Castelo de Vide
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A Vila Antiga
«O certo é, porém, que os valentes guerreiros do Hermínio (Serra da Estrela), que tanto deram que fazer aos generais romanos, estanciaram em vários outros pontos do actual território português, do que ficaram vestígios incontestáveis. Um deles, foi, sem dúvida, a povoação, que se chamou Medóbriga, engrandecida pelos romanos, que denominaram a cidade de Aramenha. Como ainda hoje os seus vestígios testemunham, existia ela ao sopé da serra de Marvão (Hermínio menor) no sítio conhecido na actualidade pela freguesia do Salvador, termo daquela antiga vila.
NOTA: A povoação romana a que se faz referência é, na realidade, a cidade romana de Ammaia, cujos vestígios se localizam em S. Salvador de Aramenha, Marvão. A denominação Medóbriga, surgiu, pela primeira vez, na obra de André de Resende, em pleno século XVI. Foi apenas neste século, e com o aparecimento do movimento renascentista, que a antiga urbe despertou o interesse de alguns humanistas como André de Resende e Frei Amador Arrais que, provavelmente, a visitaram e descreveram o que ainda era observável. O primeiro, tendo como base a inscrição da ponte de Alcântara, identificou as ruínas da Aramenha com Medóbriga. No séc. XVII, Diogo Sotto Maior (1619), na sua obra «Tratado da Cidade de Portalegre», reconheceu um pedestal dedicado a Lúcio Vero pelo município da Ammaia, na ermida do Espírito Santo em Portalegre, e, partindo dessa epígrafe, localizou erradamente a cidade romana em Portalegre, adensando ainda mais a confusão da sua localização precisa, facto que apenas foi rectificado em 1935. Nesta data, José Leite de Vasconcelos publicou o aparecimento de uma inscrição dedicada ao Imperador Cláudio, pela CÍVITAS AMMAIENSIS, o que permitiu resolver de uma vez por todas o problema da localização da Ammaia, em S. Salvador da Aramenha. Esta epígrafe encontra-se actualmente depositada no Museu Nacional de Arqueologia em Lisboa.
Entretanto outros acontecimentos importantes se manifestaram na Espanha, alterando a sociedade céltico-romana. Nova camada de população estranha veio sobrepor-se à já existente, confundindo-se, mais ou menos, com ela através dos tempos, vencido o primitivo antagonismo que, separava os vencidos dos vencedores.
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Refiro-me à invasão dos bárbaros do Norte. Esta realizou-se nos primeiros anos do século V, operando uma revolução imensa na sociedade antiga, representada pelo império romano.
Este colosso, aluído nos seus fundamentos pela vaga impetuosa, constituída pelos vândalos, suevos e alanos, que do norte se despenhou contra ele, vacilou e caiu, arrastando na queda todo o passado glorioso da sua civilização assombrosa. Dos seus escombros, revolvidos pelas mãos dos bárbaros, surgiram as sociedades modernas. O abalo foi tremendo, e a Espanha não pôde evitá-lo. Galgando os Pirinéus, a onda dos visigodos espraiou-se na península, onde, durante três séculos, firmou a sua influência dominadora. Por fim, vencida a separação das duas raças pelo consórcio e unificação do direito gótico e romano, nos meados do século VII, vieram elas com a acção do tempo a constituir uma nação única no território peninsular.
Os visigodos abraçaram o cristianismo, e, pela liberdade individual, que era uma característica profunda da sua raça, deram origem ao sistema feudal, depois de terminada a sua vida errante como primitivamente fora a dos celtas, e fixaram-se no solo, entrando por esta forma na vida civilizada. Vencedores, receberam a influência dos vencidos, que escaparam à acção destruidora da sua espada implacável.
Mas outra, não menos terrível, veio, volvidos os três séculos do domínio godo, perturbar a sociedade peninsular, restabelecida dos ímpetos assoladores de Ataulfo, chefe dos visigodos. Agora, no século VIII, o tufão devastador sopra rijo e abrasador de outro lado: vem da África. Eram os árabes, ou, segundo a denominação mais vulgarmente conhecida, os mouros, que, em migrações sucessivas, golfam a sua população sobre a da península, dando feição diferente à sua civilização pelos elementos novos, que lhe trouxe. Vencido Rodrigo, o último rei godo, na célebre batalha de Guadalete, ficou franca a passagem aos sarracenos, que inundaram a península, apossando-se do seu tenitório.
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No entanto, Pelágio, acolhendo-se às asperezas das Astúrias, de aí caiu, como águia, sobre os vencedores das Espanhas, forçando-os em parte à retirada. Isto contribuiu para o ressurgimento da pátria goda, que, com o tempo, se foi alargando, dando lugar às monarquias cristãs da península. Entre elas distingue-se o nosso Portugal, nascido de um simples condado leonez, cujo governo Afonso VI de Castela confiara a D. Henrique, que casou com sua filha D. Teresa, mãe de D. Afonso Henriques.
