«(…) As características específicas das galés tornavam-nas em embarcações de grande valor e por isso era importante mantê-las protegidas em terra durante a época de Inverno em que não podiam entrar no mar. Esta necessidade levou à criação de uma estrutura arquitectónica própria: as tercenas. A forma das tercenas revela imediatamente a sua função: guardar galés. A estabilidade formal dos edifícios que cumpriam a função de guardar as galés foi já arqueologicamente confirmada em vários locais da Europa Oriental, desde a antiguidade até à idade média: Naxos, na actual Sicília, que terá funcionado entre os séculos V a IV a.C.; Portus, um sítio arqueológico a norte de Óstia em Itália, que operou entre os séculos I a IV d.C.; Alanya, na costa mediterrânica da Turquia que foi erguida no século XIII, em plena época medieval. A análise das reconstituições destes edifícios revela uma continuidade formal, que se caracterizava, no geral, por uma estrutura arquitectónica coesa, com várias naves longas e estreitas, dispostas de forma paralela entre si. Deste modo, é natural que surgissem, durante toda a época medieval, estruturas semelhantes nas cidades costeiras mediterrânicas, onde existiam frotas de galés. Na Península Itálica sobressaem três locais de excepcional interesse: Amalfi, Veneza e Génova. As tercenas de Amalfi terão funcionado entre o século XI e a primeira metade do XIV, erguidas em duas naves, com cerca de 90m cada uma, onde se guardavam 4 galés, o que indicia que cada nave teria capacidade para duas galés, visto que o tamanho atribuído a estas embarcações nesta época oscila entre os quarenta e os quarenta e cinco metros. Não é certo o momento em que o Arsenale Vecchio de Veneza terá sido originalmente erguido, no entanto é a partir das primeiras décadas do século XIII que surgem informações sobre a sua configuração. Esta estrutura era rodeada por uma cerca defensiva que a protegia de qualquer ataque exterior e teria 155m de comprimento e 207m de largura. Ainda assim este arsenal não era suficiente para as necessidades da grande frota de galés da Sereníssima, pois no século XIV foi construído o Arsenale Nuovo, adjacente ao antigo arsenal, com cerca de 142m de comprimento e 177m de largura. Segundo a documentação da época e o número de naves desta impressionante estrutura, a frota de galés produzida e mantida nos arsenais da Sereníssima seria de cerca de uma centena. Estes números são de facto impressionantes, considerando a época e o facto de serem produzidos num mesmo local.
Génova
também teve um arsenal importante, mas não se conhece ainda com segurança as
suas dimensões nem a sua capacidade. Sabe-se ainda que a frota de Génova, ao
contrário da de Veneza, não era construída num mesmo local, pois as galés
genovesas eram construídas e mantidas em várias cidades aliadas
disseminadas pela costa da Ligúria. Na
Península Ibérica destacavam-se, na época medieval, três cidades com importantes
tercenas: Sevilha, Barcelona e Lisboa. As
Atarazanas de
Sevilha foram erguidas por Afonso X, em 1252, momento em que o avô de dom
Dinis compreende a importância estratégica que uma ampla frota de galés poderia
conceder a Castela. Estas tercenas foram as maiores da Península Ibérica, sendo
compostas por dezassete naves, com comprimento máximo de 100m, e com uma largura
total de 180m. Em cada uma destas 17 naves é muito provável que fossem mantidas
duas galés, totalizando assim uma capacidade de armazenamento de 34 galés». In Manuel Fialho Silva e Nuno Fonseca, As
Tercenas Régias de Lisboa: dom Dinis a dom Fernando, O Mar como
Futuro de Portugal, Academia de Marinha, Lisboa, 2019, ISBN- 978-972-781-145-8.
Cortesia de AcademiadaMarinha/JDACT
JDACT, Manuel Fialho Silva, Nuno Fonseca, Cultura e Conhecimento, Armada,