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quarta-feira, 20 de junho de 2018

Filhas da Tempestade. Philippa Gregory. «A resmungar, o guarda-portão correu a portinhola e desceu ao portão. Os viandantes esperaram do lado de fora, na derradeira luz dourada do dia, e ouviam-no a queixar-se amargamente…»

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Picolo. Itália, Novembro de 1453
«(…) Do lado da terra, a pequena vila piscatória estava circundada por muralhas altas com um único portão que se fechava oficialmente ao pôr do sol. Freize chamou o guarda-portão, o qual abriu uma portinhola e meteu nela a cabeça a barafustar que os viandantes deviam ter mais respeitinho pelo regulamento, e não podiam entrar na vila depois de tocar o sino do recolher obrigatório e de as portas se fecharem para passar a noite. - O sol nem acabou de se pôr! Refilou Freize. O céu ainda está alumiado! Já se pôs, retorquiu o guarda-portão. Como é que hei-de saber quem vocês são? Porque, como ainda não está noite cerrada, podes ver muito bem quem somos, contrapôs Freize. Agora deixa-nos entrar, senão vai ser pior para ti. O meu amo é inquiridor do próprio Santo Padre, nós não podíamos ser mais importantes se fossemos cardeais.
A resmungar, o guarda-portão correu a portinhola e desceu ao portão. Os viandantes esperaram do lado de fora, na derradeira luz dourada do dia, e ouviam-no a queixar-se amargamente conforme alijava o portão ruidoso para eles entrarem. Finalmente, passaram todos debaixo do arco. A vila não tinha mais que umas ruas estreitas do monte até ao cais. Os viandantes desceram das suas montadas e levaram-nas pela arreata até ao lado do cais, avançando com prudência no empedrado muito gasto. Tinham entrado pela porta oeste da muralha do perímetro que circundava toda a vila, onde havia uma porta trancada do lado norte e outra igual virada a sul. No caminho até ao porto viram, de frente para o mar escurecido, a única estalagem da vila com uma porta acolhedora escancarada, e janelas bem alumiadas pela luz das velas.
Os cinco viandantes levaram as montadas para o pátio dos estábulos, entregaram-nas ao moço de estrebaria, e rumaram ao átrio da estalagem. Pelas janelas entreabertas ouvia-se ondas a bater nas muralhas do cais, e entrava o cheiro a maresia e a redes de pesca. Piccolo era um porto concorrido com quase uma dúzia de barcos no pequeno cais, uns ancorados e balouçantes na baía, outros amarrados a argolas na muralha do porto. A vila tinha movimento mesmo com a noite outonal a cair. Os pescadores rumavam a suas casas, os últimos viandantes desembarcavam das embarcações mercantis que atravessavam o mar cada vez mais escuro. A Croácia ficava a menos de 150 quilómetros a leste e quem entrava na estalagem, a soprar nos dedos enregelados, queixava-se de um vento contrário que lhes prolongara a viagem em quase dois dias e os deixara gelados até aos ossos. Não tardaria a ser Inverno, e seria tarde para viagens por mar para todos, menos os destemidos. Ishraq e Isolde ficaram com o último quarto particular da casa, um espaço exíguo debaixo do tecto inclinado.
Ocasionalmente, ouvia-se ratos a correr pelo soalho, e talvez também ratazanas, mas as duas donzelas não se deixaram afectar por isso. Estenderam as capas de montar em cima da cama e lavaram mãos e rosto na pequena bacia de barro. Freize, Luca e o irmão Peter ficariam no quarto do sótão em frente, com mais meia dúzia de homens, como era habitual quando havia muitos viandantes e a estalagem estava cheia. O irmão Peter e Luca fizeram moeda ao ar pelo último lugar na cama grande e Luca perdeu, teria de se contentar com um colchão de palha nas tábuas. A estalajadeira pediu desculpas a Luca, cujo ar bem-parecido e boas maneiras chamavam a atenção onde quer que ele fosse, mas disse que a estalagem estava cheia nessa noite, e na noite seguinte ainda seria pior, pois corria o boato de que iria chegar à vila uma romaria impressionante». In Philippa Gregory, Filhas da Tempestade, 2013, Topseller, 20/20 Editora, 2015, ISBN 978-989-849-173-2.

