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domingo, 10 de março de 2013

Do Japão para o Alentejo. A Embaixada Tenshö em Vila Viçosa no ano de 1584. Tiago Salgueiro. «… a precoce idade de todos os intervenientes, o duque e os seus irmãos teriam sensivelmente a mesma idade dos embaixadores japoneses, compreendida entre os 12 e os 15 anos»

jdact

«Para além da existência de dispositivos formais e de práticas informais inerentes às lógicas de organização do poder e em particular, do poder senhorial, os duques de Bragança também promoveram, desde a sua origem, um conjunto de estratégias conscientes que direccionavam as acções da Casa. A análise dos empreendimentos construtivos desenvolvida pelos duques enquanto mecenas é muito relevante, na medida em que agregava condições para atrair à corte calipolense um conjunto muito significativo de agentes criativos, nomeadamente músicos, pintores, escultores e diplomatas. O desenvolvimento desta vida cortesã com pompa e grandiosidade, revela que a dimensão de residência política tinha uma influência decisiva nos hábitos de afirmação cultural da Casa de Bragança, através da sua inestimável corte de província.
Esta estrutura arquitectónica, enquanto espaço simbólico do sistema de dominação política, era igualmente um lugar de organização de relações de poder. A estruturação e a reprodução dessas relações implicava a existência de um conjunto de regras, de normas e de procedimentos que definiam o enquadramento formal do exercício do poder senhorial. O que também importa ressalvar é que de entre todos os viajantes ilustres que estiveram nesta localidade através dos séculos, nenhum, certamente veio de região mais longínqua e exótica do que os quatro fidalgos de Kyushu.
Recordamos o facto deste local ter sido visitado por várias comitivas e embaixadas, ao longo do tempo, o que nos revela, mais uma vez, que o Paço dos Duques em Vila Viçosa era de facto um importante centro político, social e cultural, como iremos também frisar ao longo desta análise. O Paço tornara-se um lugar de tanto prestígio que acolhe personalidades como o cardeal Alexandrino, legado do papa Pio V (1571), o vice-rei cardeal Alberto de Áustria (1584), os membros da 1ª embaixada japonesa a visitar uma corte europeia (1584), ou o duque Rainúncio de Parma (1601), visitas estas de que nos deixaram relatos circunstanciados os cronistas calipolenses, caso de Lobo Vogado (1603), Morais Sardinha (1618), Diogo Ferreira Figueroa (1633) e António de Oliveira Cardonega (1683).
À semelhança do que aconteceu noutras cidades, também em Vila Viçosa se gerou um clima de grande curiosidade em torno desta visita. Este processo de aculturação, bem visível nos relatos que chegaram até aos nossos dias e que nos falam do interesse dos japoneses pela língua e cultura portuguesas, pela caça e gastronomia, pela música e pelas artes decorativas, também revela o fascínio pela indumentária e pelos rituais dos japoneses. Salientamos que a precoce idade de todos os intervenientes, o duque e os seus irmãos teriam sensivelmente a mesma idade dos embaixadores japoneses, compreendida entre os 12 e os 15 anos, o que certamente terá sido propiciador de um relacionamento menos formal e mais próximo, bem visível no episódio da caçada na Tapada ducal e no passeio dado no interior do Paço, por Duarte, um dos irmãos do duque Teodósio II com o hitatare, um robe típico dos samurais, e hakanu, calças japonesas, por ordem da duquesa D. Catarina e presenciado, na sua fase final, pelos curiosos elementos da Corte Brigantina». In Tiago Salgueiro, Do Japão para o Alentejo, A Embaixada Tenshö em Vila Viçosa no ano de 1584, A Jornada Espiritual dos 4 samurais japoneses na Callipole de quinhentos…, Chiado Editora, 2012, ISBN 978-989-697-670-5.

Cortesia de Chiado E./JDACT

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Manuel Inácio Pestana. O Arquivo Histórico da Casa de Bragança: «Encontraram-se morrões, e vários ingredientes incendiários. Tinha-se (foi então dito) descoberto ao Ministro da Fazenda a fraude de uns 70 contos de réis em alguns cofres, e este havia exigido o balanço desses cofres, com a comunicação de serem feitos rigorosamente no caso de não entrega»

Cortesia deacademiapotuguesadahistoria

As primeiras mudanças e os novos incêndios do século XIX
«Cumpridas quanto possível as determinações de D. José e reorganizado tão diligentemente, foi o Arquivo instalado no edifício da nova Praça do Comércio, entre a Rua Augusta e a Rua dos Ourives do Ouro onde funcionou o Tribunal da Junta da Casa de Bragança e o Conselho da Real Fazenda, "aí mesmo sofreu nova e considerável perda" num terceiro incêndio, sabe-se que antes de 1755 em data incerta, um outro o atingira, acontecido este agora no dia 10 de Junho de 1821. Uma série de documentos constantes do Ms. IG. 2000/1G.2425, historiam a repetida tragédia, de que deixamos uma sumária cronologia.

