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quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

O Livro de Cale. Carlos Cordeiro: Parte 6. «Com efeito, não tardou a penetrar num cenário de completa desolação. A casa jazia em ruínas, sem vivalma em redor, e os escombros calcinados faziam adivinhar o horror do acontecimento. Apenas a capela havia sido poupada. Foi aí que Bernardo reconheceu a campa de seu pai»

Cortesia de peuropaamerica

Reatar de paixões, prenúncios de Soberania
«Rompia a noite na morada dos Maia. Bernardo convertera-se em arauto das suas histórias dos últimos anos, mas sobretudo dos acontecimentos da presente jornada, junto dos dois irmãos. Pela madrugada, ainda não parecia ter desfecho a narração da epopeia do Mendes, desde a sua entrada em Vallado até ao presente regresso a Portucale. A descrição do épico deixara os Maia particularmente excitados com o turbilhão de novas e, simultaneamente, exaustos, quando os primeiros raios de sol já penetravam no vasto salão da casa. Foi nessa altura que todos soçobraram. Só pela tarde, o colóquio entre Bernardo e os Maia seria reatado.
Tendo novamente o amplo salão como palco, Soeiro pôs Bernardo ao corrente dos funestos acontecimentos de Ferreira, que teriam como epílogo a morte de Hugo e dos seus sobrinhos. Elucidou-o, também, sobre as desventuras da estalagem de Mofatra e sobre o desaparecimento de Beatriz. Por fim, mencionaria um nome que deixou Bernardo tolo de ansiedade: Mafalda.
Segundo constava, a filha do abade estava prometida a um fidalgo portucalense de Rate, originário, todavia, de uma família galega. Soeiro afirmaria, comentando o facto, que o interesse de Mendes Pais nessa relação, privilegiava a intenção de recuperar o fundamento que, definitivamente, lhe outorgasse a posse das terras de Ferreira e, depois, dos territórios de Portucale. Era esse, segundo o Maia, o objectivo particular do abade, suspeito de ter sido o mentor do ataque à mansão dos Mendes e da morte dos familiares de Bernardo. Este, no final da exposição, revelava uma inquietação notória, adivinhando estar, uma vez mais, sob a ameaça dos pérfidos propósitos do vil abade.
Cortesia de wikipedia

Apesar de perturbado, Bernardo aproveitou aquela situação para esclarecer, junto dos Maia, a razão particular do seu regresso a Portucale. Assim que pormenorizou o facto de Afonso VI pretender nomear um governador para Portucale, a satisfação dos dois irmãos sobreveio, ávidos de decisão sobre o problema de administração no território. O regresso de Bemardo, tal como um Messias cuja manifestação é continuamente adiada, voltava a encher de júbilo os anseios dos Maia e de muitos barões e infanções portucalenses que porfiavam há muito alcançar a autonomia para o território entre Douro e Minho.
Por tal, no dia seguinte, seria a caminho das diversas casas senhoriais que partiriam emissários, no intuito de convocarem os representantes dos notáveis para uma reunião magna, a ter lugar daí a uma semana, tendo Soeiro e Gonçalo por anfitriões e Bernardo como representante do monarca de Leão e Castela. Entretanto, o hiato daria tempo ao monge para recuperar da terrível jornada e ainda para se deslocar a Ferreira.
Contudo, nesse dia, Bernardo ainda seria surpreendido pela apresentação das recatadas mulheres dos seus companheiros de infância, Gotronde, mulher de Soeiro, e Leonor, esposa de Gonçalo, cuja existência o monge estava longe de imaginar. Muito havia mudado.
Mas era Ferreira que inspirava o destino próximo do monge. Foi para aí que se dirigiu, quando a manhã ainda não deixara o sol agigantar-se no céu. Talvez por isso, uma displicência do seu auspicioso guia geográfico, Bernardo parecia algo desorientado, cumprindo o trajecto para casa do tio, amargurado e quase indiferente, que nem a renovada e fogosa pressa de ‘Lucus’, já recuperado dos ferimentos, aliviou.

