Cortesia de gradiva
Acertar nas Contas.
«Segundo uma lenda muitas vezes contada, o jogo do xadrez foi inventado para entreter o rei da Pérsia. O inventor era um homem com aptidão matemática e com imaginação, duas coisas que habitualmente andam de mãos dadas. Logo, o rei quis recompensar por ter inventado um jogo tão maravilhoso. Ele pediu que lhe pusessem um grão na primeira casa do tabuleiro, dois grãos na segunda, quatro na terceira e assim por diante, de forma que se duplicasse sempre o número de grãos ao passar de uma casa para a seguinte, até chegar ao fim, à sexagésima quarta casa.
O grão-vizir fez algumas contas e percebeu não haver em toda a Pérsia, nem mesmo no mundo inteiro, trigo suficiente para satisfazer o pedido. A sucessão de números de grãos nas casas do tabuleiro, 1, 2, 4, 8, 16, …, é tão importante que tem um nome. É chamada «sucessão binária» e tem alguma propriedade que a tornam útil em vários problemas, por exemplo no desenho de circuitos de computador. A soma dos seus primeiros 64 termos, que corresponde ao número de grãos pedidos pelo inventor do xadrez, é qualquer coisa como 18 milhões de milhões de milhões de grãos. Um crescimento exponencial.
Apesar de a função exponencial ser usada para um crescimento contínuo e termos aqui um crescimento passo a passo, discreto, como se diz. Mas a propriedade em causa, que é o crescimento com taxa relativa constante, é comum às progressões geométricas, como a dos grãos de trigo no tabuleiro de xadrez, e à célebre função exponencial.
Gás incolor com brilho roxo no estado de plasma
Representação de um átomo de hidrogênio.
O diâmetro de quase o dobro do raio do átomo de Bohr
Cortesia de wikipedia
Olhe para a sucessão 100, 200, 300, …, em que as reticências significam que os termos seguintes se constroem segundo a mesma regra, ou seja, que se adiciona sempre 100 a um termo para obter o seguinte. Compare-a com esta: 100, 110, 121, …, em que cada termo é obtido multiplicando o anterior por 1,1.
Qual delas se dirá que cresce exponencialmente? Naturalmente a primeira, dirá muita gente por observação imediata. Não é verdade. É a segunda. A primeira é uma progressão aritmética, que aumenta a mesma quantidade (100) de termo para termo. A segunda é uma progressão geométrica, que tem uma taxa de crescimento constante de 10%. A primeira parece aumentar mais rapidamente, mas a segunda ultrapassa-a no quadragésimo termo e, a partir daí, deixa-a a perder de vista. Ao chegar à ordem 50 já é o dobro da primeira.
Para dar um exemplo de decrescimento, considere-se um segmento de recta de 10 cm e comece-se por dividi-lo ao meio. Divida-se depois ao meio uma metade. Divida-se de novo ao meio essa metade de metade e prossiga-se até se chegar ao comprimento equivalente ao diâmetro do átomo mais pequeno, o de hidrogénio. Quantas vezes pensa que será necessário dividir ao meio o segmento de recta?
Cortesia de profsccems
A Maçã de Demócrito.
Voltemos ao problema. Se dividirmos sucessivamente a meio um segmento de recta de 10 cm, quantas vezes teremos de iterar essa divisão para chegar a um comprimento equivalente ao diâmetro do átomo de hidrogénio? É sempre instrutivo tentar adivinhar a solução. Não para aceitar um valor, mas para comparar a nossa intuição com o resultado das contas. Que dirá então? Bastará fazer um milhão de divisões? Ou talvez apenas mil?
Vamos às contas. Um átomo de hidrogénio tem um diâmetro aproximado de 100 picómetros, pelo que precisaríamos de alinhar mil milhões de átomos para obter um comprimento de 10 cm. A partir daqui podem fazer-se divisões sucessivas. Quem o saiba pode simplificar os cálculos resolvendo a equação «2 levantado a x igual a mil milhões», o que se faz rapidamente com logaritmos. O resultado é surpreendente. Bastam-nos 30 divisões para conseguirmos obter o diâmetro do átomo do hidrogénio. Na realidade, com esses 30 cortes obtemos um comprimento ligeiramente inferior. Alguém suspeitaria que bastava um número tão reduzido de operações?
Este problema tem uma variante. Trata-se do célebre problema da maçã de Demócrito (c. 460-470 a. C.), o filósofo grego que dizia: «Nada existe além de átomos e vazio». Demócrito inventou a palavra «átomo», que significa «impossível de dividir». Dizia que a divisão de uma maçã apenas é possível porque esta é constituída por átomos. Quando se corta uma maçã, argumentava, a faca tem de passar por espaços vazios entre partículas. Mas isso quer dizer que, continuando sempre a cortar o fruto em pedaços cada vez menores, chegará um momento em que se encontrará um momento em que se encontrará uma dessas partículas, um desses átomos indivisíveis. E que, a partir daí, já não se conseguirá prosseguir a divisão da maçã». In Nuno Crato, Passeio Aleatório, pela ciência do dia-a-dia, Gradiva, Ciência Aberta, 6ª edição, 2009, ISBN 978-989-616-216-0.
Cortesia de Gradiva/JDACT