Reprodução do documento 1. MS. IG. 2000/NG. 24, fls. 4-7
jdact

1821, Junho 12
A Regência do Reino, em nome do Senhor D. João VI, houve por bem suspender do lugar de deputado da Junta do Estado e Casa de Bragança ao Lic. António Gomes Ribeiro pelo facto de não dar parte à Regência ou ao seu presidente, sendo o deputado mais antigo, do "funesto acontecimento do incêndio, que na mesma houve, e que não só destruiu as Casas do Tribunal, mas parte do seu Preciozo Cartorio; sendo tão distincto e zeloso o procedimento de Dom Miguel António de Mello que sem ser o Presidente do Conselho da Fazenda deu no mesmo dia duas contas relativas a este acontecimento".

1821, Junho 14
A mesma Regência, por portaria do dia 12, resolveu criar uma Comissão para proceder à inventariação dos papéis que se salvaram.

1821, Junho 14
Outro despacho ordena que na Junta se providencie quanto possível "que os seus papeis e o dinheiro estejão recolhidos em Casa de Abobeda, afim de obstar na mesma Junta, e as suas dependencias aos desastrosos efeitos, que o Incendio vem de cauzar".

1821, Junho 19
Sua Majestade foi servido ordenar que o Desembargador do Paço António Gomes Ribeiro haja de continuar no exercício do lugar de deputado da Junta do Estado e Casa de Bragança, “que tão dignamente tem ocupado, ficando sem efeito algum a injusta suposição que lhe foi imposta”. Outros documentos, provando a gravidade dos prejuízos, fogo que mereceu na sessão do dia 12 das Cortes Constituintes a classificação de «crime horroroso», e da mais abominável premeditação; as chamas surgiram ao mesmo tempo em quatro pontos diferentes, referem o infausto acontecimento.

Reprodução do documento MS. IG. 209/NG. 302, fls. 14 a 16
05 de Março de 1796
jdact
  • MS. NG. 74/AF. Almoxarifado de Estremoz/30.06.1821.
  • MS. NG. 305, fls. 74: Consulta sobre o perigo de incêndio no edifício da Secretária da Fazenda onde está também o Arquivo. 1811-1821.
  • MS. NG. 452. Lisboa. Caderno de Despachos e Vistas. Repartição da Justiça/1787-1821.
  • II/Começa este livro com o assento da primeira conferência que houve depois do dia 10 de Junho de 1821, em o qual dia se incendiou esta Secretaria da Câmara e Justiças da Repartição do Minho e Trás-os-Montes com todos os livros de iguais assentos que na dita Secretaria havia (15 de Junho de 1821 - 26 de Ju1ho de 1822). 49 fls.
  • NG. 581/8. Mais provas da destruição da Cartório da Sereníssima Casa de Bragança por causa dos incêndios /05 de Agosto de 1756 – 19 de Novembro de 1821/55 fls.
1830, Abril, 26
Extenso parecer da Junta da Casa de Bragança, subscrito pelo conde de Anadia, por António Gomes Ribeiro, Joaquim Guilherme da Costa Posser e Alexandre José Picaluga sobre um requerimento de Bernardino de Sousa e Andrade, com uma carreira de 23 anos de serviço na Secretaria da Fazenda desde oficial de registo até oficial maior, que pretende a graça de uma esmola de 4 moios de trigo, a exemplo dos seus colegas, para sua mulher D. Maria do Carmo Peixoto Valadares de Sousa e Andrade, no almoxarifado do Reguengo de Sacavém. E isto com alegação nos “serviços extraordinários” que prestou no incêndio do dia 10 de Junho de 1821 "com risco da sua própria vida (...) fazendo salvar não só todos os livros e papéis da sua Secrataria, mas tão bem os importantes títulos, e tombos do Archivo, fazendo conduzir tudo para o Arsenal Real da Marinha e depois organizando tudo na melhor ordem perante a Comissão que fora criada para o efeito. Despacho favorável de el-Rei D. Miguel a 30 daquele mês.