Cortesia de wikipedia

Com efeito, não tardou a penetrar num cenário de completa desolação. A casa jazia em ruínas, sem vivalma em redor, e os escombros calcinados faziam adivinhar o horror do acontecimento. Apenas a capela havia sido poupada. Foi aí que Bernardo reconheceu a campa de seu pai, Nuno, agora acompanhada pelas dos seus irmãos. Estas últimas, bem como a do tio, ali perto, tinham sido obra dos Maia. Perante o cenário que o afligia, Bernardo orou, compadecido, e penitenciou-se por não ter estado presente naquela funesta ocasião.
Contudo, prenhe de recordações contraditórias da sua vida de luxúria, das intervenções de Hugo e do momento que o levou ao exílio em Vallado, entrecortadas por uma infinidade de sentimentos confusos, o pensamento de Bernardo explodiu de dúvidas, mortificando-se, até que, exausto, o monge decidiu abandonar o lugar, afastando-se a galope.
Escassas léguas bastaram para diluir o turbilhão de apreensões que o mortificavam, mas que, lentamente, iam sendo substituídas por uma só inquietação: rever Mafalda! De tal forma que, a meio do percurso de regresso à Maia, Bernardo deteve a montada. Algo indefinido, porém estranhamente perceptível, persuadia-o a alterar o trajecto, levando-o a recuar no tempo, até aos seus passeios eremitas pelos penedos do Alvão ou pelas fragas do Marão. No entanto, a solicitação parecia encaminhá-lo para sul, para o Douro. Seria novamente a natureza a exigir o regresso dele aos seus tempos de moço ou outro desígnio insondável?
Para se sossegar, escolheu a hipótese mais simples. Aliás, a reminiscência da sua juventude era muito forte, ao ponto de lhe tolher alternativas que não passassem por trepar a uma qualquer falésia, de onde o Douro pudesse ser facilmente cortejado.
Preparado para reviver a época em que era companheiro da natureza, Bernardo galgou os últimos granitos que o separavam da paisagem do rio Douro não sem antes notar que, ao longe, se avistava outro cavaleiro, que, rapidamente, desapareceu, porventura com um destino diferente.
Mas a torrente de água, em baixo, lenta, porém portentosa, a acariciar as margens ainda pintadas de verde, revelava-se mais insinuante, ao perder-se entre as curvas do rio. Foi para lá que Bernardo apurou o olhar, buscando pormenores, percorrendo com a vista cada degrau da encosta. Até que os seus olhos vislumbraram um grupo de indivíduos, camuflados entre a parca vegetação de um outeiro próximo. Ocultavam-se, parecendo montar uma emboscada a uma comitiva pouco numerosa que subia a elevação. Para o monge, que pretendia partilhar a serenidade das suas memórias durienses, o intuito gorava-se, perante a expectativa de um confronto. Indolente com a paisagem, Bernardo quis ignorar a iminência do ataque e das respectivas consequências, mas, do céu, a planar com uma tranquilidade pícara, a silhueta de uma águia, evoluindo em voos concêntricos sobre um penhasco sobranceiro ao rio, arrebatou-o da dormência para a suposição: estaria a ave de rapina, outra vez, a alertá-lo e a instigá-lo a agir? Nada como devassar o destino, intervindo, concluiu sem reservas». In Carlos Cordeiro, O Livro de Cale, Publicações Europa-América 2010, edição nº 103583/9344, A Fábrica das Letras, ISBN 978-972-1-06140-8.

Cortesia de Publicações Europa-América/JDACT

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

O Livro de Cale. Carlos Cordeiro: Parte 4. «Bernardo contornou a casa, tentando ver se se tratava de um local seguro. Pretendia deixar “Lucus” na cavalariça. Deteve-se junto de uma abertura, ladeada por dois pilares de madeira. Entrou num telheiro, apeou-se e amarrou o cavalo a uma trave. Alguns movimentos e relinchos abafados fizeram-no olhar para as outras montadas, apenas percebidas como silhuetas de corcéis árabes»

Cortesia de peuropaamerica

Recontro em Mofatra
«O céu descobrira-se momentaneamente, deixando o luar incidir numa velha ponte romana, aparentemente reconstruída havia pouco. A claridade do lugarejo tornara-se mais forte, à medida que “Lucus” se aproximava. Entre as raras tochas acesas, destacava-se uma no que parecia uma habitação antiga, mas sólida. Foi para lá que Bernardo voltou a montada, afagando-lhe o dorso, na tentativa de o acalmar e de aliviar a sua dor. Porém, os afagos não lhe revelaram a ferida que rompia o bojo do cavalo.
O monge também estava ferido. Sentia agora a dor. Talvez as ramagens ou as rédeas o tivessem fustigado. Todavia, os cortes eram demasiado finos e perfeitos, como que infligidos por gumes afiados. Contudo, a chuva, que, entretanto, voltara a cair e que lhe escorria pelo corpo, aliviava-lhe o sofrimento.
Cautelosamente, Bernardo aproximou-se da aldeia. Com excepção de uma ou outra tocha, onde bruxuleavam ténues chamas, pouco mais estava iluminado do que uns passos em redor. Sossego, a não ser uma vozearia de chusma, abafada e indefinível, que envolvia o ambiente. Devagar, mas com firmeza, as patas de “Lucus” iam esmagando, com um bater surdo e ritmado, os dejectos que se arrastavam na rua principal.

Atento, Bernardo procurava a origem da assuada. Prosseguiu, acalmando o cavalo que continuava a dar mostras de cansaço e dor. O barulho tornava-se mais audível, à medida que “Lucus” se aproximava da mansão. Bernardo já sonhava descansar, abrigado. Pouco chovia.

Cortesia de wikipedia

«Estalagem», lia-se numa tabuleta que balouçava, fustigada pelo vento. A velha tabuleta, que parecia não se aguentar ali por muito mais tempo, abanava com um ruído lúgubre. Sendo pobre, a casa era uma das maiores e melhores do lugar. O granito que, apesar de antigo, parecia firme, sustentava um telhado de madeira alto e largo, que cobria os dois andares, sendo o último, mais recuado.

