda foi a consulta à documentação medieval referente a Lisboa, com especial enfoque na documentação notarial, o que nos revelou os limites aproximados das tercenas régias de Lisboa e a evolução desta estrutura ao longo da idade média. O terceiro e último componente, fundamental para a nossa reconstituição, consistiu na confrontação dos dados provenientes de escavações arqueológicas com todas as outras informações recolhidas. Além destes três campos de investigação foi também imprescindível a consulta aos vários estudos publicados sobre as tercenas de Lisboa, destacando-se alguns autores: Augusto Vieira da Silva, José Vasconcelos Menezes, e Fernando Gomes Pedrosa». In Manuel Fialho Silva e Nuno Fonseca, As Tercenas Régias de Lisboa: dom Dinis a dom Fernando, O Mar como Futuro de Portugal, Academia de Marinha, Lisboa, 2019, ISBN- 978-972-781-145-8.

Cortesia de AcademiadaMarinha/JDACT

JDACT, Manuel Fialho Silva, Nuno Fonseca, Cultura e Conhecimento, Armada,

quarta-feira, 4 de maio de 2022

As Tercenas Régias de Lisboa: dom Dinis a dom Fernando. Manuel Fialho Silva e Nuno Fonseca. «Na Península Ibérica destacavam-se, na época medieval, três cidades com importantes tercenas: Sevilha, Barcelona e Lisboa. As Atarazanas de Sevilha foram erguidas por Afonso X, em 1252»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) As características específicas das galés tornavam-nas em embarcações de grande valor e por isso era importante mantê-las protegidas em terra durante a época de Inverno em que não podiam entrar no mar. Esta necessidade levou à criação de uma estrutura arquitectónica própria: as tercenas. A forma das tercenas revela imediatamente a sua função: guardar galés. A estabilidade formal dos edifícios que cumpriam a função de guardar as galés foi já arqueologicamente confirmada em vários locais da Europa Oriental, desde a antiguidade até à idade média: Naxos, na actual Sicília, que terá funcionado entre os séculos V a IV a.C.; Portus, um sítio arqueológico a norte de Óstia em Itália, que operou entre os séculos I a IV d.C.; Alanya, na costa mediterrânica da Turquia que foi erguida no século XIII, em plena época medieval. A análise das reconstituições destes edifícios revela uma continuidade formal, que se caracterizava, no geral, por uma estrutura arquitectónica coesa, com várias naves longas e estreitas, dispostas de forma paralela entre si. Deste modo, é natural que surgissem, durante toda a época medieval, estruturas semelhantes nas cidades costeiras mediterrânicas, onde existiam frotas de galés. Na Península Itálica sobressaem três locais de excepcional interesse: Amalfi, Veneza e Génova. As tercenas de Amalfi terão funcionado entre o século XI e a primeira metade do XIV, erguidas em duas naves, com cerca de 90m cada uma, onde se guardavam 4 galés, o que indicia que cada nave teria capacidade para duas galés, visto que o tamanho atribuído a estas embarcações nesta época oscila entre os quarenta e os quarenta e cinco metros. Não é certo o momento em que o Arsenale Vecchio de Veneza terá sido originalmente erguido, no entanto é a partir das primeiras décadas do século XIII que surgem informações sobre a sua configuração. Esta estrutura era rodeada por uma cerca defensiva  que a protegia de qualquer ataque exterior e teria 155m de comprimento e 207m de largura. Ainda assim este arsenal não era suficiente para as necessidades da grande frota de galés da Sereníssima, pois no século XIV foi construído o Arsenale Nuovo, adjacente ao antigo arsenal, com cerca de 142m de comprimento e 177m de largura. Segundo a documentação da época e o número de naves desta impressionante estrutura, a frota de galés produzida e mantida nos arsenais da Sereníssima seria de cerca de uma centena. Estes números são de facto impressionantes, considerando a época e o facto de serem produzidos num mesmo local.

Génova também teve um arsenal importante, mas não se conhece ainda com segurança as suas dimensões nem a sua capacidade. Sabe-se ainda que a frota de Génova, ao contrário da de Veneza, não era construída num mesmo local, pois as galés genovesas eram construídas e mantidas em várias cidades aliadas disseminadas pela costa da Ligúria. Na Península Ibérica destacavam-se, na época medieval, três cidades com importantes tercenas: Sevilha, Barcelona e Lisboa. As Atarazanas de Sevilha foram erguidas por Afonso X, em 1252, momento em que o avô de dom Dinis compreende a importância estratégica que uma ampla frota de galés poderia conceder a Castela. Estas tercenas foram as maiores da Península Ibérica, sendo compostas por dezassete naves, com comprimento máximo de 100m, e com uma largura total de 180m. Em cada uma destas 17 naves é muito provável que fossem mantidas duas galés, totalizando assim uma capacidade de armazenamento de 34 galés». In Manuel Fialho Silva e Nuno Fonseca, As Tercenas Régias de Lisboa: dom Dinis a dom Fernando, O Mar como Futuro de Portugal, Academia de Marinha, Lisboa, 2019, ISBN- 978-972-781-145-8.