NG. 620/fls. 232
Chaves. Ofício de Inácio Xavier de Sousa Pizano para o escrivão da Câmara e Justiças do Minho e Trás-os-Montes dando notícia do incêndio que por essa altura devorou todos os papéis da Secretaria da Casa de Bragança/04-09-1826.

Reprodução do documento MS. IG. 209/NG. 302, fls. 14 a 16
05 de Março de 1796
jdact

Silva Ferrão procura justificar a criminalidade deste incêndio com a razão de se tentar "acobertar as fraudes e o roubo de bens e direitos patrimoniaes da Sereníssima Casa de Bragança (...)".

"Encontraram-se morrões, e vários ingredientes incendiários. Tinha-se (foi então dito) descoberto ao Ministro da Fazenda a fraude de uns 70 contos de réis em alguns cofres, e este havia exigido o balanço desses cofres, com a comunicação de serem feitos rigorosamente no caso de não entrega", diz ainda o mesmo autor, lembrando que no prédio se acolhia também a Junta do Comércio e o Conselho da Fazenda». In Manuel Inácio Pestana. O Arquivo Histórico da Casa de Bragança, Academia Portuguesa da História, Lisboa, 1996, ISBN 972-624-108-1.

Continua
Cortesia da Academia Portuguesa da História/JDACT

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Manuel Inácio Pestana. O Arquivo Histórico da Casa de Bragança: «E admite Correia da Franca "que na Serenissima Caza havia muitas preciozidades de devoção, e Relíquias como era hum Espinho da Coroa de Christo S.or que se conservava no Thezouro do Palacio do Duque, com a instituhisão de Vinculo da mesma Serenissima Caza, que com tudo o mais foi incendiado pelo Terremoto do 1º de Novembro do anno de 1755"».

Cortesia deacademiapotuguesadahistoria

A reforma de 1756 de Manuel da Maia e Manuel António de Ataíde
«O recurso a este expediente reconhece-se utilíssimo e eficaz, porquanto muitos desses documentos levou-os ou este ou outro dos posteriores incêndios da maldição que recaiu sobre o antigo cartório. E o que vale, reafirmo, é que nos sobejantes hoje disponíveis outras e muitas certidões conferidas, insertas em diversos processos de pleitos e sentenças, revelam inesperadas e preciosas informações históricas.

O padre Ataíde, ele próprio, tem de recorrer à decisão régia para confirmação do cargo de cartorário do Estado da Sereníssima Casa de Bragança, pois o alvará que em 18 de Dezembro de 1754 o nomeara também desaparecera ‘no incêndio sucessivo ao terramoto que houve nesta Cidade’, o que, de facto e logicamente obteve favorável despacho em 1757, Dezembro 16. Obtivera o lugar por dele se ter demitido Manuel da Maia, que prosseguira como guarda-mor da Torre do Tombo, é ele que autentica com assinatura e selo a quase totalidade das centenas de certidões extraídas para a reforma do cartório brigantino. 700 mil réis foi o ordenado estipulado a Manuel António de Ataíde, que, falecido entretanto a 29 de Janeiro de 1764, logo por documento de 17 de Fevereiro foi substituído por José da Silveira Morais Barba Rica, que fora, com outros funcionários escolhidos, um dos seus mais dedicados colaboradores na obra de levantamento do Cartório.

O Tesouro do Cartório
Por curiosidade, e pelo inegável interesse de que se reveste a informação para a própria história que estamos contando, acrescenta-se a notícia que por documentos desta data denuncia a existência do que poderemos chamar o “Tesouro do Cartório da Casa de Bragança”, do qual, aliás, encontrámos referências em outros livros, que desta forma se confirma, mas do qual também nunca mais se soube.