Bernardo contornou a casa, tentando ver se se tratava de um local seguro. Pretendia deixar “Lucus” na cavalariça. Deteve-se junto de uma abertura, ladeada por dois pilares de madeira. Entrou num telheiro, apeou-se e amarrou o cavalo a uma trave. Alguns movimentos e relinchos abafados fizeram-no olhar para as outras montadas, apenas percebidas como silhuetas de corcéis árabes. Com movimentos demorados e rigorosos, Bernardo tirou as luvas, sacudiu a capa, pegou no bornal e olhou novamente na direcção dos relinchos. Os animais estavam agitados e fatigados.
Surgindo do nada, ao lado de Bernardo, uma voz grave e rouca vociferou:
- Quem está aí? Mostrai-vos ou a vossa vida termina agora!
O monge voltou-se e respondeu, para sossegar o homem:
- Nada receeis! É gente de Deus!
De súbito, uma ponta de lança gelou-lhe o pescoço, apertando-lhe a jugular.
- De que duvidais? - atirou Bernardo, seca mas prudentemente, olhando o homem pelo canto do olho, identificando-lhe o físico e possível ameaça.
Fernando, homem atarracado e corpulento, mostrou-se. Lento e pesadão, mas com um olhar vivo na face bochechuda, insistiu:
- Esta noite não é de boa jornada e quem dela surge ou é salteador ou assaltado!
-Tendes razão, homem de Deus! Quem é quem, agora? - perguntou ironicamente Bernardo, a avaliar a postura do oponente.

Cortesia de wikipedia

O estalajadeiro ficou confuso. Mudou de lugar, tentando garantir uma melhor posição de ataque. Bernardo perdeu a esperança de convencer o homem e deitou as mãos à lança. Atónito, Fernando viu-se sem poder atacar, ao verificar que a lança se havia ancorado no poderoso braço de Bernardo. Este olhava-o nos olhos, ao mesmo tempo que lhe encostava a espada ao pescoço. Fernando debateu-se, por instantes. Depois, arregalou os olhos e franziu a testa, estupefacto, ao identificar o cunho da espada do oponente.
Com a voz tolhida, esforçou-se:
- Senh... Senhor! Desculpai-me... pelo santo nome de Deus - desculpou-se, ainda gago de temor. - Não vos reconheci o prestígio na figura. Castigai-me ou desculpai-me, senhor de...

-Nem mais uma palavra! Calai-vos, pois não quero o meu nome pronunciado nem a minha presença assinalada - disse-lhe Bernardo, agastado, libertando lentamente o homem, surpreendido, também, por ter sido reconhecido tão rapidamente.
Fernando afastou-se, deferente. Encostou a lança à parede e olhou cabisbaixo para Bernardo, que exigiu, peremptório:
- O vosso nome! Que sabeis de mim?
- Fernando… nobre senhor - hesitou o estalajadeiro. – Fernando Dias, tal como meu pai... honrado por ter combatido ao lado do conde Nuno. A minha consideração a quem conserva o seu cunho...
- Estou elucidado, Fernando! A minha saudação a quem descende de tão digno companheiro de meu pai - respondeu Bernardo para, depois, reclamar um aposento ao estalajadeiro.
(…)
Fernando não conseguiu terminar a frase. Com um estrondo grave e forte, um corpo embateu no chão e rebolou contra a parede. Meio atordoado pela queda e ainda lívido, um homem apessoado, bem constituído e ricamente vestido ficou atónito, ao olhar para as duas figuras que o encaravam. Tentou articular algumas palavras, mas soltou apenas vagos lamentos». In Carlos Cordeiro, O Livro de Cale, Publicações Europa-América 2010, edição nº 103583/9344, A Fábrica das Letras, ISBN 978-972-1-06140-8.

Cortesia de Publicações Europa-América/JDACT

terça-feira, 5 de julho de 2011

O Livro de Cale. Carlos Cordeiro: Parte 3. «A borrasca, conforme surgiu, assim se extinguiu. Mas, o cenário traduzia o estado caótico do solo e da flora. De onde estava, Bernardo apenas conseguia vislumbrar uma débil luminosidade, ao longe, no vale. Montou Lucus e afastou-se do pesadelo»

