segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Fundação Oriente. Percursos da Arte Contemporânea Chinesa: «Pretende-se reflectir sobre o modo como a arte chinesa contemporânea se define, por um lado, como um espaço de encontro de influências, estilos e técnicas de origem nativa e estrangeira e, por outro lado, se auto-representa como uma tapeçaria temporal, em que retalhos do passado e do presente inevitavelmente se encontram»

Cortesia de foriente 

Percursos da Arte Contemporânea Chinesa. Piso 4. Ministrado por Tânia Ganito. Dias: 5, 19 e 26 de Novembro de 2011, 3 e 17 de Dezembro de 2011. Horário das 10h00 às 13h00.

«Ao longo de cinco sessões iremos analisar os percursos da arte chinesa independente a partir do final da década de 1970. Embora se procure fazer referência ao trabalho desenvolvido pelos artistas chineses da diáspora, o enfoque será colocado nos principais movimentos artísticos que surgiram na República Popular da China a partir de então e nos temas centrais abordados nas produções artísticas independentes. Considera-se igualmente importante realçar o processo de criação de novos espaços de produção independente e recepção artística na República Popular da China, com especial ênfase para a cidade de Beijing, bem como a sua relação com os fenómenos da globalização e da mercantilização da cultura. Pretende-se, desta forma, reflectir sobre o modo como a arte chinesa contemporânea se define, por um lado, como um espaço de encontro de influências, estilos e técnicas de origem nativa e estrangeira e, por outro lado, se auto-representa como uma tapeçaria temporal, em que retalhos do passado e do presente inevitavelmente se encontram.
Tânia Ganito é assistente no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa. Os seus interesses de investigação centram-se nos domínios dos Estudos Chineses, Antropologia Cultural e Estudos de Cultura». In Fundação Oriente.


Programa:
  • Sessão I - As Primeiras Expressões Públicas da Arte Experimental;
  • Sessão II - A transição para o contemporâneo: principais correntes do período 989-1999;
  • Sessão III – Temas;
  • Sessão IV - A Arte e os Artistas da Diáspora;
  • Sessão V - A Reinvenção dos Espaços de Produção e de Recepção Artística.
Cortesia de F. Oriente/JDACT

Nuno Crato: A Matemática das Coisas. «… esteja tão admiravelmente adaptada aos objectos da realidade? Será pois que a razão humana é capaz de captar as propriedades das coisas reais sem se basear na experiência e meramente pelo pensamento puro?»

Cortesia de theflowersgaleon

O poder da matemâtica
«Como é possível que a matemática, interrogava-se Einstein, «que é afinal um produto do pensamento humano independente da experiência, esteja tão admiravelmente adaptada aos objectos da realidade? Será pois que a razão humana é capaz de captar as propriedades das coisas reais sem se basear na experiência e meramente pelo pensamento puro?»
A questão não é simples nem ingénua. No dizer do grande físico, que expôs a sua perspectiva na alocução "Geometria e experiência”, de 1921, «trata-se de um enigma que sempre agitou as mentes inquiridoras». Um enigma cuja resposta tem dividido os matemáticos e os filósofos. Enquanto uns vêem a aplicabilidade da matemática como o produto natural das raízes que esta teria na experiência, outros vêem o seu sucesso como a necessária correspondência do mundo real com as leis da lógica em que a matemática se baseia. Einstein relativizava as coisas, numa perspectiva que tem o apoio de muitos matemáticos, cientistas e filósofos. «Na medida em que as proposições da matemática se reportam à realidade», dizia, «elas não estão certas; e na medida em que estão certas, não se referem à realidade».

Segundo Einstein, a matemática moderna, assente numa dedução lógico-formal com base em axiomas, conseguiu separar o seu aspecto lógico-formal do seu conteúdo objectivo e intuitivo. A correspondência das conclusões matemáticas com a realidade física é apenas aproximada e deriva da possível aproximação dos axiomas a leis básicas da natureza.

Cortesia de taett

Ian Stewart, um prolífico matemático inglês que também se dedica, e com grande sucesso, à divulgação, tem uma resposta para estas questões. No seu livro “Os Números da Natureza”, publicado em Portugal com a chancela da Temas e Debates, reconhece que .«há várias teorias explicativas» para a utilidade da matemática, «que vão desde a estrutura da mente humana à ideia de que o universo é, de alguma forma, composto de pequenos pedaços de matemática». Mas a sua resposta «é bastante simples: a matemática ê a ciência dos padrões e a natureza explora praticamente todos os padrões que existem».
No livro, Stewart procura mostrar como a investigação matemática de padrões pode explicar muitos fenómenos encontrados na natureza. Retoma, por exemplo, a velha questão da forma espiral das cascas de caracóis, búzios e outros animais semelhantes, já abordada no princípio do século pelo zoólogo escocês D'Arcy Thompson, no livro “On Growth and Form (Sobre o Crescimento e a Forma)”, um clássico escrito em 1917 e ainda hoje à venda.

A estrutura espiral das cascas desses animais pode ser explicada através da geometria. Se aceitarmos que a casca se desenvolve à medida que o animal cresce, que se desenvolve sempre de maneira semelhante, e que a largura do tubo da casca que está a ser construída depende do tamanho do animal nesse momento, então é natural que os anéis que se desenvolvem desenhem as espirais que encontramos na natureza. A relação entre a largura dos anéis e a dimensão do animal quando este os está a construir origina diferentes tipos de espirais, que podem ser descritas com fórmulas matemáticas bem determinadas.
O exemplo permite regressar ao argumento de Einstein. As espirais geométricas perfeitas dadas pelas funções matemáticas não se encontram na natureza. E as que se encontram na natureza não são perfeitas. Como por vezes se diz, pontos, rectas e triângulos perfeitos não existem fora da nossa mente, mas raciocinar com precisão sobre esses objectos perfeitos ajuda-nos a tirar conclusões sobre os pontos, rectas e triângulos imperfeitos e aproximados que existem na natureza.

Cortesia de aureowebgarden

Outro exemplo interessante de padrão matemático encontrado no mundo vivo é a organização de pétalas e de flósculos, as pequenas flores rudimentares que se encontram bem visíveis no centro de algumas flores, nomeadamente dos girassóis. Em algumas espécies, esses flósculos encontram-se dispostos em famílias de espirais que se interceptam, enroladas em sentidos contrários. Muitas vezes, o número de elementos enrolados num sentido é 34, enquanto o número de elementos enrolados no sentido contrário é 55. Noutros casos, encontram-se os pares 55 e 89, ou ainda 89 e 144.
Tudo isto pode parecer mera curiosidade, mas os matemáticos encontram nestes números termos consecutivos da sucessão:
  • 1, 1, 2, 3, 5, ..., 34, 55, 89, 144, 233, ..., uma sucessão numérica construída em 1202 por Leonardo de Pisa (1170-1250), também chamado Fibonacci, na discussão de um problema em que falava do crescimento das populações de coelhos. Nesta sucessão, todos os termos a partir do segundo se obtêm como a soma dos dois anteriores (2=1+1, 3=1+2, 5=3+2, etc.).
Porque se encontram estes números, criados para responder a um problema tão diferente, nos elementos das flores? Um biólogo pode ser tentado a dizer que são números que se encontram nos genes das plantas, mas um matemático procura outras razões. Os genes determinam como o ser se desenvolve, mas ele desenvolve-se num mundo físico e geométrico onde existem restrições. Os matemáticos conseguiram mostrar que os elementos que se desenvolvam em torno de um centro e que o façam de forma a ocupar uma superfície da forma mais compacta possível, o fazem de acordo com um ângulo de divergência preciso, o dito ângulo dourado (aproximadamente 137,5º). Ora os elementos que se desenvolvam separados sempre por esse ângulo tendem a formar espirais onde aparecem os números de Fibonacci. Não espanta pois que esse ângulo e esses números se encontrem com grande regularidade nos elementos das flores, tanto em pétalas como em flósculos.
A matemática consegue explicar a regularidade geométrica e numérica a partir de princípios de crescimento muito simples, que podem ser determinados pelos genes. Mas o mundo vivo não precisa de ter todas as regras matemáticas escritas no seu código. Elas surgem naturalmente, a partir de regras de crescimento mais simples. Os padrões matemáticos são afinal padrões necessários da natureza. Será isso que explica que a matemática esteja «tão admiravelmente adaptada aos objectos da realidade?». In Nuno Crato, A Matemática das Coisas, Gradiva, Sociedade Portuguesa de Matemática, Abril 2008, ISBN 978-989-616-241-2.