Cortesia de wikipedia

O Termo de Inventário datado de 10 de Fevereiro de 1764, lavrado:
  • "na traveça do Arco de Jezus junto à Rua formoza nas cazas em que morava o Cartorario do Sereníssimo Estado, e Caza de Bragança o Padre Manoel Antonio de Athayde ahonde eu Escrivam da Camara, e Justiças do mesmo Sereníssimo Estado viera comn Jozeph da Silveira Morais Barbarrica Cavaleiro profeço na Ordem de Christo, novamente provido do dito emprego" (...), descreve a existência de "todas as cartas, cofre, papeis, Doações, e livros, que na Caza do mesmo Cartorário falecido" se acharam e "sam as seguintes".
Resumem-se os maços e livros provindos das quatro comarcas e outros papéis, e ainda os tais tesouros, constituídos por um maço de sete cartas originais de vários santos, a saber:
  • 1 de Santo António de Lisboa,
  • 2 de S. Bernardo,
  • 1 de S. João da Mata,
  • 1 de Santa Catarina de Sena,
  • 1 de S. Luis de Gonzaga,
  • e outra da Infanta D. Joana, acompanhadas de uma cruz de metal com várias relíquias dentro.
NOTA: O inventário incluído no Tomo I das Memórias /de /tudo o que pertence à Sereníssima Casa de Bragança ,preparadas por J. S. M. Barba Rica em 1767 para uso de Jorge Manuel da Costa, pormenoriza que das 2 cartas de Bernardo, uma está escrita em português e é datada de 20 de Maio de 1141 e a outra, em francês, é de 2 de Agosto de 1185; a de S. João da Mata é de l0 de Maio de 1197; a de Santo António, de 2 de Março de 1223; a de Sta. Catarina, em língua italiana, é de 3 de Agosto de 1378; a de S. Luís de Gonzaga, de 12 de Março sem indicação do ano, está escrita em espanhol, e a da Infanta Santa Joana, em português, é de 22 de Janeiro de 1570. Não podem, porém, deixar-se passar em vão os anacronismos de duas destas cartas: uma de S. Bernardo com data posterior à sua morte em 1185 e a da Princesa Santa Joana, falecida em 1490, sendo a carta datada de 1570, o que logo nos pode conduzir à legitimidade, se não se tratar de admissível erro paleográfico.

O Secretário e escrivão da Câmara e Justiças da Junta da Serenissima Casa José António Correia da Franca foi no dia 5 do referido mês de Fevereiro à Travessa de Jesus e aí, de facto, achou na gaveta de um bufete embrulhadas numa folha de papel "huma Cruz pequena, com sete repartimentos dentro, em que se achão algumas santas Relíquias; e mais sete cartas de varios Santos", o que ele, secretário, supõe ser tudo verdadeiro "pela veneração com que forão restituhídas em anno de 1757 ao Tenente General Manoel da Maya mandadas do Convento de Rilhafoles e que enviou para guarda no Cartório".
E admite Correia da Franca "que na Serenissima Caza havia muitas preciozidades de devoção, e Relíquias como era hum Espinho da Coroa de Christo S.or que se conservava no Thezouro do Palacio do Duque, com a instituhisão de Vinculo da mesma Serenissima Caza, que com tudo o mais foi incendiado pelo Terremoto do 1º de Novembro do anno de 1755".

Reprodução do documento 1. MS. IG. 2000/NG. 24, fls. 4-7
jdact 

Que tudo, segundo parecer de Manuel da Maia, se deveria guardar não em casa dos escrivães, nem na do defunto Ataíde, nem na de BarbaRica, pela insegurança, "porque de nenhuna dellas se satisfaz a minha cautella á vista do que tem succedido em alguns livros das Chancelarias dos Fidelissimos Senhores Reys D. João o quinto, e D. Joze o primeiro, que se queimarão nas cazas dos Escrivâes, que tinhão levado para ellas tirando-os do tribunal da Chancellaria, em que se uzão, e só se deve escrever nelles, a qual disgraça, lê-se ainda no importante documento subscrito pelo guarda-mor da Torre do Tombo, he irreparavel, e com discredito do Archivo, aonde os tais livros se costumão conservar para socorro das partes, que procurão os traslados dos seus documentos; e que não sendo descubertos entendem-se, ser falta procedida do Archivo, e não do incendio das cazas dos Escrivães, o que muito se costuma encobrir".
Por todas estas razões, é de parecer "que no corpo do Edifício do Tribunal se faça eleição de lugar para o Carthorio para sua mayor segurança, e conservação, e também para ser vizitado, e observado promptamente pelo Procurador do Estado, a quem tocará a approvação, e inteireza de tudo, o que nelle se deve executar".

Esta "reformação" do Cartório durou seu tempo, no mínimo até Setembro de 1760, data do último registo das despesas com os oficiais que lhe assistiram, mas o facto do inventário de Correia da Franca ser datado de 1 de Fevereiro de 1764 deixa entender que se terá dado por findo o exaustivo trabalho de recuperação e reordenação. Doações, Privilégios, Sentenças e Posses extraídas da Torre do Tombo, Aforamentos e Emprazamentos dos Almoxarifados constituíam então o renovado acervo da antigo cartório brigantino». In Manuel Inácio Pestana. O Arquivo Histórico da Casa de Bragança, Academia Portuguesa da História, Lisboa, 1996, ISBN 972-624-108-1.