Cortesia de guardadorderebenhos

Floresta de Sobressalto
Parte 3
«Porém, alheou-se rapidamente da ideia, ao escutar por perto o silvo de um apetrecho, que rompia o ar, na sua direcção. Esquivou-se ao acaso. Lucus relinchou de esforço e de dor. A nova investida, Bernardo respondeu de imediato.Tentou apoderar-se da arma uma e ourtra vez. Em vão. À sua direita, era, então, mais notória, a presença de outros cavaleiros. Escapou-se de um ramo, desviou-se de arbustos, evitou um calhau. Protegeu-se da chuva, puxando a capa para o rosto. Não sossegou. Segurando-se a Lucus com todas as suas forças, espevitou-o até à exaustão, sentindo o esforço do animal. Subitamente, sentiu o crucifixo balançar no seu peito, animando-lhe a memória. Pegou nele de imediato e puxou-o para si, fazendo-o soltar-se do fio. Olhou de soslaio, ergueu o braço e arremessou-o com ganas na direcção dos perseguidores...
Pareceu eterno aquele momento suspenso e, no instante seguinte, após uma explosão, uma aura de energia com impressionante ardência envolveu e asfixiou tudo em seu redor. As coisas perderam forma, imiscuindo-se num espaço indistinto. Sem saber onde estava, Bemardo, mesmo cego de esforço, revoluteou a montada, ao encontro dos oponentes. O alarde da refrega tornou-se confuso.

Cortesia de arautos

De forma lenta, mas precisa, o monge levou a mão à espada. O tempo abrandara, o espaço parecia exíguo, tudo se envolvia num sono sem sonho que tardava em passar. Apenas o olhar de Bernardo, louco de temor e pleno de fúria, se cravara em todas as direcções, procurando pontos de referência.Tudo à volta era confuso e baço. Um vazio sagrado abafara as presenças demoníacas que, imperceptíveis, soltaram queixumes de agonia, parecendo afastar-se precipitadamente. Longe, os espectros desapareciam num declive. Pouco depois, a chuva regressaria, impiedosa e torrencial.
Bernardo recuperou lentamente a serenidade, tentando perceber o quê ou quem o haúa provocado com tanto fulgor e de forma tão singuIar e, talvez, fantástica. Ao guardar a espada, perguntou-se de onde viriam as faúhas que o haviam perseguido durante o frenético galope e se não teria visto qualquer objecto metálico por perto... Indagou-se, mas não teve resposta. Voltou a cobrir o corpo com a capa, protegendo-o da tempestade, ao mesmo tempo que levava a mão ao peito, tentando inquirir a alma, qual guia místico. Mas não obteve qualquer resposta nem indício inteligível. Ainda duvidava da realidade.Tentou reconhecer um ínfimo pormenor, que denunciasse os infernais agressores, mas não recordava mais do que silhuetas fluidas e mórbidas. Porém, que semelhança assustadora com a sua própria imagem. Inquietava-se. «Porquê figuras tão obscuras e sinistras? Porgue não vira o cintilar de uma lâmina?», perguntava- se.
Tocou no seu corpo. Não tinha feridas, mas faltava-lhe algo no peito. O medalhão, a dádiva de Henrique, tinha desaparecido. Contudo, o crucifixo, ofertado por Orlando, havia cumprido a sua missão. O seu efeito, porém, apenas seria verificado, quando Bernardo, ao tentar orientar-se, fez Lucus recuar e deparou com três cadáveres, meio ocultos por arbustos perto de uma vala.

Cortesia de europaamerica

Com um misto de espanto e horror, descortinou os corpos despedaçados, mercê da deflagração provocada pelo objecto que lhes havia arremessado. Percebeu então que o risco que correra tinha sido real. Apesar de se assemelharem a sombras ou espectros, os agressores eram, na verdade, homens de carne e osso. Se, antes, a fúria dos elementos lhe havia sugerido estar sob um prenúncio espiritual, agora, perante aquele testemunho, sabia que o ódio profano dos homens também lhe enredava o destino.
Pelas vestes, os cadáveres seriam cristãos. Entre o dever de enterrar os corpos e o ressentimento que dele se apossava, o monge optou por confiar os corpos à sua morada eterna e encomendar as almas a Deus. Porém, os elementos revelaram-se adversos e mostraram toda a sua repulsa através de um dilúvio que se abateu, novamente, sobre o lugar. Com uma fúria insana , a força da torrente de água impeliu os corpos outeiro abaixo, exigindo a Bernardo toda a sua força e destreza para não ser também arrastado.
A borrasca, conforme surgiu, assim se extinguiu. Mas, o cenário traduzia o estado caótico do solo e da flora. De onde estava, Bernardo apenas conseguia vislumbrar uma débil luminosidade, ao longe, no vale.
Montou Lucus e afastou-se do pesadelo». In Carlos Cordeiro, O Livro de Cale, Publicações Europa-América 2010, edição nº 103583/9344.