Cortesia de Gradiva/JDACT

domingo, 30 de outubro de 2011

Leituras. Parte XXX. Herberto Helder. Os Passos em Volta. «Depois, por meio de uma operação intelectual, dizemos que esses tópicos se encontram no tópico comum, suponhamos, do Amor ou da Morte. Percebe? Uma dessas abstracções que servem para tudo. O cigarro consome-se, não é?, a calma volta»

por Frederico Penteado
Cortesia de wikipedia

Estilo
«Se eu quisesse, enlouquecia. Sei uma quantidade de histórias terríveis. Vi muita coisa, contaram-me casos extraordinários, eu próprio... Enfim, às vezes já não consigo arrumar tudo isso. Porque, sabe?, acorda-se às quatro da manhã num quarto vazio, acende-se um cigarro... Está a ver? A pequena luz do fósforo levanta de repente a massa das sombras, a camisa caída sobre a cadeira ganha um volume impossível, a nossa vida... compreende?...a nossa vida, a vida inteira, está ali como... como um acontecimento excessivo... Tem de se arrumar muito depressa. Há felizmente o estilo. Não calcula o que seja? Vejamos: o estilo é um modo subtil de transferir a confusão e violência da vida para o plano mental de uma unidade de significação. Faço-me entender? Não? Bem, não aguentamos a desordem estuporada da vida. E então pegamos nela, reduzimo-la a dois ou três tópicos que se equacionam.
Depois, por meio de uma operação intelectual, dizemos que esses tópicos se encontram no tópico comum, suponhamos, do Amor ou da Morte. Percebe? Uma dessas abstracções que servem para tudo. O cigarro consome-se, não é?, a calma volta. Mas pode imaginar o que seja isto todas as noites, durante semanas ou meses ou anos?
Uma vez fui a um médico.
- Doutor, estou louco - disse. - Devo estar louco.
- Tem loucos na família? - perguntou o médico. - Alcoólicos, sifilíticos?
- Sim, senhor. O pior. Loucos, alcoólicos, sifilíticos, místicos, prostitutas, homossexuais. Estarei louco?

O médico tinha sentido de humor, e receitou-me barbitúricos.
- Não preciso de remédios - disse eu. - Sei histórias tenebrosas acerca da vida, De que me servem barbitúricos?

Cortesia deviveraciencia.wordpress

A verdade é que eu ainda não havia encontrado o estilo. Mas ouça, meu amigo: conheço por exemplo a história de um homem velho. Conheço também a de um homem novo. A do velho é melhor, pois era muito velho, e que poderia ele esperar? Mas veja, preste bem atenção. Esse homem velhíssimo não se resignaria nunca a prescindir do amor. Amava as flores. No meio da sua solidão tinha vasos de orquídeas.
O mundo é assim, que quer? É forçoso encontrar um estilo. Seria bom colocar grandes cartazes nas ruas, fazer avisos na televisão e nos cinemas. “Procure o seu estilo, se não quer dar em pantanas”.Arranjei o meu estilo estudando matemática e ouvindo um pouco de música, Sebastião Bach. Conhece o “Concerto Brandzburguês n.º 5? Conhece com certeza esaa coisa tão simples, tão harmoniosa e definitiva que é um sistema de três equações a três incógnitas. Primário, rudimentar. Resolvi milhares de equações. Depois ouvia Bach. Consegui um estilo. Aplico-o à noite, quando acordo às quatro da madrugada. É simples:
  • quando acordo aterrorizado, vendo as grandes sombras incompreensíveis erguerem-se no meio do quarto, quando a pequena luz se faz na ponta dos dedos, e toda a imensa melancolia do mundo parece subir do sangue com a sua voz obscura... Começo a fazer o meu estilo.
Admirável exercício, este. Às vezes uso o processo de esvaziar as palavras. Sabe como é? Pego numa palavra fundamental. Palavras fundamentais, curioso... Pego numa palavra fundamental:
  • Amor,
  • Doença,
  • Medo,
  •  Morte,
  • Metamorfose.
Digo-a baixo vinte vezes. Já, nada significa.. É um modo de alcançar o estilo. Veja agora esta artimanha:

“As crianças enlouquecem em coisas de poesia.
Escutai um instante como ficam presas
no alto desse grito, como a eternidade as acolhe
enquanto gritam e gritam.
(...)
- E nada mais somos do que o Poema onde as crianças
se distanciam loucamente".

Trata-se do excerto de uma poesia. Gosta de poesia? Sabe o que é poesia? Tem medo da poesia? Têm o demoníaco júbilo da poesia?

Cortesia de paletaspinceladas

Pois veja. É também um estilo. O poeta não morre da morte da poesia. É o estilo.
Está a ouvir como essas enormes crianças gritam e gritam, entrando na eternidade? Note: somos o Poema onde elas se distanciam. Como? Loucamente. Quem suportaria esses gritos magníficos? Mas o poeta faz o estilo.
Perdão, seja um pouco mais honesto. Seja ao menos mais inteligente. Vê-se bem que não estou louco. Eu, não. As crianças é que enlouquecem, e isso porque lhes falta um estilo.
Sabe de que lhe estive a falar? Da vida? Da maneira de se desembaraçar dela? Bem, o senhor não é estúpido, mas também não é muito inteligente. Conheço. Conheço o género.
Talvez eu já tivesse sido assim. Pratica as artes com parcimónia: não a poesia, mas as poesias. Cultiva-se, evidentemente. Se calhar está demasiado na posse de um estilo. Mas, escute cá, a loucura, a tenebrosa e maravilhosa loucura... Enfim, não seria isso mais nobre, digamos, mais conforme ao grande segredo da nossa humanidade?
Talvez o senhor seja mais inteligente do que eu». In Herberto Helder, Os Passos em Volta, Assírio & Alvim, 2009, ISBN 978-972-37-0119-7.