Cortesia de AcademiadaMarinha/JDACT

JDACT, Manuel Fialho Silva, Nuno Fonseca, Cultura e Conhecimento, Armada,

As Tercenas Régias de Lisboa: dom Dinis a dom Fernando. Manuel Fialho Silva e Nuno Fonseca. «Segundo a denominada Crónica de Portugal de 1419, no Verão de 1296, durante a guerra com Castela, Fernando IV ordenou que a armada castelhana, composta por um número indeterminado de galés, atacasse a costa portuguesa»

Cortesia de wikipedia e jdact

«...E, como os castelhanos souberam que o rei juntava as suas gentes, como dissemos, armaram logo galés em Sevilha e vieram à costa de Portugal e entraram logo pelo rio de Lisboa e chegaram até o Restelo e tomaram naus que ali estavam carregadas de mercadorias e levaram--nas. E o almirante de Portugal, que era então em Lisboa, quando o viu, armou muito à pressa outras galés e foi atrás deles e alcançou-os dentro no mar e ali pelejaram com ele e venceu-os e tomou-lhe as galés e assim mesmo as naus, e trouxe tudo ao porto de Lisboa. Crónica de Portugal de 1419, Universidade de Aveiro, 1998.

Segundo a denominada Crónica de Portugal de 1419, no Verão de 1296, durante a guerra com Castela, Fernando IV ordenou que a armada castelhana, composta por um número indeterminado de galés, atacasse a costa portuguesa. Esta armada subiu a foz do Tejo e tomou de assalto algumas naus portuguesas que se encontravam no porto de Restelo, carregadas de mercadorias, numa típica operação de corso sobre navios mercantes portugueses. Tudo corria bem aos castelhanos, no entanto, o Almirante português, sobre o qual não conhecemos o nome, estava em Lisboa. Rapidamente, mandou armar as galés portuguesas e partiu em perseguição da armada castelhana. Provavelmente porque as naus portuguesas apresadas atrasavam a velocidade dos castelhanos, as velozes galés portuguesas conseguiram alcançar a armada invasora e ocorreu um combate naval, cuja vitória sorriu aos portugueses. O anónimo Almirante regressou, vitorioso, a Lisboa, apresando por sua vez as galés que tinham partido de Sevilha. A narrativa da Crónica de 1419 deste interessante episódio dá a entender que o sucesso do Almirante de Portugal residiu sobretudo na sua capacidade em reagir à operação corso castelhana, mas não nos oferece detalhes sobre o que possibilitou esta prontidão da marinha portuguesa.

O factor preponderante, não referido pelo cronista, que permitiu esta impressionante celeridade do Almirante é a existência, no porto da cidade de Lisboa, de uma muito bem preparada estrutura de apoio à marinha, as tercenas régias. Esta comunicação tentará dar a conhecer esta estrutura, que é ainda pouco conhecida pela historiografia portuguesa, e tentaremos sobretudo assinalar o seu relevante papel na história da marinha.

Dois anos antes de os castelhanos terem entrado na foz do Tejo, no episódio aqui referido, dom Dinis tinha reestruturado de forma indelével toda a Ribeira de Lisboa, construindo uma nova muralha, duas ruas adjacentes a essa estrutura defensiva, a Judiaria Pequena, e muito provavelmente, terá, também na mesma altura, restruturado as tercenas régias da cidade. Antes de penetrarmos no cerne das questões relativas às tercenas de Lisboa, atentemos a algumas questões fundamentais. Qual a funcionalidade das tercenas medievais? Onde estavam e a quem serviam as principais tercenas na Europa Ocidental? As tercenas medievais eram locais onde se guardavam as galés, embarcações que foram, por excelência, o navio de combate mais relevante desde a antiguidade até ao século XVI, mantendo-se em algumas marinhas europeias até ao início do século XIX, nomeadamente na marinha russa.

A palavra tercenas, provém do árabe dar al-sina, oficina, que significava o local, pertencente ao estado, dedicado à construção naval. Do árabe, o étimo penetrou nas línguas romances, como no português taracenas, no castelhano atarazanas, no italiano darsena e arsenale, e no francês arsenal. Em todas estas línguas manteve-se uma ligação às actividades navais, mas nem sempre o significado se associou à manutenção de galés. Em Portugal e em Espanha a palavra tercenas ganhou, durante o século XVI, o sentido de armazém, perdendo-se gradualmente o vínculo com a construção naval. Este facto deve-se às alterações sofridas nas prioridades da construção naval ocorridas, no século XVI, sobretudo devido à navegação atlântica que beneficiou naus e caravelas, em detrimento das galés, embarcações que se adaptavam melhor à navegação e ao combate naval no Mar Mediterrâneo.

Na época medieval, as galés eram embarcações da maior importância quer a nível militar quer a nível comercial e até social, pois não se limitavam ao combate naval, sendo também utilizadas para transportar mercadorias e pessoas, destacando-se o transporte de peregrinos para a Terra Santa». In Manuel Fialho Silva e Nuno Fonseca, As Tercenas Régias de Lisboa: dom Dinis a dom Fernando, O Mar como Futuro de Portugal, Academia de Marinha, Lisboa, 2019, ISBN- 978-972-781-145-8.

Cortesia de AcademiadaMarinha/JDACT

JDACT, Manuel Fialho Silva, Nuno Fonseca, Cultura e Conhecimento, Armada,