Cortesia de Publicações Europa-América/JDACT

quinta-feira, 16 de junho de 2011

O Livro de Cale. Carlos Cordeiro: Parte 2. «A proximidade de outras criaturas revelava-se autêntica. Sentiu um aperto no coração. Um temor desmedido apoderou-se de si, ante as aparentes investidas dos vultos. Porém, apenas de sombras se tratava. O suor misturou-se com os veios de água da chuva que lhe escorriam pelo corpo. Não havia descanso no difícil ensejo de escapar»

Cortesia de guardadorderebenhos

Floresta de Sobressalto
Parte 2
«No bosque, «Lucus» abrandou o galope. O tempo húmido passara a aguacento. Escurecia. Embrenhando-se entre os primeiros carvalhos, Bernardo pressentiu a mudança de uma forma algo estranha. Além da escuridão, fortes rajadas de vento, que estranhamente soprava na vertical, começaram a fustigar o monge e a confundir a orientação de «Lucus», empurrando cavalo e cavaleiro para o solo. A ventania ateimava no restolho, deixando no ar novelos de pequenas folhas secas.
Por instantes, Bernardo estremeceu. Entre a teia de folhas, pareceu-lhe ver, diante de si, a imagem de Mendes Pais, qual Eolo enfurecido e com propósitos ferinos. Porém, logo após, o vento cessou, por obra das copas das árvores que, ardilosas, se fechavam devagar protegendo o espaço sob si. Tudo pareceu parar, num ambiente manso e claro. Mas a bonança acanhou-se, perante uma bátega torrencial, que picou, cruel, por entre as folhas das árvores. Teimava em cair, forte e espessa. O solo inundou-se, enlameando a pista sob os cascos de «Lucus». E a figura do hediondo abade persistia aos olhos de Bernardo, assumindo raias de diabólica provocação.
Porém, de um momento para o outro, a torrente de água amainou por intervenção das folhas das árvores. Alongadas, qual tecto protector natural, passaram a cobrir o espaço em redor de Bernardo e da montada. O ambiente aquietou-se, cedendo apenas ao calcar ruidoso das patas de «Lucus». Com a mudança, já não era a efígie do sátrapa galego que aparecia ao monge, mas uma imagem cândida, porém prisioneira, de Mafalda, a emanar harmonia e serenidade no meio circundante.

Cortesia de europaamerica

Contudo, o repto sobrenatural pesava sobre os magoados ombros do monge, agora sob a forma de um granizo dolorosamente medonho. Dir-se-ia que a abóbada celeste se havia desmoronado, estilhaçando-se no bosque com o fito voraz de massacrar os homens e a natureza. Mas, uma vez mais, o sortilégio, divino, diria Bernardo, fez os ramos das árvores distenderem-se à passagem do cavaleiro, proporcionando-lhe, de novo, uma aura protectora e benfazeja.
Furioso e interminável, o combate entre os elementos, personificado por aquelas duas criaturas de relação tão próxima e carácter tão diverso, Mafalda e Mendes Pais, parecia uma imagem do eterno combate entre o Bem e o Mal, mediado, ainda assim, com êxito, pela intervenção divina. Se o domínio do Inferno constrangia os elementos atmosféricos, encontrava, porém, na flora, um adversário à altura, capaz de deter os assaltos insanos do mundo das trevas.
«Tréguas», suplicara aos poderes sagrados quando a desordem atingira o auge. «Outra prova? Estarei sob nova exigência que me engana? Porquê?» Bernardo não encontrava explicação plausível. Perdido na demanda, optou por se refugiar no aconchego dos seus credos, em busca de soberana protecção espiritual.
Pouco depois, o ambiente sublime aquietou-se. Apenas algumas gotículas de água salpicavam o ar, à passagem do cavaleiro. O céu desanuviara e era agora claro entre o rendilhado da vegetação. Porém, a bonança era passageira.

Cortesia de arautos

Mais à frente, Bernardo apressou a montada entre líquenes e arbustos frágeis, ao frágil abrigo do dédalo arbóreo. Começou a chover. Daí a pouco, chovia intensamente, de tal forma que ocultava a claridade celeste. O bosque era tão cerrado que parecia engolir a vida. Ali perto, raros movimentos indefiníveis roçavam os troncos. «Lucus» passou a trepar, num trilho pedregoso, através de penedos graníticos. Os breves raios de luz, que se esgueiravam entre as árvores, confundiam-se com vultos sinistros, que pareciam agitar-se, como silhuetas gigantes entre uma cortina de chuva persistente. Um relâmpago, logo seguido do ribombar do trovão, acusou sombras dúbias e sinistras. Longínquas, naquele momento, todavia, cada vez mais próximas.
Bernardo quis atribuir-lhes identidades, mas mais não fez do que sobressaltar-se com a proximidade do cenário fantasmagórico, que crescia, ameaçador. Incitou a montada a imiscuir-se no arvoredo mais denso e escuro mas não logrou afastar de si a sensação de estar a ser perseguido. Voltou a apressar «Lucus». Uma vez e outra, enquanto o tropel do animal e a pressão do ar se tornavam violentos. Confundidas nas teias da vegetação, pareciam surgir formas humanas, contudo, de aparência animalesca.