Cortesia de Assírio & Alvim/JDACT

Leituras. Parte XXIX. Mia Couto. As Três Irmãs: «Por vezes, seus seios se agitavam, seus olhos taquicardíacos traindo acometimentos de sonhos. E até, de quando em quando, o esboço de um cantar lhe surgia. Mas ela apagava a voz como quem baixa o fogo,.embargando a labaredazinha que, sob o tacho, se insinuava»

Cortesia de stephaniescherpf

As três irmãs
«Eram três: Gilda, Flornela e Evelina. Filhas do viúvo Rosaldo que, desde que a mulher falecera, se isolara tanto e tão longe que as moças se esqueceram até do sotaque de outros pensamentos. O fruto se sabe maduro pela mão de quem o apanha. Pois, as irmãs nem deram conta do seu crescer: virgens, sem amores nem paixões. O destino que Rosaldo semeara nelas: o serem filhas exclusivas e definitivas. Assim postas e não expostas, as meninas dele seriam sempre e para sempre. Suas três filhas, cada uma feita para um socorro: saudade, frio e fome. Olhemos as meninas, uma por uma, espreitemos o seu silencioso e adiado ser.

Gilda, a rimeira
Gilda, a mais velha, sabia rimar. O pai deu contorno ao futuro: a moça seria poetisa. Mais ela versejava, menos a vida nela versava. Esse era o cálculo de Rosaldo: quem assim sabe rimar, ordena o mundo como um jardineiro. E os jardineiros impedem a brava natureza de ser bravia, nos protegem dos impuros matos.
Todas as tardes, Gilda trazia para o jardim um volumoso dicionário. O gesto contido, o olhar regrado, o silêncio esmerado. Até o seu sentar-se era educado: só o vestido suspirava. Molhava o dedo, sapudo para folhear o grande livro. Aquele dedo não requebrava, como se dela não recebesse nervo. Era um dedo sem sexo: só com nexo. Em voz alta, consoava as tónicas: Sol, bemol, anzol...
De quando em quando, uma brisa desarrumava os arbustos. E o coração de Gilda se despenteava. Mas logo ela se compunha e, de novo, caligrafava. Contudo, a rima não gerava poema. Ao contrário, cumpria a função de afastar a poesia, essa que morava onde havia coração. Enquanto bordava versos, a mais velha das três irmãs não notava como o mundo fosforecia em seu redor. Sem saber, Gilda estava cometendo suicídio. Se nunca chegou ao fim, foi por falta de adequada rima.

Cortesia de gatopingadowordpress

Flornela: a receitista
A do meio, Flornela, se gastava em culinárias ocupações. No escuro húmido da cozinha, ela copiava as velhas receitas, uma a uma. Redigia palavra por palavra, devagar, como quem põe flores em caixão. Depois, se erguia lenta, limpava as mãos suadas e acertava panelas e fogo. Dobrada sobre o forno como a parteira se anicha ante o mistério do nascer.
Por vezes, seus seios se agitavam, seus olhos taquicardíacos traindo acometimentos de sonhos. E até, de quando em quando, o esboço de um cantar lhe surgia. Mas ela apagava a voz como quem baixa o fogo,.embargando a labaredazinha que, sob o tacho, se insinuava.
Os fumos da cozinha já se tinham pegado aos olhos, brumecido seu coração de moça. Se um dia ela dedicasse seu peito seria a um cheiro, cumprindo uma engordurada receita.

Evelina: a bordadeira
Na varanda, ia bordando Evelina, a mais nova. Seus olhos eram assim de nascença ou tinham clareado de tanto bordar? Certa vez, ela se riu e foi tão tardio, que se corrigiu como se alma estrangeira à boca lhe tivesse aflorado.
Lhe doía se lhe dissessem ser bonita. Mas não diziam. Porque além do pai, só por ali havia as irmãs. E, a essas, era interdito falar de beleza. As irmãs faziam ponto final. Ela, em seu ponto, não tinha fim. Dizem que bordava aves como se, no tecido, ela transferisse o seu calcado voo. Recurvada, porém, Evelina, nunca olhava o céu. Mas isso não era o pior. Grave era ela nunca ter sido olhada pelo céu.
Às vezes, de intenção, ela se picava. Ficava a ver a gota engravidar no dedo. Depois, quando o vermelho se excedia, escorrediço, ela nem injuriava. Aquele sangue, fora do corpo, era o seu desvairo, o convocar da amorosa mácula.
Em ocasiões, outras, sobre o pano pingavam cristalindas tristezas. Chorava a morte da mãe? Não. Evelina chorava a sua própria morte.

Cortesia de worldpeacejournal

Três por todas e todas por nenhum
Mas eis: uma súbita vez, passou por ali um formoso jovem. E foi como se a terra tivesse batido à porta de suas vidas. Tremeu a agulha de Evelina, queimou-se o guisado de Flornela, desrimou-se o coração de Gilda.
No tecido, no texto, na panela, as irmãs não mais encontraram espelho. Sucedeu foi um salto na casa, um assalto no peito. As jovens banharam-se, pentearam-se, aromaram-se. Agua, pente, perfume: vinganças contra o tudo que não viveram. Gilda rimou «vida» com «nudez», Flornela condimentou afrodisiacamente, Evelina transparentou o vestido. Ardores querem-se aplacados, amores querem-se deitados. E preparava-se o desfecho do adiado destino.

Logo-logo, as irmãs notaram o olhar toldado do pai. Rosaldo não tirava atenção do intruso. Não, ele não levaria as suas meninas! Onde quer que o jovem vagueasse, o velho pai se aduncava, em pouso rapineiro. Até que, certa noite, Rosaldo seguiu o moço até à frondosa figueira. Seu passo firme fez estremecer as donzelas: não havia sombra na dúvida, o pai decidira pôr cobro à aparição. Cortar o mal e a raiz.
As três irmãs correram, furtivas, entre as penumbras e seguiram a cena a visível distância. E viram e ouviram. Rosaldo se achegando ao visitante e lhe apertando os engasganetes. A voz rouca, afogada no borbulhar do sangue:
  • “Você, não se meta com minhas filhas!”
O moço, encachoado, rosto a meia haste. E ante o terror das filhas, o braço ríspido de Rosaldo puxou o corpo do jovem. Mas eis que o mundo desaba em visão. E os dois homens se beijaram, terna e eternamente. Estrelas e espantos brilharam nos olhos das três irmãs, nas mãos que se apertaram em secreta congeminação de vingança.
Há muitos sóis. Dias é que só há um. Para Rosaldo e o visitante, esse foi o dia. O derradeiro». In Mia Couto, O fio das Missangas, Editorial Caminho, Frente e Verso, 2008.

Cortesia de Frente e Verso/JDACT

Ruy Belo. A Habitação do Mundo: «Como a tardia folha que tem insaciável vocação de chão. Pois nesse " insaciável" se diz que folhas e homens viajam no espaço, cobrem, talvez dominem alguns passos de terra, mas a terra ficará sempre à distância...»


Cortesia da fcg e esquerdadavirgula

Homem de Palavra[s]
Amei a mulher amei a terra amei o mar
amei muitas coisas que hoje me é difícil enumerar.
De muitas delas de resto falei.
Não sei talvez eu me possa enganar
foram tantas as vezes que me enganei
mas por trás da mulher da terra e do mar
pareceu-me ver sempre outra coisa talvez o senhor.
É esse o seu nome e nele não cabe temor.
Mas depois deste sonho sou obrigado a cantar:
Eis que o senhor está neste lugar
[...]
Aqui - mulher tera mar -
Aqui só pode ser a casa de Deus.

Aonde estás, Emmanuel, aonde?
[...]
Que vieste fazer a Elsenor?
Perder-te nos passinhos insistentes miudinhos
usados nos caminhos das modernas praias
entre risos e lágrimas locais?