Continua
Cortesia da Academia Portuguesa da História/JDACT

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Manuel Inácio Pestana. O Arquivo Histórico da Casa de Bragança: «Solicitado parecer a Manuel António de Ataíde, logo em l755, Dezembro l7, informa em extenso documento sobre as medidas de reformação do Cartório que considera indispensáveis e urgentes, desde os traslados da Torre do Tombo às contas e cópias pedidas a todas as temas do Estado de Bragança de tombos…»

Cortesia deacademiapotuguesadahistoria

O período de formação, de 1422 a 1620
«Cremos, pois que é lícito concluir que um primeiro longo período, o da «formação do Cartório» decorre desde a criação do Ducado em 1442 até 1640, data em que o 8º duque e novo rei, até por força desta condição e com a sua chancelaria particular autorizada desde 1617, conforme referimos, dá ao arquivo uma estrutura orgânica que já traria de Vila Viçosa e que mais se impôs com a sua transferência para Lisboa em 1640. Acumulava-se então um espólio abundante de cerca de dois séculos e meio, onde não faltavam preciosos pergaminhos originais e códices de raro interesse, formando, decerto, um conjunto espectacular na dimensão que teria necessariamente de corresponder ao invulgar património de uma das mais poderosas casas da Europa.
É neste mar imenso de livros e de papéis que o insuperável pesquisador da história e da genealogia da Casa Real mergulha avidamente e onde recolhe material do mais puro quilate para a construção da sua obra monumental. O cartório da Casa de Bragança, "o qual, posso dizer (palavras de D. António Caetano de Sousa) que não tem papel, que eu não visse" foi, a par de outras fontes, o grande manancial alimentador do seu trabalho.

O período trágico das grandes calamidades, 1640 a 1836
Inicia-se pois, um segundo período da vida deste notável cartório, este, que, mercê das muitas desgraças que o atingiram, poderemos designar de «período trágico». Sofrera, mais nas comarcas e nos almoxarifados, acidentes e delapidações durante as guerras da Restauração e da Sucessão e sofreria o tremendo golpe que lhe desferiram os incêndios do terramoto de 1755 também, não apenas em Lisboa, já que, no nosso conceito, o Arquivo da Casa de Bragança entendemo-lo, desde a sua formação, como o conjunto de toda a documentação, sucessivamente acrescentada, desde os livros da Chancelaria até aos processos e papéis avulsos guardados na sede das comarcas e dos diferentes almoxarifados, do Minho ao Alentejo. Na verdade, foi mesmo em Lisboa por força da violência do grande sismo e das suas trágicas consequências que este património documental foi mais atingido. O palácio dos duques de Bragança pertencia à freguesia dos Mártires que foi, infelizmente, uma das zonas mais dilaceradas. E não apenas as derrocadas e o fogo, mas também a água com que se pretendia dominar o cataclismo, tudo contribuiu para a perdição sem remissa da parte mais valiosa do velho cartório.

Cortesia de casarealportuguesa

  • Apenas escaparam dez famílias no pátio de dentro, chamado dos coches, em palácio do Duque. Aqui se faz deplorável a grande perda do cartório da Sereníssima Casa de Brangança que não havia muito tempo estava reduzido à mais distinta arrumação pela excelente ideia do mestre de campo general e seu guarda-mor Manuel da Maia", palavras de Baptista de Castro no seu "Mapa de Portugal".
Esta história trágica do Arquivo está nele bastante bem documentada, comprovando que efectivamente a parte mais rica, diremos, a mais antiga, portanto, a mais importante e interessante para o conhecimento da Sereníssima Casa, desapareceu na totalidade. Valeu-lhe a fortuna ter-se salvo o muito que para o efeito guardava a Torre de Tombo e donde, logo a seguir, como veremos, se copiou a documentação necessária para comprovar direitos e privilégios.
Os próprios documentos do Arquivo falam, por si, desde os relatórios do Pe. Manuel António de Ataíde, seu cartorário na sucessão de Manuel da Maia, que também o foram ambos da Torre do Tombo, até às representações escritas do solicitador da Casa João Gonçalves Lobato dirigidas à rainha D. Maria prevenindo cautelas futuras, face à sucessão de incêndios posteriores a 1755.
Tomaram-se imediatas providências para salvar o que restava.
Solicitado parecer a Manuel António de Ataíde, logo em l755, Dezembro l7, informa em extenso documento sobre as medidas de reformação do Cartório que considera indispensáveis e urgentes, desde os traslados da Torre do Tombo às contas e cópias pedidas a todas as temas do Estado de Bragança de tombos, autos de posse e demais registos convenientes, um plano e uma metodologia de trabalho verdadeiramente magistral que levou à emissão do alvará régio de l3 de Março de l756 ordenando, de imediato, a extracção de certidões autenticadas pelo guarda-mor da Torre do Tombo Manuel da Maia. Este foi o trabalho que deu origem a 20 volumes cartonados que constituem o actual núcleo chamado da Reforma do Cartório, objecto de publicação recente.