Chovia copiosamente. À medida que a velocidade do cavalo aumentava, Bernardo chamava a si toda a destreza para dominar a montada. O torpor confundia-lhe o discernimento e tolhia-lhe os movimentos. Continuou, buscando repetidamente em redor. Figuras larvares pareciam querer subjugá-lo. Aparentemente talhe de cavaleiros, de silhueta sinistra, montados em não sanhudas feras. Alarmado, Bernardo grudou-se à montada. Soltou uma mão da rédea e procurou a espada, porém, sem sucesso. Na fuga, o estrépito das patas do cavalo sobre o restolho tornara-se feroz, o ruído do tropel ensurdecedor, o cenário medonho, impedindo movimentos precisos. Muito próximo, Bernardo vislumbrou chispas de ferro a fenderem o ar direitas a si. A proximidade de outras criaturas revelava-se autêntica. Sentiu um aperto no coração. Um temor desmedido apoderou-se de si, ante as aparentes investidas dos vultos. Porém, apenas de sombras se tratava. O suor misturou-se com os veios de água da chuva que lhe escorriam pelo corpo. Não havia descanso no difícil ensejo de escapar. Mas, um pensamento surgiu, singular, a lembrar-lhe o crucifixo de madeira!» In Carlos Cordeiro, O Livro de Cale, Publicações Europa-América 2010, edição nº 103583/9344.

Cortesia de Publicações Europa-América/JDACT

quarta-feira, 15 de junho de 2011

O Livro de Cale. Carlos Cordeiro: Parte 1. «Por isso, Bernardo exultava, sentindo no corpo um estranho formigueiro, aliado a lágrimas esparsas. «Que júbilo! Que felicidade ter sido acolhido com afecto no seio de Vallado, estrear-se no combate, ser reconhecido pelos pares e ter, também, a natureza corno testemunha»

Cortesia de wikipedia

Floresta de Sobressalto
Parte 1
«O espírito de Bernardo, desencadeara-se uma pira de expectativa, alimentada pelo apoio evidente que a águia, qual entidade divina e protectora, lhe havia prestado. Invadido por laivos de uma memória longínqua, Bernardo reconheceria a presença da águia no seu percurso dos últimos anos. Acontecera no breve encontro com Mafalda, durante a aprendizagem em Vallado e, havia pouco, na Garganta da Mina. A águia abençoara o amor no lago, havia sido cúmplice durante o tirocínio no mosteiro e sua aliada na peleja transmontana.
Tal como o Céu havia contrariado o Inferno, assim a águia vencera a serpente. Bernardo, cristão, derrotara Yusef, infiel. Para o monge, este credo era óbvio. No entanto, iria mais longe nas suas especulações. A águia, acompanhara os seus mais recentes ritos de passagem, estando presente nos momentos decisivos em que assumiria novas atitudes e melhores comportamentos. Por isso, Bernardo exultava, sentindo no corpo um estranho formigueiro, aliado a lágrimas esparsas. «Que júbilo! Que felicidade ter sido acolhido com afecto no seio de Vallado, estrear-se no combate, ser reconhecido pelos pares e ter, também, a natureza corno testemunha», pensava Bernardo.


Cortesia de wikipedia e europaamerica

Bafejado pela fortuna destas reflexões, Bernardo prosseguiu à mercê do terreno cada vez mais acidentado. Ao longe, havia deixado a bucólica seara transmontana, pintada de ocres e acastanhados, tingida por raros veios azulados de água límpida e serena. Algumas nuvens, ali e acolá, decoravam o infinito celeste, parecendo imóveis, pouco acima das copas de raros carvalhos. O ar adensava-se, pejado de humidade e prometendo um dilúvio.
Bernardo trilhava agora terrenos sobranceiros ao Douro, porventura mais seguros do que os do isolado planalto transmontano. A cada colina que transpunha, bosque que ultrapassava e riacho que fendia, ganhava outro alento, ciente do seu destino cada vez mais próximo. Inspirador, o ocaso tórrido indicava-lhe simultaneamente o seu lugar de origem e, agora, de destino. Bernardo conseguia vislumbrar uma ou outra aldeia e, por momentos, algumas habitações penduradas nas falésias durienses. Contudo, queria manter-se afastado o mais possível de eventuais encontros com os aldeãos.
Ao cair da noite, Savoredo estava à vista do cavaleiro, um lugar antes ocupado por berberes, expulsos pelos barões portucalenses havia pouco tempo. Do castelo restava apenas um pano de muralhas, pouco extenso, e uma torre semidestruída.
«Lucus» trepou alguns penedos, que antecediam escadas cavadas na rocha da antecâmara da torre. Do interior, apenas o esvoaçar desordenado de um bando de morcegos, alertados pelo barulho dos cascos do cavalo, alterou a calma do lugar. Da ruína, era possível avistar algumas léguas em redor. No cimo da torre, um silêncio profundo. «Ideal para pernoitar», pensou Bernardo ao reconhecer que «Lucus» estava extenuado. A noite caiu brandamente. O sono revelou-se justo.
Estátua de Vimara Peres, na cidade do Porto
Cortesia de wikipedia