Eu sei que só tu sabes o meu nome
tentar sabê-lo foi afinal o único
esforço importante da minha vida.
Sinto-me olhado e não tenho mais ser
que ser visto por ti. Há no meu ombro lugar
para o teu cansaço e a minha altura é para ser medida
palmo a palmo pela tua mão ferida.
[...]
Poema de Ruy Belo, in «Homem de Palavra[s]»

JDACT

sábado, 29 de outubro de 2011

José de Encarnação. Das Guerras Peninsulares e das Epígrafes Romanas: «…contudo, estada em Madrid deu início ao seu interesse pelos temas relacionados com a documentação do arquivo da Academia da História de Espanha. O seu último grande estudo seria o Estado de Portugal»

Cortesia de lahistoriademira

José Andrés Cornide de Folgueira e as Inscrições de Ammaia (Conventus Pacensis)
«Dentre os investigadores da Antiguidade hispânicos poucas personalidades conheceram tão bem Portugal como José Andrés de Folgueira Saavedra (La Coruña, 25 de Abril de 1734 - Madrid, 22 de Fevereiro de 1803). Reconhecido, no seu tempo e na bibliografia posterior, como um dos grandes pesquisadores, os seus milhares de documentos pessoais foram legados, quando morreu, à Real Academia da História em Madrid, onde têm permanecido durante todo este tempo e estão a dar agora os resultados científicos que Cornide deles não pôde obter devido à sua morte prematura.

Em 1789, deixou Cornide a sua herdade de Mondego, próximo da sua Coruña natal, e transferiu-se para Madrid, onde, em 1791, foi admitido na Real Academia da História como supranumerário e, pouco depois, em 1792, como Académico de Número. Foi Secretário da Academia desde 19 de Fevereiro de 1802 a 22 de Fevereiro de 1803, exercendo simultaneamenre esta função com a de Bibliotecário, cargo que desempenhou desde 4 de Junho de 1802 até à morte. Do interesse pelas antiguidades da sua terra galega legou-nos, entre outros, os estudos sobre a Torre de Hércules e a “Dissertação históríca sobre cuál hubiera sido el antigo asiento de la Ciudad Límica o Lémica, señalada por patria al Hidacio ín el prologo de su cronicón”.
Foi um homem interessado pela literatura, pela história, pela geografia, pela zoologia, etc., e não apenas da .sua Galiza natal, a que dedicou grande parte dos seus estudos, especialmente antes da sua chegada a Madrid. Manteve larga correspondência, em grande parte perdida, salvo excepções, com muitíssimas figuras da sua geração e teve acesso às mais altas instâncias do Estado, que lhe confiaram missões delicadas, inclusive de política externa.

Adquiriu uma boa parte dos seus estudos na rica documentação da Real Academia da História, cujo arquivo conhecia com mais pormenor do que os seus contemporâneos e de que abundantemente se serviu.
Manejou os fundos manuscritos de muitos autores que o haviam precedido, mas especialmente os do Marquês de Valdeflores. Os seus livros da época anterior à chegada a Madrid tratam todos sobre a história natural e sobre a antiguidade da Galiza; contudo, estada em Madrid deu início ao seu interesse pelos temas relacionados com a documentação do arquivo da Academia da História de Espanha. O seu último grande estudo seria o Estado de Portugal.

Cortesia de viumhomemwordpress

Tamanha actividade intelectual de Cornide traduziu-se numa infinita acumulação de notas, que aparecem intercaladas por dezenas de maços da Academia, onde nem sempre é possível seguir um fio que permita a sua classificação. Hübner, ao referir-se à sua obra no CIL II, diz:
  • “Est farrago rudis omnino et indigesta, nam Cornide nec docto nec dìligenter rem.egit (tam diu interdum ne academiae quidem ubi esset scribebat, ut amici dubitarent utrum viveret necne”.
A maior dificuldade em ordenar essa documentação reside em datar cada nota e relacioná-la com o resto da série, habitualmente situada num legado distinto, pois nem sequer os maços que compõem a colecção Cornide apenas contêm obra própria. A ausência de datas e de assinaturas é a tónica geral, pelo que só a letra característica deste personagem permite rastrear a sua autoria em muitas das centenas de papéis sobre < Antiguidade que a Real Academia da História conserva.
O grande empreendimento da sua vida foi a viagem a Portugal, encarregado pela Academia e encorajado pelo próprio Manuel Godoy, que via nele a possibilidade de conhecer, em primeira mão, o sistema defensivo do país vizinho, na perspectiva de um eventual conflito.

jdact

Cornide realizou essa viagem entre 20 de Outubro de 1798 e 10 de Março de 1801, ainda que a sua morte prematura, em 1803, tenha deixado por concluir todos os estudos que tinha entre mãos como consequência da sua larga permanência portuguesa; no primeiro volume da obra “Estado de Portugal en el año de 1800” há uma «Nota preliminar», de António Sánchez Moguel, onde se narram o, pormenores da organização, o desenrolar e a publicação da viagem; sabemos por aí que Cornide apresentou à Junta de 22 de Outubro de 1802 «vários cadernos de apontamentos e diversos materiais» trazidos de Portugal, que pretendia passar a limpo; mas faleceu quatro meses depois, pelo que não o pôde fazer e só deixou terminado o “Estado de Portugal”.
Um ano antes, em 1797, Cornide redigira umas:
  • “Observaciones sobre el modo de hacer la guerra contra el reino de Portugal; sigue la noticia de las plazas fronteirizas del mismo reino y del território intermédio e uma Noticia de las Plazas fronterizas del reino de Portugal e terreno intermédio”, com o que não se deve estranhar que, entre os seus papéis, se encontre .uma “Carta dirigida al Excmo. Sr. Duque de Frias sobre la forma e modo de invadir Portugal”.
O próprio Cornide alude antes da sua morte, ao dizer que «esta Carta foi escrita nos começos do ano de 1800 e antes de ter feito as minhas viagens à parte oriental do Alentejo e à Beira, de modo que resulta daí e das notícias que obteve no país, que tenha pensado que seria mais conveniente empreender a entrada no Reino de Portugal pelas imediações da Praça de Almeida, a qual, no caso de não se querer cercá-la, se poderia deixar bloqueada com algum corpo de tropas e continuar a marcha para ocupar a cidade da Guarda…». In Juan Manuel Abascal, Universidad de Alicante, Rosario Cebrián, Parque Arqueológico de Segóbriga, José d’Encarnação, Universidade de Coimbra, Marvão e Ammaia ao tempo das Guerras Peninsulares, IBN MARUAN, 2009, Edições Colibri, Câmara Municipal de Marvão, ISBN 978-972-772-876-3.
Cortesia de E. Colibri/CM de Marvão/JDACT

Tesouros da Literatura e História. Duarte Nunes de Leão. Chronica del rei D. Afonso Henriques: «Pela authoridade dos antepassados padres somos amoestados, que tudo aquillo que quisermos ser firme & valioso, per escripturas publicas o encommendemos aa memoria, assi dos presentes, como dos que ao diante forem. Polo qual eu a Rainha Tareja…»

