sábado, 21 de maio de 2011

O Livro de Cale. Carlos Cordeiro: «Por ocasião de uma disputa territorial entre o monarca e a diocese de Braga, Nuno Mendes assumira o partido desta...Encontrou a morte, depois de uma campanha aziaga que culminou em Pedroso. Nuno, ao perecer, pôs fim à dinastia dos duques de Portucale e condenou a sucessão dos seus filhos. Órfãos, foram obrigados a abandonar a morada paterna...»

Estátua de Vimara Peres, Porto
Cortesia de wikipedia  

«Corria o ano de 1082 e Bernardo habitava a casa dos Mendes, em terras da Maia, no território portucalense, à época administrado por um representante do monarca Afonso VI, domiciliado na Galiza com vinte e cinco anos de idade, de estatura elevada e robusto, Bernardo Mendes exibia muitas feições de família. Tinha cabelo acastanhado, tez escura, nariz afilado e face serena, pontuada por olhos verde-escuros e levemente rasgados. A testa alta e lisa revelava afoiteza e ventura. Além da compleição robusta, herdara do pai o espírito sagaz, laborioso e lutador. A mãe, falecida há poucos anos, aquando de uma epidemia, legara-lhe o apego às coisas da natureza e uma subtil índole bucólica.
Sendo o mais novo de cinco irmãos e estando habituado, desde cedo, a defender o seu lugar face aos seus germanos, Bernardo beneficiava, porém, da protecção privilegiada de seu tio, Hugo, conde de Ferreira. Este assumira a chefia da família Mendes após o desastre de 1071, aquando da morte do irmão Nuno na Batalha de Pedroso, onde ele enfrentara sem êxito o rei Garcia. Este herdara do pai, Fernando I, os territórios de Leão, Castela, Galiza e Portucale.


Cortesia de wikipedia

Nuno Mendes, à data governador do Condado Portucalense, apesar de hábil negociador e destro na governação, merecedor da confiança do velho Fernando, «o Magno», viu o seu crédito arruinado assim que Garcia tomou o poder. A revolta que liderou foi o auge de um conflito para o qual concorreriam vários compromissos frágeis. O carácter tempestuoso de Nuno justificava, também, por vezes, alguma sobranceria e impetuosidade nas contendas com os da Galiza. Assim viveu e, portanto, assim morreu.
Habituado a conviver com as classes privilegiadas do tempo, Nuno Mendes movia-se com mestria nos meandros da política que, nesta altura, envolviam a nobreza, o clero e o rei em frequentes situações de disputa. Essa precariedade obrigava-o a estabelecer alianças, nem sempre rigorosamente respeitadas de parte a parte, com elementos das famílias nobres, com a igreja e com os partidários do rei. Neste pleito, em que os mosteiros beneditinos galegos também se envolveram, o de Santo Alberico revelar-se-ia rápido e decisivo.

Cortesia de europaamerica

Por ocasião de uma disputa territorial entre o monarca e a diocese de Braga, Nuno Mendes assumira o partido desta, julgando contar com o apoio das abadias beneditinas da Galiza. Porém, foi obrigado a enfrentar o rei Garcia, apenas com a ajuda dos bracarenses, de alguns homens da Maia e de Ribadouro, mas sem o apoio galego. Encontrou a morte, depois de uma campanha aziaga que culminou em Pedroso, aonde nunca chegaram os prometidos reforços dos eremitérios galegos. Nuno, ao perecer, pôs fim à dinastia dos duques de Portucale e condenou a sucessão dos seus filhos. Órfãos, foram obrigados a abandonar a morada paterna, recolhendo-se sob a protecção do tio, em Ferreira. Nas exéquias do irmão, Hugo ainda reivindicou a administração dos seus territórios, situados em Portucale a pouco mais de uma légua da antiga muralha sueva, destruída em 825 por Almançor. Foi, contudo, confrontado com uma estranha reclamação de propriedade apresentada por Mendes Pais, abade beneditino do Mosteiro de Santo Alberico, na Galiza. O conde, porém, não consentiu a reclamação territorial e remeteu para Afonso VI a decisão sobre a futura administração das terras do seu germano, tentando, simultaneamente, granjear o favor dos notáveis portucalenses, de forma a pressionar o monarca». In Carlos Cordeiro, O Livro de Cale, Publicações Europa-América 2010, edição nº 103583/9344.

Cortesia de Publicações Europa-América/JDACT