Cortesia de Topseller/20/20E/JDACT

terça-feira, 26 de dezembro de 2017

Uma Praça em Antuérpia. Luize Valente. «António pouco mudara desde que deixara a quinta, quatro anos antes. Talvez uma certa seriedade no olhar, consequência da responsabilidade do trabalho»


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Norte de Portugal. 1933
«(…) Era um daqueles amores que só pareciam possíveis nos livros. António amou Olívia desde o primeiro momento em que a viu. Viu-a ser tirada pelo médico, minutos antes de Clarice. Foi o primeiro a ouvir seu choro, a segurá-la, a ver os olhos abrirem. Costumava contar às meninas a história do nascimento como um romance de aventura que sempre terminava com a afirmação de que Olívia nascera primeiro que Clarice. Como ele podia afirmar, perguntavam. Afinal se nem Lina nem o médico sabiam dizê-lo, como aquele rapaz, que na época era um menino, era tão categórico? A reposta era sempre a mesma: sei porque sei! A verdadeira resposta viria anos depois: sei porque jamais tirei os olhos de Olívia desde o primeiro instante em que a vi. Durante dezassete anos guardou o segredo. Fora para Lisboa, quatro anos antes, logo após a morte de Manuel, numa tentativa desesperada de esquecer aquele amor que o consumia. Olívia tinha treze anos; ele, vinte e quatro. As meninas o viam como o irmão mais velho. Ele tinha namoradas na vila, uma atrás da outra, e amantes também. As mulheres o satisfaziam sexualmente e só.
Jamais tivera qualquer pensamento perverso, pecaminoso com Olívia. Ela era uma criança, mas estava tornando-se uma mulher. Por isso ele fora embora. Agora, quatro anos depois, António regressava. Com ele vinha todo o sentimento. Como se nunca tivesse partido. No período em Lisboa, trabalhou duro. Encontrou o que queria fazer. O comércio lhe agradava. Seria rico, ganharia o mundo e voltaria à quinta, bem-sucedido, para pedir a mão de Olívia. Acabara de abrir uma pequena venda na capital portuguesa. O ano era 1933. O país vivia sob as rédeas do temido António Salazar. A nova Constituição, recém-aprovada, selava a implantação do Estado Novo, legitimando um regime autoritário e repressivo que se estenderia por quatro décadas. António passava longe da política. Salazar era apenas alguém com o mesmo nome próprio que ele. Os amigos mais engajados olhavam com receio o panorama que se formava. Totalitarismo, fim dos partidos, muito poder na mão de um só homem. As notícias do restante da Europa também preocupavam. Na Itália, Il Duce, Benito Mussolini, permanecia, sozinho, à frente do governo e do Partido Nacional Fascista. Na Alemanha, um outro ditador, austríaco naturalizado, chegava ao poder. Adolf Hitler tornava-se primeiro-ministro do país. Mas o que tudo isso tinha a ver com António e os planos de um futuro próspero e feliz ao lado de Olívia? Nem no mais improvável dos delírios ele poderia imaginar que o futuro de sua família seria marcado, para sempre, pela ascensão do Terceiro Reich.
António pouco mudara desde que deixara a quinta, quatro anos antes. Talvez uma certa seriedade no olhar, consequência da responsabilidade do trabalho, mais do que do passar dos anos. No entanto, a pequena mudança o colocava no rol dos homens, mais que bonitos, interessantes. Era viril. Os braços continuavam musculosos e sobressaíam sob a camisa branca que ele dobrara no antebraço, depois de tirar a gravata e afrouxar o colarinho. Segurava displicentemente com o dedo indicador o casaco jogado nas costas. Olívia não conseguia desviar os olhos dele. O que acontecera naqueles últimos anos que tinham transformado António no homem mais belo do mundo?, ela pensava enquanto baixava os olhos e fingia secar uma lágrima com o lenço. Teria de falar com ele cedo ou tarde. Conseguira fugir durante o enterro, agora não dava mais. Ele caminhava em sua direcção. Olhou para os lados, não havia ninguém, apenas ela.
Os olhos se cruzaram e ficaram. Olívia era praticamente uma menina quando António deixou a quinta. Houve uma época, quando as gémeas ainda eram pequenas, em que Olívia teve raiva daquele menino que roubava as atenções do pai. No entanto, era tão protector e cuidadoso, que tanto Olívia quanto Clarice passaram a adorá-lo. Era a referência masculina no lugar do pai ausente. Agora Olívia via António com olhos limpos de passado, olhos de mulher. Isso a fazia corar. Quanto mais ele se aproximava, mais o calor lhe subia pelo corpo, até tomar as maçãs do rosto. Olívia!, foi a única palavra que saiu da boca de António. O coração acelerado, nada mudara. A distância e o passar dos anos só tinham aumentado o que ele sentia por Olívia. Tornou-se o homem mais feliz do mundo quando, naquela troca de olhares, sentiu que era correspondido. Depois desse reencontro foi tudo muito rápido. Não se passaram seis meses, e a quinta reviveu momentos de alegria como não acontecia desde o anúncio da gravidez de Josefina, dezoito anos antes. O casamento de António e Olívia ocorreu no começo de 1934. A lua-de-mel foi em Lisboa, na casa de onde Olívia sairia, seis anos depois, rumo a Bordeaux, para não mais voltar». In Luize Valente, Uma Praça em Antuérpia, 2015, Saída de Emergência, colecção A História de Portugal em Romances, 2015, ISBN 978-989-637-844-8.