Já a manhã abrasadora tinha dado lugar à tarde sufocante, quando Bernardo levantou as pálpebras, indolente e alheio às nuvens que manchavam um céu de chumbo. Ergueu-se, cambaleante, e foi direito ao bornal pendurado no dorso de «Lucus» remexeu o interior e atirou-se a uma côdea dura de dias. Com três dentadas, esgotou o alimento que o saciaria até ao entardecer. Abeirou-se de uma fonte e passou água pela cara. Depois, pegou no manuscrito de Cale e encostou-se ao tronco de um grande castanheiro. Pousou lentamente a folha e suspirou, talvez de ansiedade, porventura de cansaço, que o sono não banira do corpo magoado da jornada do dia anterior, das léguas de xistos sob um sol abrasador.
A leste, entardecia. Levantou-se vento e o manuscrito dobrou-se caprichosamente. Seria um sinal para partir. Bernardo sorriu, agradado. Voltou a enfiar o volume no bornal e levou a mão ao bolso da capa. Rebuscou, confirmando que o outro documento, cuidadosamente enrolado e laçado, se mantinha guardado. Levantou-se devagar, espreguiçou-se e respirou fundo. Pegou na capa, juntou o bornal e aproximou-se de «Lucus». Prendeu-lhe o saco e afagou-lhe a crina. Vestiu a capa, calçou as luvas e saltou para o dorso do cavalo. Perscrutou o horizonte, virou as rédeas a poente e desceu até, ao arvoredo que cobria um outeiro do outro lado do vale. Quando se fez ao caminho, Bernardo tinha apenas por companhia a canícula que se colava ao corpo». In Carlos Cordeiro, O Livro de Cale, Publicações Europa-América 2010, edição nº 103583/9344.

Cortesia de Publicações Europa-América/JDACT

sábado, 21 de maio de 2011

O Livro de Cale. Carlos Cordeiro: «Por ocasião de uma disputa territorial entre o monarca e a diocese de Braga, Nuno Mendes assumira o partido desta...Encontrou a morte, depois de uma campanha aziaga que culminou em Pedroso. Nuno, ao perecer, pôs fim à dinastia dos duques de Portucale e condenou a sucessão dos seus filhos. Órfãos, foram obrigados a abandonar a morada paterna...»

Estátua de Vimara Peres, Porto
Cortesia de wikipedia  

«Corria o ano de 1082 e Bernardo habitava a casa dos Mendes, em terras da Maia, no território portucalense, à época administrado por um representante do monarca Afonso VI, domiciliado na Galiza com vinte e cinco anos de idade, de estatura elevada e robusto, Bernardo Mendes exibia muitas feições de família. Tinha cabelo acastanhado, tez escura, nariz afilado e face serena, pontuada por olhos verde-escuros e levemente rasgados. A testa alta e lisa revelava afoiteza e ventura. Além da compleição robusta, herdara do pai o espírito sagaz, laborioso e lutador. A mãe, falecida há poucos anos, aquando de uma epidemia, legara-lhe o apego às coisas da natureza e uma subtil índole bucólica.
Sendo o mais novo de cinco irmãos e estando habituado, desde cedo, a defender o seu lugar face aos seus germanos, Bernardo beneficiava, porém, da protecção privilegiada de seu tio, Hugo, conde de Ferreira. Este assumira a chefia da família Mendes após o desastre de 1071, aquando da morte do irmão Nuno na Batalha de Pedroso, onde ele enfrentara sem êxito o rei Garcia. Este herdara do pai, Fernando I, os territórios de Leão, Castela, Galiza e Portucale.


Cortesia de wikipedia

Nuno Mendes, à data governador do Condado Portucalense, apesar de hábil negociador e destro na governação, merecedor da confiança do velho Fernando, «o Magno», viu o seu crédito arruinado assim que Garcia tomou o poder. A revolta que liderou foi o auge de um conflito para o qual concorreriam vários compromissos frágeis. O carácter tempestuoso de Nuno justificava, também, por vezes, alguma sobranceria e impetuosidade nas contendas com os da Galiza. Assim viveu e, portanto, assim morreu.
Habituado a conviver com as classes privilegiadas do tempo, Nuno Mendes movia-se com mestria nos meandros da política que, nesta altura, envolviam a nobreza, o clero e o rei em frequentes situações de disputa. Essa precariedade obrigava-o a estabelecer alianças, nem sempre rigorosamente respeitadas de parte a parte, com elementos das famílias nobres, com a igreja e com os partidários do rei. Neste pleito, em que os mosteiros beneditinos galegos também se envolveram, o de Santo Alberico revelar-se-ia rápido e decisivo.

