De Chaves a Vila Viçosa e Lisboa. As primeiras Chancelarias.
«Chaves, residência do 1º duque terá sido, naturalmente, a sede do incipiente cartório brigantino. Com D. Afonso, como na mão dos seus sucessores, andariam os papéis indispensáveis ao funcionamento da grande Casa que já era a sua. Nascia com ela o arquivo administrativo; organizá-lo-iam, tão funcional quanto possível, os escrivães da Casa.
Pergaminhos como a escritura da compra da Quinta de Gestaçô, que D. Afonso, ainda conde de Barcelos, fez em 1422. Out.30, quatro anos antes de negociar com o cabido de Santiago o extenso couto da Correlhã, chegaram até nós. Seguindo dentro de velhos arcazes os sucessivos percursos residenciais dos senhores da Casa, de Chaves para Barcelos, Guimarães, Ourém, Vila Viçosa e Lisboa. Quantos se perderam pelo caminho, quantos sofreram o desgaste do manuseamento, quantos devorou a labareda dos incêndios ou da incúria dos homens?
A medida que o tempo avança e o património ducal vai engrossando, crescendo o volume documental impõe-se a organização do cartório. Temos notícias dessa preocupação quando os duques transferem a residência do castelo de Vila Viçosa para o recém-constituído paço do Reguengo, onde na sala do despacho os escrivães faziam seus registos, como, por exemplo, os das Mercês.
O século XV é o período mais animado das grandes doações concedidas aos Senhores da Casa de Bragança. Aos chamados bens dotais, que derivam da liberalidade de D. João I e do Condestável, acrescentam-se os bens adquiridos. Instituem-se os morgados e as capelas, escrituram-se foros e arrendamentos. Do Minho e Trás-os-Montes até ao Alentejo, quase a raiar terras algarvias, o património da poderosa Casa de Bragança impõe a necessidade da criação de uma chancelaria própria com seus espaços e seus funcionários.
Admitimos, pois, que tais serviços se tivessem iniciado ainda no séc. XV, embora só no século seguinte tal se possa provar documentalmente. Assim, desde D. Teodósio I e de seu filho D. João I, em Vila Viçosa, provavelmente ainda em parte no Castelo, terá funcionado um arquivo dos papéis da Casa Ducal. Por seu lado, criadas que foram as comarcas brigantinas de Barcelos, Bragança, Ourém e Vila Viçosa com suas ouvidorias; nestas localidades constituem-se cartórios particulares onde vão ficando guardados os documentos que a seu despacho dizem respeito e que só virão à mão do duque quando se justifica.
Aos ouvidores do duque já se referem cartas régias de D. João III. O privilégio de dispor a Sereníssima casa de chancelaria própria vem detrás, referem-se-lhe documentos de 1583 de D. Teodósio II, é lhe atribuído e confirmado por Filipe 3º, respectivamente em 1617.Out.02 e 1638.Mai.31.
Os livros de registo de Mercês, conhecem-se os três do ducado de D. Teodósio II, de cuja elaboração foi encarregado o Lic. Arcádio de Andrade, ouvidor do Duque, e algumas peças soltas de datas anteriores vêm demonstrar que, por existirem serviços de chancelaria privada, do mesmo modo existiria organizado um arquivo documental. O contacto com a documentação que chegou até nós prova-nos que foi com D. João II, o futuro rei Restaurador, que a chancelaria, o arquivo e a livraria da casa Ducal sofreram tratamento e organização mais conveniente. Os livros de registo de consultas da Fazenda e desse tempo, assim como a nomeação do Dr. André Cardoso Godinho como chanceler de sua Casa e de outros magistrados seus, o Dr. Gaspar Vaz de Sousa, por exemplo, desembargador, em datas que se localizam entre 1630 e 1632, e ainda alvarás, consultas, pareceres e despachos da sua gestão administrativa, são mais provas de um trabalho de registo e arquivo organizado.
Na «História Genealógica da Casa Real Portuguesa» é igualmente frequente, como sabemos, a referência ao velho arquivo da Casa de Bragança, com transcrição nas «Provas» de documentos diversos, alguns mesmo mais tarde desaparecidos, sobreviventes outros apenas em certidões do arquivo reorganizado na chancelaria da Casa que hoje felizmente podemos consultar.
A consulta das «Provas» permitem-nos concluir de uma arrumação mínima que o Arquivo já trazia de trás, anteriormente às buscas para a publicação da «História Genealógica» iniciada em 1735». In Manuel Inácio Pestana. O Arquivo Histórico da Casa de Bragança, Academia Portuguesa da História, Lisboa, 1996, ISBN 972-624-108-1.
(Continua)
Cortesia da Academia Portuguesa da História/JDACT