Cortesia de SdeEmergência/JDACT

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

A Revolução Portuguesa. O 5 de Outubro de 1910. Lisboa. Jorge D’Abreu. «A influência moral desprendida do acto revolucionário, já em precipitado desenrolar, ajudou muito a conquista da liberdade. A presença da artilharia no campo revoltoso, a imediata adesão do ‘Adamastor’ e do ‘S. Rafael’ ao movimento, o bombardeamento do paço…»


Cortesia de wikipedia

«De todos os relatos que vieram à tona da imprensa portuguesa sobre episódios do movimento que implantou a República no nosso país, conclui-se nitidamente esta coisa curiosa: raros foram os pontos do programa revolucionário que se cumpriram à risca. No entanto, o movimento triunfou. As longas horas de espectativa dolorosa, que uns passaram a desafiar a morte e outros a contas com a torturante ignorância da verdade, desfecharam na manhã de 5 de Outubro em delirante estralejar da vitória, alcançada simultaneamente pelo esforço heróico de meia dúzia de patriotas e a inacção de centenares de descrentes. O movimento triunfou apesar de tudo: da ausência, no momento supremo, de elementos de coordenação revolucionária, do desânimo que bem cedo invadiu quase a totalidade dos dirigentes da campanha, da falta sensível de armamento destinado aos carbonários e outros civis. Na madrugada de 4 de Outubro, à hora em que um troço de populares e de soldados arrastava pela Rotunda o entusiasmo dos primeiros momentos de combate bem sucedido, ainda numa casa dos lados da Sé duas criaturas devotadíssimas fabricavam bombas que um emissário da Revolução dai a pouco devia ir buscar. Mas o emissário não apareceu e um dos fabricantes saiu à rua a inteirar-se da situação. Caiu logo nas garras da polícia... E como este, muitos outros incidentes ocorreram na madrugada célebre, mais próprios, sem duvida, a embaraçar a eclosão do triunfo do que a facilitá-la. É que se do lado dos revolucionários havia quem suportasse, com fé inquebrantável, todos os obstáculos, e não poucos, que surgiram ante o seu desígnio, do lado do inimigo a convicção da perda irreparável da monarquia enraizara-se profundamente, abalando, com diminutas excepções, as consciências as mais empedernidas. Parece que, mal soaram no silêncio trágico da noite os primeiros tiros de canhão, a maioria das criaturas, às quais incumbia a missão de lutar pelo regime extinto, teve a visão clara da inutilidade do seu esforço.
A influência moral desprendida do acto revolucionário, já em precipitado desenrolar, ajudou muito a conquista da liberdade. A presença da artilharia no campo revoltoso, a imediata adesão do Adamastor e do S. Rafael ao movimento, o bombardeamento do paço, a fuga do rei e a derrota das baterias de Queluz contribuíram inegavelmente, e em larga escala, para assegurar a vitória da República; mas, a par desses factores, não é lícito esquecer a moleza, a inércia dos que constituíam o inimigo, uma e outra derivadas dum scepticismo que a monarquia, sem dar por isso, inspirava desde muito aos próprios que a serviam. É cedo, porém, para entrarmos na enumeração e apreciação desses factores. O nosso propósito, narrando o que vai ler-se, é fixar, com o melhor método possível, os pormenores da sacudidela feliz que destruiu a monarquia portuguesa, as étapes do verdadeiro sonho durante o qual se desmoronou a dinastia dos Braganças. É um pouco a história da organização revolucionária seguida logicamente do relatório da batalha de 4 e 5 de Outubro. Aqui e ali ressaltarão diversas notas confiadas por autênticos conspiradores ao signatário destas linhas e que, se não modificam a impressão geral do quadro da revolta que os leitores conhecem, emprestam-lhe, contudo, nuances absolutamente inéditas que é justo e necessário pôr em letra redonda. A