Cortesia de andancasmedievais

NOTA: Texto na versão original

«Per morte do conde Dom Henrique ficou a Rainha Dona Tareja sua molher em posse & cabeça do reino, como senhora proprietaria que era delle,por el Rei Dom Afonso seu pai lho dar em dote. O qual ella administrou & gouernou os annos que viueo despois da morte de seu marido, que forão dezoito annos, segundo se auerigou. Sob cuja gouernança & administração ficarão o Infante Dõ Afonso seu filho, & suas filhas Dona Sancha, & Dona Vrraca, como se vee do testamento & doação, que a mesma Rainha Dona Tareja fez da jurdição da cidade do Porto a Dom Hugo Bispo della no anno do senhor de M. CXX. que forão despois da morte do conde seu marido oito annos: na qual assinarão ao custume daquelle tempo os ditos seus filhos, o Infante Dõ Afonso, & Dona Sancha, & Dona Vrraca. O qual testamento & doação está registrado no tombo Real do reino, na lingoa Latina, em que naquelle tempo fazião as escripturas publicas. Do qual porei aqui o treslado em Portugues, como na see do Porto está, & della mo mandou Dom frei Marcos Bispo da mesma cidade. Porque he o mór testemunho, que póde hauer, para confutação das calumniosas fabulas, que contra aquelles principes andarão ategora no vulgo. Porque per este instrumento se vee, como a Rainha Dona Tareja não casou com dous irmãos, como logo o marido falleceo, nem sua filha Dona Sancha passou a infamia de casar com seu padrasto, sendo viua sua mai. Nem o Infante D. Afonso Henriquez teue causa de prender sua mai, senão de venerala, como sempre fez ate morte. E a doação he a seguinte.
Cortesia de purl
  • «Pela authoridade dos antepassados padres somos amoestados, que tudo aquillo que quisermos ser firme & valioso, per escripturas publicas o encommendemos aa memoria, assi dos presentes, como dos que ao diante forem. Polo qual eu a Rainha Tareja, filha do glorioso Emperador Afonso, em honra & gloria de nosso Senhor Iesu Christo, […] Doo por tanto & otorgo os sobreditas heranças, ou pesqueiras a santa Maria da see do Porto, & a Dom Hugo Bispo da dita see, & a seus successores, & faço caução firmissima per seus termos. […] Eu a Rainha Dona Tareja, filha do glorioso Emperadar Afonso, confirmo & assino esta carta, ou caução, com mintas próprias mãos, juntamente com consentimento de meu filho Afonso, & de minhas fihas Vrraca, & Sancha. […]».
Gouernaua a Rainha Dona Tareja suas terras de Portugal, & o Infante Dom Afonso seu fllho, que era mancebo, & de altos pensamentos, as defendia dos continuos assaltos, que os Mouros, que tinha por vezinhos, lhes fazião; como foi o cerco que a Coimbra veo pôr hum Rei Mouro chamado Eujuni no anno de M. CXVII. com hum exercito de tantos mil homeês, que as memorias daquelle tempo dizem ser trezentos mil, de que muitos erão de cauallo.

Cortesia de arqnet 

Mas o Infante com os que na cidade tinha, se defenderão tam valerosamente, & tanto entretiuerão os Mouros, que nelles deu hüa tam cruel peste, que cada dia lhes fallecia muito numero de homeês, alem da fome, de que vierão padecer, por se lhe gastarem os mantimentos no largo tempo do cerco, cuidando elles, que em chegando tomarião a cidade. Polo que vendo os Mouros a diminuiçaõ que nelles fazia de húa parte a peste, & da outra os Christãos, & que os cercados tinhão muitos mantimentos, que lhes a elles faltauão, desesperados de tomar a cidade, leuantarão o cerco, & com grande afronta sua se forão, deixando grande parte da gente, que trouxerão, morta, com grande honra do Infante Dom Afonso, que naquelle tempo era de XXIII. annos.

Naquelle mesmo anno ajuntou o Infante algúa gente, determinando de não estar vago, & ganhar honra com os maos vezinhos, que tinha, & fez entrada pela terra de Leiria, cujo castello combateo rijamente. E posto que fosse mui forte, & os Mouros se defendessem com muito esforço, tomou o castello per força, matando aa espada os mais dos Mouros, que achou. Tomada a villa a deu ao Prior Dom Theotonio de Santa Cruz de Coimbra, que era hum homem santo, & em que elle tinha muita deuação, & a elle, & ao seu moesteiro fez doação do temporal & espiritual della, em que o Prior pôs por Alcaide Paio Goterrez, homem principal & esforçado. E tomada Leiria, proseguindo o Infante mais pela terra dos Mouros, tomou a villa de Torres Nouas, & da hi se tornou para Coimbra cõ os seus carregados de honra, & despojos.
Nestes tempos teue origem a ordem dos Templarios, que inda oje he mui embrada por o muito louuor que ganharão os primeiros caualleiros della, & o infame & lastimoso fim, que houuerão os derradeiros. E muito mais pola grande & altercada duuida de sua innocencia, ou culpa. Hauia naquelles tempos, em que da Christantlade toda ia aa guerra santa grande multidão de gentes, noue caualleiros quasi todos Franceses mui esforçados. Dos quaes soomente ficarão os nomes de Hugo de Paganis, & Gaifredo de santo Adelmaro, que tomarão por officio defender os peregrinos, que aos lugares santos ião, dos salteadores, que hauia, assi do porto de Iapha, atee a santa cidade de Ierusalem, como per outros lugares. Andando, pois, o tempo em que se vio a vtilidade, que aos Christãos vinha de seu amparo & defensaõ, & sendo ja muitos em numero, lhes foi assinado por pousada & recolhimento hum certo lugar no santo templo do sepulchro de nosso Senhor, per permissaõ do Abbade delle, donde lhes veo o nome de Templarios, ou caualleiros do templo». In Tesouros da Literatura e da História, Crónicas dos Reis de Portugal, reformadas por Duarte Nunes de Leão, Lello e Irmão, Editores, 1975, Porto.

Cortesia de Lelo e Irmão Editores/JDACT

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Victor Hugo. O Compromisso Político e Social: «Viveu um intenso processo de compromisso político e social, que evoluiu desde a sua herdada posição conservadora até à sua conquista de porta-bandeira da denúncia social. Neste sentido, criticou duramente a desigualdade social, e também a pena de morte e a guerra. Deste modo, chegou a ser um ícone da III República Francesa»


Cortesia de wikipedia

A imensa figura de Victor Hugo abraçou fortemente o vasto panorama político e social da França durante grande parte do século XIX. Participou activamente na evolução política desta época agitada e converteu-se num grande símbolo republicano.
A personalidade de Victor Hugo viveu um intenso processo de compromisso político e social, que evoluiu desde a sua herdada posição conservadora até à sua conquista de porta-bandeira da denúncia social. Neste sentido, criticou duramente a desigualdade social, e também a pena de morte e a guerra. Deste modo, chegou a ser um ícone da III República Francesa.

Do conservadorismo ao reformismo
Na sua juventude, Victor Hugo optou pela linha política do seu admirado Chateaubriand. Esteve próximo do partido Conservador e, durante a Restauração, apoiou Carlos X. Na revolução de 1848, enquanto par de França, começou por defender a monarquia. Uma vez proclamada a República, nas eleições de Abril foi eleito em Paris pelo partido Conservador:
  • votou a lei do 9 de Agosto, que suspendia alguns jornais republicanos;
  • apoiou a candidatura de Bonaparte às presidenciais de 1848;
  • a sua oposição ao princípio da assembleia legislativa única levou-o a não aprovar a Constituição desse ano.
Foi no Verão de 1849 que se afastou da maioria conservadora, recusando a sua política reaccionária:
  • combateu a lei Falloux, que favorecia a Igreja Católica:
  • combateu a lei que restringia o sufrágio universal (em Maio);
  • combateu e interveio contra a lei Rouher, que limitava a liberdade de imprensa (em Julho);
  • opôs-se à lei que propunha a revisão da Constituição para permitir a reeleição de Bonaparte, em Julho de 1851;
  • redigiu um apelo à resistência armada, juntamente com cerca de 60 representantes, (golpe de estado de 2 de Dezembro de 1851;
  • perseguido, conseguiu "passar" para a Bélgica a 14 de Dezembro. Foi o começo de um longo exílio.