Cortesia de geocaching e ppmbraga

A reforma de 1756 de Manuel da Maia e Manuel António de Ataíde
Em 1756, Setembro 13, são enviados ao cartonário Ataíde todos os papéis enunciados na sua informação para efeitos de "reformação" e de futuro pedido de crédito para valerem como «originais», o que foi depois declarado. Foi este dedicado funcionário o incansável obreiro da grande reforma que se impunha; entregou-se de alma e coração à recuperação do património documental da Casa que servia, seguindo de perto a "arrumação" do seu antecessor no cargo, o engenheiro militar Manuel da Maia.
  • «No que toca a caza para o Cartório em quanto a não houver propria, e destinada para elle, guardareis os papeis nas cazas em quviveis, pondo-os logo com methodo, e ordem para que se não faça esta a rumação por duas vezes, e com dobrada despesa, e vos permitto nomeeis as pessoas, que se devem empregar por hora nos treslados, ordem, e reparos do mesmo cartório para satisfação das quaes me declareis o salario, que devem vençer, pois assim esta despeza, como as demais, que se fizerem nesta reforma se hão de pagar pelo Thezouro da Caza (...) e vos mando me informeis tambem logo sobre a verdade dos papéis, que se acham copiados nos livros das provas da História Genealogica da Caza Real, declarando, os que com effeito existião nos lugares donde se dizem extrahidos, para depois de todas estas diligencias se guardarem no cartorio os ditos livros, com hum Alvará, em que se declare são verdadeiros os documentos que do mesmo cartorio se copiarão, e ficarem tendo a mesma força e valor, que os originaes».
Texto da ordem régia expedida para o cartorário Ataíde, concordante com os princípios por ele próprio estabelecidos para a recuperação dos documentos, em que se recorre ao conhecimento que o diligente arquivista tinha do conteúdo e organização da Torre do Tombo para se poder fazer fé nas referências de D. António Caetano de Sousa». In Manuel Inácio Pestana. O Arquivo Histórico da Casa de Bragança, Academia Portuguesa da História, Lisboa, 1996, ISBN 972-624-108-1.

Continua
Cortesia da Academia Portuguesa da História/JDACT

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Manuel Inácio Pestana. O Arquivo Histórico da Casa de Bragança: «…temos notícias dessa preocupação quando os duques transferem a residência do castelo de Vila Viçosa para o recém-constituído paço do Reguengo, onde na sala do despacho os escrivães faziam seus registos, como, por exemplo, os das Mercês»

Cortesia de casarealportuguesa

De Chaves a Vila Viçosa e Lisboa. As primeiras Chancelarias.
«Chaves, residência do 1º duque terá sido, naturalmente, a sede do incipiente cartório brigantino. Com D. Afonso, como na mão dos seus sucessores, andariam os papéis indispensáveis ao funcionamento da grande Casa que já era a sua. Nascia com ela o arquivo administrativo; organizá-lo-iam, tão funcional quanto possível, os escrivães da Casa.

Pergaminhos como a escritura da compra da Quinta de Gestaçô, que D. Afonso, ainda conde de Barcelos, fez em 1422. Out.30, quatro anos antes de negociar com o cabido de Santiago o extenso couto da Correlhã, chegaram até nós. Seguindo dentro de velhos arcazes os sucessivos percursos residenciais dos senhores da Casa, de Chaves para Barcelos, Guimarães, Ourém, Vila Viçosa e Lisboa. Quantos se perderam pelo caminho, quantos sofreram o desgaste do manuseamento, quantos devorou a labareda dos incêndios ou da incúria dos homens?

Cortesia deacademiapotuguesadahistoria

A medida que o tempo avança e o património ducal vai engrossando, crescendo o volume documental impõe-se a organização do cartório. Temos notícias dessa preocupação quando os duques transferem a residência do castelo de Vila Viçosa para o recém-constituído paço do Reguengo, onde na sala do despacho os escrivães faziam seus registos, como, por exemplo, os das Mercês.