Apenas investido na posse do Condado Portucalense (entre 1094 e 1095), o qual se estendia das margens do Minho ao Tejo, acariciou logo na mente a ideia da independência, a qual em todos os actos da sua vida o preocupou, trabalhando incessantemente a favor dela. A viúva do ilustre cavaleiro francês, D. Teresa, não adormeceu nos intentos do marido, antes procurou levá-los a efeito durante a menoridade de seu filho, que pôs o remate à empresa dos pais pelo esforço do seu braço, talentos militares e hábil política, de que usou para o conseguimento dos seus altos intuitos. Posta de parte a lenda de Ourique, pode assegurar-se que aí por 1145 a independência de Portugal era um facto consumado.
Mas nem por isso esfriaram os brios guerreiros do seu primeiro rei, D. Afonso Henriques. Pelo contrário. Desistindo de alargar o território português ao norte pela Galiza, voltou a sua atenção para o sul. O Alentejo converteu-se no principal centro de operações bélicas do intrépido e infatigável monarca. Então a guerra entre a Cruz e o Corão foi sem tréguas: as correrias pelo território inimigo sucediam-se umas às outras com êxito vário. As fortalezas fronteiras eram tomadas e retomadas por mais de uma vez; mas, em todo o caso, a pátria portuguesa ia-se alargando à custa dos domínios muçulmanos, que recuavam sempre, minados, além disso, pelas discórdias internas, que facilitavam os audaciosos planos do intrépido monarca português.
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Pelo rumo, que as conquistas tomaram, pode afoutamente dizer-se que o Alto Alentejo foi a parte desta província, que entrou em último lugar nos domínios da Coroa portuguesa. E como incluído nela o território do actual distrito de Portalegre, que ficou como que esquecido por força das circunstâncias no meio das conquistas, que se iam operando em torno, sendo por isso o derradeiro abandonado pelos árabes. Ou porque, nas suas frequentes entradas pelas terras sarracenas, D. Afonso Henriques nunca fizesse passagem por estes sítios, ou porque, ermos e abandonados, não contivessem lugares fortificados, que lhe chamassem a atenção para o ataque, o certo é que a história é silenciosa a seu respeito, não fazendo menção de facto algum memorável, aí praticado. Nem as fronteiras estavam, nem podiam estar definitivamente demarcadas nesse tempo. Neste sentido escreve A. Herculano:
- «O fixar precisamente os territórios e povoações possuídos no Alentejo por cristãos ou sarracenos, durante os últimos anos do governo de Afonso Henriques e os primeiros do de seu filho é impossível. À falta de monumentos juntam-se as mudanças contínuas que deviam resultar de uma guerra assoladora, quase nunca interrompida».
O que parece fora de dúvida é que, nos fins do século XII, o Alto Alentejo se achava despovoado, ermo e coberto de ruínas, em consequência das contínuas correrias, que nele se faziam tanto da parte dos cristãos, como dos árabes. Por isso, segundo refere o mesmo escritor, sem dúvida o mais autorizado no assunto, «a nenhuma das povoações, que aí hoje subsistem, como Avis, Portalegre, Crato, Vila Viçosa, Borba, Estremoz, etc., se pode fazer remontar a origem além do século XIII».
Apesar disso, parece que já anteriormente contava o moderno distrito de Portalegre um castelo, o de Terron perto de Nisa, segundo se supõe, e um mosteiro ou perceptoria, o de Alpalhão. Do que então se pensava seriamente, e foi este o maior título de glória de Sancho I, era em povoá-lo por intermédio quer de colónias estrangeiras, quer dos templários». In César Videira, Memória Histórica da Muito Notável Vila de Castelo de Vide, Edições Colibri e CIDEHUS-EU, 3ª edição 2008, ISBN 978-972-772-802-2.
NOTA:
Ruy Ventura publicou um novo e interessante trabalho no portal Fonte da Vila, http://www.fontedavila.org/, intitulado “A Vide e o seu Castelo (e outros topónimos da terra de Cristovam Pavia)”. Como o título indica, o autor reflecte sobre o topónimo "Castelo de Vide" e, ainda, sobre outras designações da vila, tais como "Aldeia", "Arçário", "Arrochela", "Poço de Aluáca", "Mascarro", etc. O texto integral pode ser lido em:
(Cristovam Pavia nasceu e morreu em Lisboa, vivendo temporadas em Castelo de Vide. Seu pai, Francisco Bugalho e seu tio Adolfo Bugalho, nasceram no Porto e faleceram em Castelo de Vide, JDACT)
Cortesia de Edições Colibri/JDACT