Cortesia de wikipedia

Os combates sociais
Reformista como foi, Hugo quis transformar a sociedade. Apesar de justificar o enriquecimento, denunciou violentamente o sistema de desigualdade social. Assim, a elite burguesa não lhe perdoou. Da mesma maneira, opôs-se à violência quando exercida contra um poder democrático, mas justificou-a, conforme a Declaração dos Direitos Humanos.
Quando à guerra Franco-Prussiana, Victor Hugo condenou-a:
  • «guerra de capricho e não de liberdade».
Posteriormente, o povo de Paris não aceitou a derrota e a Comuna começou a 18 de Março. Levantaram-se ao alto "Os Castigos"». In Wikipédia e História Universal.

Cortesia de História de França/Enciclopédia Verbo/JDACT

Yair Dalal. The Oud. O instrumento mais compartilhado por árabes e judeus: «Refecte uma forte afinidade com o deserto e os seus habitantes. O Médio Oriente entrelaçado nas tradições de judeus iraquianos e a música árabe»

Cortesia de yairdalal










JDACT

Victor Hugo. Personificação da rebeldia romântica contra o classicismo académico. E quando todos têm acesso às luzes do saber, então chegou a hora da democracia».


(1802-1885)
Besançon, França
Cortesia de wikipedia

Personificação da rebeldia romântica contra o classicismo académico, primeiro, e da vontade democrática frente ao absolutismo napoleónico, depois. Victor Hugo é uma das maiores figuras da literatura francesa. Tornou-se ainda em vida uma personagem popular e deixou uma obra monumental, que abarca todos os géneros e registos.
Um exemplo da vontade férrea de Hugo é a declaração de intenções que deixou anotada no seu diário com apenas 14 anos de idade:
  • «Quero ser Chateubriand ou nada».
Mas a sua figura superaria o âmbito do romantismo francês para se converter num dos grandes escritores do século e de tempos, profundamente comprometido com a evolução da realidade social e política que conheceu ao longo da sua vida. Da sua família herdaria as suas convicções monárquicas e atitudes conservadoras, das quais se iria distanciando com o passar dos anos. Na verdade, como deputado da II República ainda apoiou em 1848 a candidatura à presidência do último Bonaparte, Carlos Luís, acabando por "romper" com ele um ano mais tarde por reprovar a política reaccionária de quem, em 1851, concretizaria um golpe de estado e se coroaria imperador como Napoleão III.


Hugo propiciou com a estreia da obra teatral "Hernâni", uma célebre batalha
campal as fileiras do teatro francês. Os clássicos injuriavam a obra. Os românticos
consideravam-na o estandarte do novo drama, a diversidade das paixões humanas.
Cortesia de jocsecund

Hugo partiu para o exílio, primeiro em Bruxelas, depois em Jersey e, finalmente em Guernsey, uma ilha britânica do canal da Mancha onde permaneceria até à proclamação da III República em 1870. A partir daí, tornou-se o mais emblemático opositor do II Império de França, encarnado na pessoa de Napoleão III. Chegou a recusar a amnistia que este ofereceu aos proscritos:
  • «e se só ficasse um, esse seria eu»
Contra o regime, Hugo escreveu "Os Castigos" em que denuncia com «fúria bíblica» a violação das leis da República enquanto um crime. Já em 1846 tinha escrito no seu poema «Em Marcha» ("As Contemplações"), depois da morte sua sua filha Léopoldine:
  • «Amadureci. Ali, onde o conhecimento não é mais do que um homem, a monarqui impõe-se. Ali, onde está um grupo de homens, esta deve ceder o seu lugar à aristocracia. E quando todos têm acesso às luzes do saber, então chegou a hora da democracia».

Léopoldine
A Lenda dos Séculos
Cortesia de wikipedia e divagar

A obra "monumental" de Hugo já contava até ao momento do seu exílio com grandes êxitos, tanto no teatro, "Hernani", como no romance, "Nossa Senhora de Paris". Deste modo, durante este período fecundo, atingiu o topo da sua «produção» com a poesia épica de "A Lenda dos Séculos" e o romance "Os Miseráveis". Após a derrota de Napoleão na guerra Franco-Prussiana em 1870, Victor Hugo regressou à sua terra natal. Foi uma figura tutelar da república recuperada e uma referência literária.

"Uma Lágrima por uma Gota de Água", de Olivier Merson,
que mostra a famosa cena de N. S. de Paris

Cortesia de wikipedia e curiofisica

Morreu a 22 de Maio e calcula-se que cerca de 1 milhão e meio de pessoas se deslocaram para lhe prestarem uma última homenagem no cortejo fúnebre, desde o Arco do Triunfo (onde ficou exposto durante uma noite) até à igreja de S. Genoveva, transformada desde então no Panteão consagrado a oferecer sepultura às grandes personalidades da história nacional francesa.



Cortesia de wikipedia e divagar

Cortesia de Wikipédia/JDACT

Augusto Rainho. Pintura: Exposição no Museu de Santa Maria da Flor da Rosa, Crato

Cortesia da cmcrato

Pinturas de Augusto Rainho no Museu de Santa Maria da Flor da Rosa.

A exposição de pintura de Augusto Rainho denomina-se "ou: do avesso" e terá lugar no Museu de Santa Maria da Flor da Rosa, pertencente ao Município do Crato, entre o pf dia 30 de Outubro de 2011 e 8 de Janeiro do próximo ano. A inauguração terá lugar às 16h00.
A exposição, que integra 25 obras inéditas do castelovidense Augusto Rainho, será promovida pela Câmara Municipal do Crato e Direcção Regional de Cultura do Alentejo.

O horário da exposição:
  • Dias úteis: Das 9h30 às 12h30 e das 14h00 às 17h30;
  • Fins-de semana: Das 10h00 às 13h00 e das 14h30 às 18:00.
Com a amizade de RR.
JDACT

Uma Boa Notícia: Central Nuclear de Almaraz parou produção por altas temperaturas na bomba de refrigeração

Cortesia de wikipedia


Óptimo! Uma boa notícia.