O século XV é o período mais animado das grandes doações concedidas aos Senhores da Casa de Bragança. Aos chamados bens dotais, que derivam da liberalidade de D. João I e do Condestável, acrescentam-se os bens adquiridos. Instituem-se os morgados e as capelas, escrituram-se foros e arrendamentos. Do Minho e Trás-os-Montes até ao Alentejo, quase a raiar terras algarvias, o património da poderosa Casa de Bragança impõe a necessidade da criação de uma chancelaria própria com seus espaços e seus funcionários.
Admitimos, pois, que tais serviços se tivessem iniciado ainda no séc. XV, embora só no século seguinte tal se possa provar documentalmente. Assim, desde D. Teodósio I e de seu filho D. João I, em Vila Viçosa, provavelmente ainda em parte no Castelo, terá funcionado um arquivo dos papéis da Casa Ducal. Por seu lado, criadas que foram as comarcas brigantinas de Barcelos, Bragança, Ourém e Vila Viçosa com suas ouvidorias; nestas localidades constituem-se cartórios particulares onde vão ficando guardados os documentos que a seu despacho dizem respeito e que só virão à mão do duque quando se justifica.


Cortesia de geocaching e ppmbraga

Aos ouvidores do duque já se referem cartas régias de D. João III. O privilégio de dispor a Sereníssima casa de chancelaria própria vem detrás, referem-se-lhe documentos de 1583 de D. Teodósio II, é lhe atribuído e confirmado por Filipe 3º, respectivamente em 1617.Out.02 e 1638.Mai.31.

Os livros de registo de Mercês, conhecem-se os três do ducado de D. Teodósio II, de cuja elaboração foi encarregado o Lic. Arcádio de Andrade, ouvidor do Duque, e algumas peças soltas de datas anteriores vêm demonstrar que, por existirem serviços de chancelaria privada, do mesmo modo existiria organizado um arquivo documental. O contacto com a documentação que chegou até nós prova-nos que foi com D. João II, o futuro rei Restaurador, que a chancelaria, o arquivo e a livraria da casa Ducal sofreram tratamento e organização mais conveniente. Os livros de registo de consultas da Fazenda e desse tempo, assim como a nomeação do Dr. André Cardoso Godinho como chanceler de sua Casa e de outros magistrados seus, o Dr. Gaspar Vaz de Sousa, por exemplo, desembargador, em datas que se localizam entre 1630 e 1632, e ainda alvarás, consultas, pareceres e despachos da sua gestão administrativa, são mais provas de um trabalho de registo e arquivo organizado.
Na «História Genealógica da Casa Real Portuguesa» é igualmente frequente, como sabemos, a referência ao velho arquivo da Casa de Bragança, com transcrição nas «Provas» de documentos diversos, alguns mesmo mais tarde desaparecidos, sobreviventes outros apenas em certidões do arquivo reorganizado na chancelaria da Casa que hoje felizmente podemos consultar.

A consulta das «Provas» permitem-nos concluir de uma arrumação mínima que o Arquivo já trazia de trás, anteriormente às buscas para a publicação da «História Genealógica» iniciada em 1735». In Manuel Inácio Pestana. O Arquivo Histórico da Casa de Bragança, Academia Portuguesa da História, Lisboa, 1996, ISBN 972-624-108-1.

(Continua)
Cortesia da Academia Portuguesa da História/JDACT

domingo, 14 de agosto de 2011

Manuel Inácio Pestana. O Arquivo Histórico da Casa de Bragança: «Os originais de todos os papéis que historiam a função e a sobrevivência da Casa Ducal guardavam-se no arquivo real, na Torre do Tombo, com registo ou cópia na mão dos senhores da Casa. Arquivo da Casa de Bragança e arquivo do Estado durante séculos coabitaram nas mesmas instalações oficiais»