história da organização revolucionária, sabemo-lo perfeitamente, escreveram-na três homens durante o período febril da sua preparação. Um deles, Miguel Bombarda, destruiu, pouco antes de morrer, o capítulo mais interessante, o que delineava, em traços simbólicos, todo o plano de ataque às instituições monárquicas. Liam-se nesse capítulo a força imponente dos elementos revolucionários e a sua distribuição pelos pontos vulneráveis; era o balanço, lucidíssimo para os iniciados e ininteligível para os profanos, do grande exército democrático que se aprestara a investir contra a realeza. Miguel Bombarda destruiu-o receoso de que viesse a cair, após a sua morte, em poder do inimigo.
O outro capítulo escreveu-o João Chagas ao sabor da oportunidade, em minúsculos pedaços de papel, nas margens livres de cartas e telegramas e até em bilhetes de visita. Era o resumo fidelíssimo das assembleias revolucionárias que antecederam o movimento, as actas das reuniões secretas de militares, o registo palpitante das adesões que dia a dia faziam engrossar a legião republicana. Esse capítulo não foi destruído. Atravessou o período mais aceso da luta escondido num chapéu feminino, o chapéu da esposa do ilustre panfletário, e só reviu a luz do dia quando o governo provisório já tinha iniciado a sua obra de reorganização politica. Ainda outro capitulo, o da implantação da Republica, lista dos actos, das determinações que deviam suceder imediatamente à consagração solene do triunfo. Esse esteve, por instantes, condenado a desaparecer nas profundezas dum sifão, transitou depois de algibeira para algibeira e por fim encontrou refúgio seguro na redacção dum jornal, a Lucta... A dois passos da policia. Qualquer desses capítulos, publicado isoladamente despertaria um real interesse e daria margem não só a variadíssimos comentários como a uma legítima exclamação de não menos legítimo espanto. Mas a nossa pretensão é mais modesta. Na leitura do que vai seguir-se, encontrar-se-ão simplesmente os elementos aproveitáveis à formação dum quarto capítulo, meramente subsidiário, não traçado por espírito de revolucionário que o não fomos, mas anotado por quem, durante o período de incerteza, limitou a sua acção pessoal a tomar apontamentos, a ouvir informações, a apreciar incidentes, a defrontar muita decisão, muita coragem, e, sobretudo muito medo, muito pavor. De mistura com isto, repetimos, aparecerão os depoimentos dos revolucionários autênticos, dos que jogaram a vida numa cartada de exito.

A perspicácia dos espiões ao serviço do antigo regime
A polícia, que o defunto juízo de instrução criminal empregava especialmente na espionagem dos chamados agitadores da opinião, recebeu um belo dia do final do reinado do rei Carlos o encargo de averiguar o que projectava de sensacional o partido republicano, que uma denuncia afirmava mover-se activamente numa conspiração surda, mas tremenda. Os bufos puseram-se imediatamente em campo e, dentro de curto prazo, davam ao chefe conta pormenorizada da sua missão. O relatório dessa espionagem, que pretendia, se não estamos em erro, elucidar policialmente o trama revolucionário do 28 de Janeiro, é a documentação mais perfeita sobre a incapacidade dos que essa mesma espionagem exerceram. Um dos bufos diz pouco mais ou menos isto: - Na noite de... ás... horas, vi entrar na casa n.º... da rua de... um   individuo magro, trigueiro, nariz comprido e de óculos, que se me   constou ser empregado dum judeu lá para os lados de... Saiu da    mesma casa às... horas e também se me constou que assistiu com mais     vinte e tantos indivíduos a uma reunião secreta». In Jorge D’Abreu, A Revolução Portuguesa, O 5 de Outubro de 1910, Lisboa, Edição da Casa Alfredo David (encadernador), Imprensa Libanio da Silva, Lisboa, 1912.