«A central nuclear de Almaraz, que fica a 100 quilómetros de Portugal, em Cáceres, comunicou ao conselho de segurança nuclear espanhol que parou a produção de um reactor devido à presença de "altas temperaturas" numa das bombas de refrigeração. Segundo a agência espanhola EFE, esta decisão surge como medida preventiva, "e antes que se alcance um valor que pare automaticamente o reactor", os responsáveis da central decidiram parar programadamente a produção de electricidade.
Segundo um comunicado da central nuclear de Almaraz, "os sistemas de segurança actuaram correctamente e a central encontra-se parada".
Esta paragem, informou a central, "não coloca em risco nem as pessoas nem o meio ambiente" e classifica-se, "de forma preliminar", como nivel 0 na escala internacional de sucedidos nucleares. A central nuclear de Almaraz, na Província de Cáceres, funciona desde o início dos anos 80 junto ao Rio Tejo e faz fronteira com os distritos portugueses de Castelo Branco e Portalegre. Uma eventual explosão na central nuclear de Almaraz, obrigaria à «progressiva» retirada da população da zona de Portalegre». In Rádio Portalegre, 23.10.11


Cortesia de R. Portalegre/JDACT

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Tesouros da Literatura e História. Duarte Nunes de Leão. Chronica do Conde D. Henrique, Fundador do Reino de Portugal: «E para que nos não attribuão a arrogancia contarmos o nosso por verdadeiro, deixando o antigo esquecido, referiremos primeiro o que reprouamos, & despois contaremos o que damos por verdadeiro, imitando tambem nisto os boõs lauradores, que primeiro que semeem a terra, arrancão os espinhos, & heruas maas, que a occupauão»

Cortesia de leloeirmaoeditores

NOTA: Texto na versão original
«Por a empresa que tomei de screuer dos prìmordios do reino de portugal, & de seus Principes, cousas tam differentes das historias até agora recebidas, & approuadas, bem vejo a quanto perigo me ponho com todos, & quam audaz, & temerario negocio parecerá condenar eu por apocryphas cousas tam sabidas de todos, & nunqua postas em duuida, & que sendo acceptas per discurso de tantos annos, parecem ser sagradas, & inuiolaueis. Mas confio, que os homeês que com entendimento, & sem paixão me lerem, terão meu trabalho por bem empregado, & ser mais digno de agradescimento, que de reprehensaõ.
Porque a mi não me moueo amor, odio, ou sperança de algum interesse de Principes, que ha quinhentos annos que passarão, nem cobiça de ganhar honra com authores mortos, que ja por si não podem tornar, & que sendo viuos não se poderão defender. Mas desejo de mostrar a verd.ade, que todos os boõs deuem seguir, & abraçar, & que per si se descobre, & manifesta. Moueome principalmente a muita indignação que tinha de ver, por culpa dos antigos, & negligencia dos presentes, maculada a honra, & fama de múitos principes, & Princesas deste Reino, de que se podérão recontar muitas heroicas virtudes contrarias aos males, que lhes falsamente impoem contra o costume de todas nações, que nas historias que fizerão de seus Reis, sempre buscarão as mais notaueis virtudes, & honrosas partes que tiuerão, para honrarem suas memorias. Chegauase a isto que muitos historiadores, por verem o dano que trazem historias erradas, & a toruação, que dão ao entendimento, emendarão as que outros escreuerão, sem por isso os notarem de alguma culpa.

Polo que em erros tam manifestos não me deuem attribuir à temeridade, metter maão aos emendar. Porque não vim ao fazer tam desajudado de algumas partes. Qua alem da natural inclinação que desde moço tiue aa lição das historias, não soomente lij as de Hespanha; mas por a noticia que tinha de algumas lingoas, lij quasi todas as de Europa, alem da muita noticia que tiue do tombo Real do reino, que muitas vezes reuolui para cousas de seruiço de sua Majestade, & do cartorio de Lisboa que reuolui no tempo que lhe reformei suas posturas, & regimentos, a fora muitas scripturas de doaçoês, testamentos, titulos de sepulturas, & contractos de moesteiros do reino, & de fora delle, & liuros dos concilios, de que me ajudei, para auerigoar muitas cousas pela razão dos tempos, que he o norte das historias.

Cortesia de purl

E para que nos não attribuão a arrogancia contarmos o nosso por verdadeiro, deixando o antigo esquecido, referiremos primeiro o que reprouamos, & despois contaremos o que damos por verdadeiro, imitando tambem nisto os boõs lauradores, que primeiro que semeem a terra, arrancão os espinhos, & heruas maas, que a occupauão. E para que os que se contentão mais do antigo, o tenhão sempre diante, & sigão o que lhes melhor parecer. E vindo a nossa historia faremos principio do Conde Dom Henrique, de que os Reis de Portugal descendem. Do qual por grande discuido, & rudeza dos antigos, não se sabe sua linhagem, nem patria em certo. O que não he pequena afronta para hum reino florentissimo, & tam grande, como he o de Portugal, que o tem por author, não sendo seus tempos tam distantes dos nossos, como forão os dos Condes de Castella, & Aragaõ, cujos nomes & origem souberão sempre seus vassallos. Polo que como hús o fazem de húa prouincia, outros de outra, & ficou sua patria tam incerta, referindoa a diuersas naçoês, foime necessario discorrer per historias de outras gentes, para auerigoar a opinião, que de sua patria & linhagem se deue ter, pois trato de escreuer as vidas dos Reis de Portugal, que delle tem origem. E porque os que do Conde Dom Henrique tratarão com razão os Poúugueses tinhão obrigação de dar mais razão da verdade de sua origem, & a elles se deuem arrimar todos os que a não souberem, começaremos da opinião que teue Duarte Galuão, a que tocaua tirar a duuida que sobre isso hauia como Portugues, secretario del Rei, & seu chronista, & pessoa de grande authoridade. O qual na vida del Rei Dom Afonso Henriquez affirma o Conde Dom Henrique seu pai ser filho de hum Rei de Vngria, não declarando de que Rei, nem dando razão de sua vinda a Hespanha, seguindo soomente (como sta dito) o que achou em algûa memoria pouco authentica, ou na fama popular.

Cortesia de alvorsilves

Mas quem com diligencia reuoluer as historias daquelle reino, & começar a contar do tempo de Stephano primeiro Rei Christão, atee o de Latlislao, que morreo no anno de nosso Senhor IESV Christo de M.XCV. quando ja Dom Afonso Henriquez era nascido, não achará que Rei algum de Vngria tiuesse filho per nome Henrique, nem outro que a estas partes pudesse vir. Porque aquelle Stephano primeiro Rei, que foi sancto & canonizado, foi filho unico de Geysa Duque de Vngria & da Duquesa Saroltha sua molher, & nasceo no anno de DCCCCLXIX. No qual tempo não podia o Conde Dom Henrique ser nascido, pois vindo como caualleiro auentureiro ganhar honra, que necessariamente auia de ser mancebo, & deixando seu fllho Dom Afonso de xviij annos, & segundo alguns de menos, falleceo no anno de M.CXII. como adiante se dirá.

Este Rei Stephano morreo sem filhos. Porque hum soo que teue por nome Emerico, sendo casado faleceo santo & virgem em vida de seu pai no anno de M.XXXI. Polo que a el Rei Stephano succedeo Pedro seu sobrinho filho de huma sua irmaã. O qual sendo priuado do reino pelos Vngaros por sua dissoluta vida, & desterrad.o, & acolhido a Bauaria, foi substituido em seu lugar Aba, cunhado do mesmo Rei Stephano. Mas Aba não durou muito. Porque por seus vicios & incontinencia, que veo ser tanta, que tinhão os Vngaros saudade do tempo de Pedro, juntos em huma conspiração, com ajuda do Emperador Henrique o. III. o matarão, não ficando delle filhos: & a Pedro restituirão a seu antigo stado». In Tesouros da Literatura e da História, Crónicas dos Reis de Portugal, reformadas por Duarte Nunes de Leão, Lello e Irmão, Editores, 1975, Porto.