Cortesia deacademiapotuguesadahistoria

«Não obstante o seu valioso recheio, que abrange variados núcleos de documentação desde o século XV ao nosso tempo, o Arquivo da Casa de Bragança é ainda pouco conhecido dos historiadores nacionais e estrangeiros. Trata-se de um cartório particular que se tem mantido no Paço Ducal de Vila Viçosa, à guarda da ilustre Fundação que zela pelo seu património. Tal circunstância explica, em grande parte, o recolhimento que tem envolvido tão importante acervo documental, apenas referido por um ou outro investigador que beneficiou da sua consulta.
A publicação de «O Arquivo Histórico da Casa de Bragança» afirma-se, pois, do maior interesse para a cultura portuguesa, pelos dados informativos que a obra revela. Além de uma história breve desse cartório, o leitor toma ainda conhecimento da sua génese e das várias reformas da sua organização. Torna-se assim possível acompanhar a evolução histórica do mencionado Arquivo, bem como a formção dos seus actuais núcleos históricos.
Arquivista da Fundação da Casa de Bragança, o que lhe tem permitido um contacto directo com esses fundos de documentação, o Dr. Manuel Inácio Pestana elaborou com a costumada mestria o presente volume. E mais uma obra que enriquece a sua já extensa bibliografia sobre a multissecular história da Casa Ducal.

Investigador dotado, mereceu ser eleito, em 30 de Junho de 1989, membro Correspondente da Academia Portuguesa da História, a que tem dado o melhor do seu talento e dedicação, com algumas comunicações hauridas no importante fundo brigantino.

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Objectivos.
Um arquivo é lugar de pesquisa e um campo de trabalho, um repositório de instrumentos de investigação, um registo da memória dos povos e das nações. Espaço físico onde o tempo parou, onde muitos tempos, todos os tempos, se encontram, lugar onde a história se lê, onde a história se constrói e reconstrói a todo o momento; um arquivo vive também a sua própria história, uma história que raramente é contada. O quanto, o como e o porquê da existência de um arquivo passa muitas vezes ao lado do historiador. Os arquivos, os antigos cartórios documentais, são assim comparáveis aos servidores de quem precisa, e, por quem precisa, imediatamente esquecidos. Fica-se pela citação das fontes, o que também nem sempÍe acontecia, que hoje felizmente é norma da técnica heurística e da ética hermenêutica.

Arquivos de Estado ou de casas particulares, classificados nesta ou naquela categoria segundo a natureza e o predomínio dos seus materiais, os arquivos podem, eles mesmos, contar a sua própria história. E isto que nos propomos fazer: proporcionar o encontro com um antigo e valioso cartório que em fontes documentais próprias se inspira para justificar historicamente e explicar documentalmente a sua existência.
Queremos referir-nos ao arquivo histórico da antiga casa senhorial dos Duques de Bragança, da qual pretendemos evocar as suas origens, as suas glórias e desventuras, evidenciar a quantidade e a qualidade das suas reservas documentais e falar da sua utilidade e funcionalidade no passado, no presente e, evidentemente, no futuro, ao serviço da historiografia portuguesa.
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Génese do Cartório.
Com origem no casamento do filho bastardo de D. João I com D. Brites Pereira e nas doações e escambos de bens que o antecederam ou lhe sucederam, poderemos dizer que este arquivo existe, isto é, começou a construir-se, não exactamente e apenas no momento da fundação do ducado de Bragança (1422. Maio) mas em data mais remota. Se quiséssemos identificar o seu documento mais antigo - e servindo-nos já das suas próprias fontes - recuaríamos até 1208. Fevereiro.17, data da confirmação por D. Sancho I do foral de Barcelos, concedido por D. Afonso Henriques, seguido de idêntico pergaminho da vila de Rebordãos de 1208. Novembro, terras que, como tantas outras de Entre-Douro-e-Minho e de Trás-os-Montes, vieram a integrar os vastos domínios da futura casa dos duques de Bragança - documentos estes, que, tal como muitos outros dos sécs. XIII, XIV e XV, constam hoje do conjunto de apógrafos setecentistas da chamada Reforma do Cartório, cujos traslados da Torre do Tombo, ordenados por D. José I em 1756 para comprovação dos direitos e privilégios da Casa de Bragança, demonstram e justificam a génese remota do velho arquivo.

Os originais de todos os papéis que historiam a função e a sobrevivência da Casa Ducal guardavam-se no arquivo real, na Torre do Tombo, com registo ou cópia na mão dos senhores da Casa. Arquivo da Casa de Bragança e arquivo do Estado durante séculos coabitaram nas mesmas instalações oficiais. Provam-no documentos que historiam, por exemplo, os incêndios sofridos em diversas data. Instalações e cartórios comuns, organização e funcionamento, portanto, em comum. Acidentes, percalços, vicissitudes, incêndios e destruição também em comum». In Manuel Inácio Pestana. O Arquivo Histórico da Casa de Bragança, Academia Portuguesa da História, Lisboa, 1996, ISBN 972-624-108-1.

(Continua)
Cortesia da Academia Portuguesa da História/JDACT