Cortesia de CADavid/JDACT

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Centenário da República: A revolução foi proclamada por todo o povo antes ainda de decidida a última acção, ou se saber quem alcançaria a vitória. A adesão unânime à República foi verdadeiramente um plebiscito de espontaneidade e entusiasmo

Cortesia do centenáriodarepública

Com a devida vénia, publico algumas palavras.
http://www.centenariorepublica.pt/ 
http://mnsr.imc-ip.pt/

Diário da Revolução.

Cortesia de aorodardotempo
Testemunho de José Relvas, Lisboa, Rua da Esperança
03 OUT 1910, 20h 30min
Às 8,30 horas estavam no segundo andar da casa da Rua da Esperança, reunidos numa pequena sala, os chefes civis e militares. Só Afonso Costa se sentara numa poltrona, ao canto da casa, na sombra. Todos estavam de pé, projectando-se os primeiros círculos de luz mais intensa do candeeiro de suspensão em Cândido dos Reis e nos oficiais(…). O Directório, que estava representado por mim e Inocêncio Camacho, José Barbosa, Cupertino Ribeiro e Eusébio Leão, aguardava silencioso as palavras decisivas dos oficiais revolucionários(…).
Fonte: Machado Santos, A Revolução Portuguesa 1907-1910, (prefácio de Joel Serrão) Lisboa, Assírio e Alvim, Janeiro de 1982, p. VIII.

Cortesia de lugaronde
Testemunho de Raul Brandão
04 OUT 1910
Morte de Miguel Bombarda
Mataram o Dr. Bombarda. Espalha-se na cidade que foram os padres que instigaram um tenente a assassiná-lo. É falso, mas há correrias no Rossio e o “Portugal” foi apedrejado. Toda a gente acredita num crime planeado, toda a gente se insurge contra o facto brutal – toda a cidade republicana se transforma num vulcão. No Rossio juntam-se grupos de gente taciturna e desesperada: - Mataram-no! Mataram-no! – ouve-se. À uma hora da noite o Machado Santos à frente dum bando de populares atira-se ao portão de Infantaria 16.
Fonte: Machado Santos, A Revolução Portuguesa 1907-1910, (prefácio de Joel Serrão) Lisboa, Assírio e Alvim, Janeiro de 1982, p. XIII.

Testemunho de Raul Brandão
Lisboa, campo de batalha
04 OUT 1910, 22 h30 min
Às dez e meia da noite sei mais notícias: os navios bombardearam o Paço; as tropas fiéis à monarquia estão encurraladas no Rossio. “Toda a noite ouço o estampido do canhão, (…), para depois cair sobre a cidade um silêncio mortal, um silêncio pior. Que se passa? Distingo o assobio das granadas, e de quando em quando um despedaçar de beiral que cai à rua. E isto dura até à madrugada. De manhã as tropas do Rossio rendem-se e os marinheiros desembarcam na Alfândega.
Fonte: Machado Santos, A Revolução Portuguesa 1907-1910, (prefácio de Joel Serrão) Lisboa, Assírio e Alvim, Janeiro de 1982, pp. XIV- XV.

Cortesia de filsergiosimoes
Testemunho de Machado Santos
Rotunda
04 OUT 1910, noite
Os populares que estavam desarmados foram-se entretendo na construção de teóricas barricadas. Tudo servia, guaritas, madeiramento de obras, fios telegráficos, troncos de arvores, chapas de zinco, etc..
(…) granadas das baterias de Queluz começam a chover na Rotunda (…) o acampamento responde ao fogo do inimigo e o Quartel de Artilharia 1, com duas peças, defendia-se galhardamente; ao mesmo tempo uma viva fuzilaria envolvia por completo a Rotunda.
Fonte: Machado Santos, A Revolução Portuguesa 1907-1910, (prefácio de Joel Serrão) Lisboa, Assírio e Alvim, Janeiro de 1982, pp. 78- 79.