Cortesia de Lelo e Irmão Editores/JDACT

Lupe Cotrim Garaude. Poesia: Raíz Comum. «... em querer, em perceber, uma pobreza qualquer onde eu possa enriquecer»

Cortesia de civilizacao

Raíz Comum
Da desordem nunca
erguerei um verso.

Bem sei
que na bela superfície de um momento,
existe o alento
da Poesia.

Mas é do futuro,
é do instante que serve
a continuidade da vida
em sentimento,
que desejo o meu poema.

O Homem,
sofrido a prosseguir
na sua eternidade construída,
eis o meu tema.

Cortesia de civilizacao

Ó que imenso dissipar
Ó que imenso dissipar
Ppr assim gostar de tudo!

Com o meu ser estendido,
tenso ao apelo do mundo,
pulsando seu movimento
vou erguendo esta prisão.

Os pés retidos, imóveis,
pelos choques de atracção
com a alma paralisada
contendo tanta largueza
e aspectos da vastidão.

Por que ter tantos sentidos,
o sentimento tão apto
e o coração vulnerável?

Por que sentir sem repouso
num existir que é um rapto
exausto de comunhão?

Uma pobreza qualquer,
pobreza em voz, em beleza,
em querer, em perceber,
uma pobreza qualquer
onde eu possa enriquecer.
Poemas de Lupe Garaude, in «Raíz Comum»

Editora Civilização Brasileira
Exemplar nº 0157, 1959/JDACT

Eduardo Brazão. Em Demanda do Cataio. Parte 2. A Viagem de Bento de Goes à China 1603-1607. «É presumível que a seda chinesa fosse conhecida da Ásia Meridional e por intermédio desta em Roma e na Grécia com o nome de “sir”. “Seres” era o nome da grande nação como era conhecida por terra no Extremo Oriente; “Sinae” como era conhecida por mar. Mas sempre se imaginou que “Cataio” e “Seres” eram dois países distintos»

Cortesia de europaamerica

O Cataio
Durante cerca de três séculos as províncias do Norte da China foram ocupadas por povos estrangeiros, primeiro que todos os “Kitans” (937-1125), pré-mongólicos ou tungus que vinham das regiões baixas do Sungari, no Sudoeste da Manchúria e Sueste da Mongólia. Foi no final da dinastia Tang que esses nómadas e guerreiros começaram a penetrar na China Setentrional, ocupando finalmente, em 947, a chave daquelas regiões, que depois se haviam de chamar Pequim. Organizaram-se, dominaram e foram conhecidos no Extremo Oriental como a “dinastia Liao”. Mas o que deles nos pode interessar, mais que as suas riquezas acumuladas em períodos de paz e as suas manadas de cavalos, foi o terem dado o nome que por largas décadas foi conhecido no Ocidente a China milenária, Khitai, Khata ou Cathay e que nós portugueses chamámos Cataio, ou Grão-Cataio. Assim o nome se foi espalhando pelos povos vizinhos e a todo o mundo oriental, ficando até nossos dias na língua ds alguns dos países que o compõem, para designar a China como um todo. À Europa chegou pela primeira vez na preciosa “Historia Mongolorum” e noutros escritos em que o franciscano João da Pian di Carpine dava conta ao papa da sua arriscada missão nas imensas terras dos Khans.

Os mongóis ameaçavam o Ocidente; e Inocêncio IV, poucos anos volvidos sobre a sua eleição, propunha-se ir de encontro ao perigo para tentar arredá-lo. Tinham-lhe chegado imprecisas notícias da existência de tribos cristãs entre eles. Era necessário dividi-las dos seus irmãos de sangue que professavam noutra crença. Mas para tal havia que encontrá-las.

Cortesia de europaamerica

Foi escolhido como mensageiro do soberano pontífice o monge de S. Francisco, João da Pian di Carpine, que partia nos fins de 1244 acompanhado de frei Bento de Polónia, com credenciais para o “Supremo Khan” e instruções precisas de pregar a Fé de Cristo aos infiéis, de saber quais as suas intenções sobre a Europa e de procurar os cristãos do Oriente cuja existência se suspeitava.
Dessa longa e trabalhosa viagem, tão vazia de resultados, trazia Carpine uma mão-cheia de novidades à Roma papal e ao mundo cristão; e pela primeira vez havia referências ao distante Cataio na forma de “Kytai”. Mas era um nome vago dum reino entre outros muito apontados. O “Supremo Khan”, Kuyuk, grande e poderoso como os maiores do seu sangue, Kubilai, Genghis, Ogotay e Mangu, respondia ao pontífice tão altivo como mais tarde um outro imperador oriental ao representante do orgulhoso mundo inglês. Escrevia o mongol da sua tenda atapetada:
  • «Deus ordenou aos meus antepassados e a mim próprio que exterminássemos as fracas nações. Perguntais-me se eu sou cristão: Deus o sabe e se o papa também o deseja conhecer, venha para se certificar».
De tribos professando a Fé de Cristo, Carpine apenas encontrara heréticos nestorianos que na China penetraram, segundo a lápida de Sian, em 635 da nossa era.

 
Cortesia de europaamerica

A pressão mongólica sobre o Ocidente continuava a inquietar os mais altos paladinos do Cristianismo; e Luís IX de França, tendo conhecido de perto, em cruzada desastrosa, do valor e força daqueles guerreiros por profissão que, no dizer do seu mensageiro, frei André de Longumeau, tinham na extremidade do Mundo encurralado, em muralhas imensas, o povo de Gog e de Magog, resolveu enviar-lhes novo embaixador. Mais um franciscano partia perante a ansiedade duma Europa atormentada com o perigo do Oriente.
Guilherme de Rubruk, flamengo dos Frades Menores, acompanhado de Bartolomeu de Cremona, partia do Acre em 1252. Também a sua missão não foi coroada de êxito nos fins que tinha em vista. Mas o penetrante franciscano conseguira identificar o Cataio com a “velha Seres”, cujo conhecimento vinha do mundo clássico greco-romano. Fora a seda que trouxera o nome, do Extremo Oriental à Roma pagã, por caminhos que os mercadores percorriam, cruzando estepes, desertos e montanhas, para prazer das matronas da antiguidade.

Plínio o Velho escrevia:
  • «Assim havia que atravessar a Terra desde os seus confins para que as donas de Roma pudessem mostrar os seus encantos, envoltos em tecidos transparentes».
Mais tarde a grande estrada de seda havia de ser interrompida por convulsões na Europa e em toda a Ásia. Mas o nome do “país de Seres” não fora mais esquecido entre a latinidade.

Nota: O mundo clássico grego-romano conhecia na Ásia um país chamado “Serica”, habitado pelos “Seres”. O carácter chinês que significa “seda” pronunciava-se antigamente “sir”. É presumível que a seda chinesa fosse conhecida da Ásia Meridional e por intermédio desta em Roma e na Grécia com o nome de “sir”. “Seres” era o nome da grande nação como era conhecida por terra no Extremo Oriente; “Sinae” como era conhecida por mar. Mas sempre se imaginou que “Cataio” e “Seres” eram dois países distintos. A seda deve ter aparecido em Roma no 1º século antes de Cristo através de Seleucia no Tigre e Antioquia. Na Europa imaginava-se que ela crescia nas árvores e, naturalmente, os chineses não o desmentiam.
In Eduardo Brazão, Em Demanda do Cataio, A Viagem de Bento de Goes à China, 1603-1607, Gráfica Imperial, 2ª edição, Lisboa 1969.
Cortesia de Gráfica Imperial/JDACT