Cortesia de europaamerica

Por ocasião de uma disputa territorial entre o monarca e a diocese de Braga, Nuno Mendes assumira o partido desta, julgando contar com o apoio das abadias beneditinas da Galiza. Porém, foi obrigado a enfrentar o rei Garcia, apenas com a ajuda dos bracarenses, de alguns homens da Maia e de Ribadouro, mas sem o apoio galego. Encontrou a morte, depois de uma campanha aziaga que culminou em Pedroso, aonde nunca chegaram os prometidos reforços dos eremitérios galegos. Nuno, ao perecer, pôs fim à dinastia dos duques de Portucale e condenou a sucessão dos seus filhos. Órfãos, foram obrigados a abandonar a morada paterna, recolhendo-se sob a protecção do tio, em Ferreira. Nas exéquias do irmão, Hugo ainda reivindicou a administração dos seus territórios, situados em Portucale a pouco mais de uma légua da antiga muralha sueva, destruída em 825 por Almançor. Foi, contudo, confrontado com uma estranha reclamação de propriedade apresentada por Mendes Pais, abade beneditino do Mosteiro de Santo Alberico, na Galiza. O conde, porém, não consentiu a reclamação territorial e remeteu para Afonso VI a decisão sobre a futura administração das terras do seu germano, tentando, simultaneamente, granjear o favor dos notáveis portucalenses, de forma a pressionar o monarca». In Carlos Cordeiro, O Livro de Cale, Publicações Europa-América 2010, edição nº 103583/9344.

Cortesia de Publicações Europa-América/JDACT

terça-feira, 26 de abril de 2011

O Livro de Cale. Carlos Cordeiro: «A constituição da nacionalidade portuguesa não foi, contudo, apenas obra individual de uma família portucalense, ainda que esta se tenha mantido no poder durante cerca de 200 anos. Foi também importante a contribuição de um grupo de poderosos infanções que ao longo do século X e XI, cimentou uma posição política e social...»

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«As primeiras referências históricas sobre o Condado Portucalense surgem já em finais do século IX. Todavia, as menções ao local cuja denominação daria origem ao nome do condado datam de há cerca de 2 mil anos. Com efeito, já no século I a. C., o historiador romano Salústico menciona a existência de uma civitas identificada como Cale. Esta denominação aparece mais tarde, no século II, no Itenarário de Antonino, que situa a povoação algures no caminho que ligava Liaboa a Braga. Associada, mais tarde, a um ponto de passagem entre as duas margens do Douro, Cale parece ter sido um porto de abrigo, situado na foz do rio, a cuja designação os romanos juntaram o vocábulo portus. Outro documento datado do século V, atribuído ao bispo Idácio, reporta a detenção em Portucale, por ordem do rei visigodo Teodorico, do monarca suevo Requiário.
A localização precisa do lugar, envolvida em alguma polémica após a descoberta das actas do Concílio de Lugo no século VI, que mencionavam a existência de um «Portucale castrum novum», situado na margem direita do rio, e de um «Portucale castrum antiquum», na margem esquerda, não prejudica, porém, a asserção de que do topónimo Cale tenha derivado Portucale, que, por sua vez, terá dado origem ao nome do Condado Portucalense.

Estátua de Vímara Peres. Porto
Cortesia de wikipédia 
Arrasadas por uma das campanhas de Almançor no final do primeiro quartel do século IX, as fortificações suevas do burgo portucalense seriam reconstruídas pelo trisavô de Egas Moniz, Moninho Viegas. Cerca do ano 865, a povoação de Portucale seria a mais importante da área que abrangia os territórios do Minho e algumas terras a sul do rio, recuperada aos mouros pelo conde Vimara Peres, oriundo da poderosa família dos Mendes. Estes, que se manifestaram com êxito no apoio à coroação do rei de Leão, representavam um dos baluartes defensivos dos territórios até ao Mondego e tiveram protagonismo na fundação de Portugal. Uns oram, outros guerreiam, outros trabalham. Do ponto de vista social, é ao clero, à nobreza e ao Povo que correspondem, essas atribuições. Era esta a ordem que organizava o medievo cristão, na segunda metade do século XI, na zona setentrional da Península Ibérica.
Em Portucale, no exercício de estratégias de coligação, revelar-se-ia capital o protagonismo de algumas famílias de infanções:
  • os Sousa,
  • os Bragança,
  • os Maia,
  • os Baião,
  • os Ribadouro, entre outros.

Cortesia de asleiturasdocorvo
A constituição da nacionalidade portuguesa não foi, contudo, apenas obra individual de uma família portucalense, ainda que esta se tenha mantido no poder durante cerca de 200 anos. Foi também importante a contribuição de um grupo de poderosos infanções (antigo título de nobreza inferior ao de rico-homem, nota de JDACT) que ao longo do século X e XI, cimentou uma posição política e social significativa, deu provas de uma capacidade de iniciativa e concretizou o exercício de poderes públicos a nível regional e local.
Para a concretização dessa realidade contribuiu, não só o esforço de organização e iniciativa de toda uma comunidade, mas também a gesta de algumas figuras ímpares em empenho e em audácia. Os nomes de alguns figuram no Livro de Cale.
Dele despontam ameaças, ódios, traição e morte. Por ele, transcendem-se ousadias, ultrapassam-se limites, fundam-se propósitos. Com ele, reconciliam-se solidariedades, criam-se amizades, unem-se paixões». In Carlos Cordeiro, O Livro de Cale, Publicações Europa-América 2010, edição nº 103583/9344.

Cortesia de Publicações Europa-América/JDACT