Cortesia de exlibris-exlibris
Testemunho do Marquês do Lavradio

04 OUT 1910, tarde
Expectativa
Durante toda essa longa noite, o Ministério deixa o Rei isolado e sem conhecimento do que se está passando. Só pelas 2 horas da tarde do dia 4, o Governo se lembra do Rei para lhe dizer que vá para Mafra. Todos pensámos que em Mafra estava organizada uma defesa, por isso que, quando nos encontrávamos no Buçaco e houvera o projecto de um movimento, fora para ali que o Teixeira de Sousa mandara seguir El Rei, o que não teve lugar por o movimento ter sido abafado. Afinal, em Mafra, nada estava organizado, e o comandante da Escola Prática declarava que não tinha gente nem meios suficientes para defender Sua Majestade.
Já a República fora proclamada em Lisboa, quando El-Rei recebeu em Mafra, para assinar, o decreto de suspensão de garantias!
Fonte: Memórias do Sexto Marquês do Lavradio, Lisboa, Edições Ática, 1947, pp.153-154.

Testemunho de Paiva Couceiro
Ao nosso sempre Pai e comandante do grupo a cavalo podemos nós felizmente dizer que o seu Grupo cumpriu honradamente o dever até ao fim.
Fonte: Memórias do Sexto Marquês do Lavradio, Lisboa, Edições Ática, 1947, pp.153-154.

Testemunho do Marquês do Lavradio
Exílio
Cheguei a Gibraltar no dia 11 e encontrei a Família Real num grande estado de abatimento, mas com enorme coragem e dignidade.
Fonte: Memórias do Sexto Marquês do Lavradio, Lisboa, Edições Ática, 1947, p.160.

Cortesia de embaixada-portugal-brasil
Testemunho de Aquilino Ribeiro
Lembro-me que foi o Matin, na madrugada de 4, o único jornal que anunciou a revolução em Lisboa. Um milagre da informação que fez pasmar as outras gazetas. Com o Serpa Pimentel, que me levou a casa a grande nova, abalei para a Cité Bergère, v. sabe, uma rua do Torna Atrás à mão direita de quem sobe dos boulevards a Rue du Faubourg de Montmartre. Era na hospedaria que tomara o nome da impasse, que estava instalado o nosso estado-maior.
Fonte: Aquilino Ribeiro, Um escritor confessa-se, Lisboa, Bertrand Editora, 2008, pp.322-323.

Testemunho de José Relvas
Proclamação da República
Às 9 horas da manhã de 5 de Outubro era proclamada a República Portuguesa pelos revolucionários que do Rossio se tinham dirigido para a Câmara Municipal, a casa que fora conquistada pelos republicanos nos últimos anos da Monarquia. Ali se encontraram os representantes do Directório: Inocêncio Camacho, Eusébio Leão, José Barbosa, Malva do Vale e José Relvas(…).
A Praça do Município regorgitava, cheia pela multidão que ali acorrera logo depois de pacificada pela confraternização do Rossio. Foram proclamados os membros do Governo Provisório: Presidente, Teófilo Braga; Interior, António José de Almeida; Justiça, Afonso Costa; Finanças, Basílio Teles; Guerra, Correia Barreto; Marinha, Amaro de Azevedo Gomes; Obras Públicas, António Luís Gomes e Estrangeiros, Bernardino Machado. (…).
Fonte: José Relvas, Memórias Políticas, Lisboa, Terra Livre, 1977, p.151.

Cortesia de histgeoalfandega
Testemunho de António José de Almeida
Batalhou-se durante três dias, mas batalhou-se honrosamente e aqueles que pegaram nas espingardas saíram dessa luta com as mãos tão puras de sangue que, voltando a seus lares podiam tomar ao colo as crianças que encontravam no berço.
Fonte: Discursos do Dr. António José de Almeida (Presidente de Portugal) durante a sua estada no Rio de Janeiro, de 17 a 27 de Setembro de 1922, por ocasião das festas comemorativas do 1.º centenário da Independência do Brasil, Rio de Janeiro, Jacinto Ribeiro dos Santos, 1922, p.36.

Testemunho de Aquilino Ribeiro
"O 5 de Outubro em Paris", 4 OUT 1925
“No dia 5 confirmou-se o nosso palpite: a revolução, que se aguentasse mais trinta horas, teria fatalmente de vencer. (…) Nunca o nome de Portugal, como naquele dia, foi tão soprado nos boulevards. Nas parangonas, nas conversações, nas vozes supreendidas ao passar, o estribilho era Portugal e sempre Portugal. Recapitulava-se a sua história, citavam-se as suas belezas naturais, com a mais calorosa simpatia e aprazimento pela revolução. O reconhecimento da República pôde demorar, mas desde a primeira hora o grande público francês esteve com ela de alma e coração.”
Fonte: “O 5 de Outubro em Paris”. Carta de Aquilino Ribeiro publicada pelo jornal O Popular, em 4 de Outubro de 1925. Publicado em RIBEIRO, Aquilino, Um escritor confessa-se, Bertrand Editora, Lisboa, 2008, pp.324-325.

Cortesia do centenáriodarepública

Cortesia das Comissão Nacional  para as Comemorações do Centenário da República/JDACT

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Centenário da República: A revolução foi proclamada por todo o povo antes ainda de decidida a última acção, ou se saber quem alcançaria a vitória. A adesão unânime à República foi verdadeiramente um plebiscito de espontaneidade e entusiasmo

Cortesia do centenariorepublica
Com a devida vénia, publico algumas palavras.

«A revolução foi proclamada por todo o povo antes ainda de decidida a última acção, ou se saber quem alcançaria a vitória; e, desde esse momento, a notícia transmitida para todas as cidades e terras de Portugal, a adesão unânime à República foi verdadeiramente um plebiscito de espontaneidade e entusiasmo, entrando logo a vida portuguesa em normalidade. Mantiveram-se os valores do Estado, o comércio abriu as suas portas, e a República era consagrada com cantares e alegrias, porque se respirava um ar oxigenado e livre». In As Constituintes de 1911 e os seus Deputados. Obra compilada por um antigo oficial da Secretaria do Parlamento, Lisboa, Livraria Ferreira, 1911, p.381.

Cortesia de 5outubro.centenariorepublica
http://coloquio-virtude-republica.centenariorepublica.pt/
 
Cortesia do centenariorepublica
Resumo:
«A Comemoração do Centenário da Implantação da República em Portugal não poderia passar sem uma suspensão reflexiva em torno do tema da «renovação republicana». Entendem os organizadores que a República é passado e futuro. Também o presente convoca desesperadamente o republicanismo crítico como modo de reintroduzir no discurso político os velhos temas da «virtude cívica», da «dedicação à causa pública» e da participação política activa como forma de defesa dos próprios direitos fundamentais.
O aprofundamento da aludida revivificação republicana justifica o convite a dois dos maiores cultores mundiais da problemática histórica, sociológica, política, jurídica e económica dos ideais republicanos. Impunha-se assim a presença de J.G.A. Pocock, o autor de trabalhos imprescindíveis sobre a história da tradição republicana atlântica, e de J. Habermas que, em vários livros, desenvolve uma poderosa reflexão crítico-filosófica sobre a teoria política do republicanismo.
Cortesia do centenariorepublica
O sopro cosmopolita republicano que estes dois autores republicanos transportam para o nosso país carecia de parceiros de diálogo portugueses com sabedoria para a contextualização discursiva das comunicações a cargo dos mestres pensadores J. Pocock e J. Habermas. Estamos a referir-nos a Fernando Catroga, da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Aroso Linhares, da Faculdade de Direito desta mesma Universidade e a Ricardo Leite Pinto, da Universidade Lusíada de Lisboa. A apresentação pessoal de J. Pocock ficará a cargo do professor espanhol da Universidade de Vigo, Eloy Garcia, responsável pela tradução para castelhano da obra maior daquele autor, «The Machiavellian Moment: Florentine Political Thought and the Atlantic Republican Tradition, 1975». Um dos coordenadores do Colóquio, J.J. Gomes Canotilho, encarregar-se-á da apresentação do Professor Jürgen Habermas». In da Virtude e Fortuna da República ao Republicanismo pós-Nacional.

30 de Setembro de 2010
Coimbra, Auditório da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.
 
Cortesia do centenariorepublica/JDACT

quarta-feira, 21 de abril de 2010

José Relvas: Um «encontro» com a nossa História

Cortesia de atexturadotexto
(1858-1929)
José de Mascarenhas Relvas  foi um político português.
Matriculou-se na Universidade de Coimbra na faculdade de Direito, que só frequentou até ao segundo ano, abandonando-o então para seguir o Curso Superior de Letras, o qual concluiu em 1880.
José Relvas aderiu ao Partido Republicano já numa fase avançada da vida, muito perto dos 50 anos de idade, no contexto da crise política provocada pela chamada ao poder, por parte do rei D. Carlos, do ministro João Franco.
Foi o «escolhido» para proclamar a República, a 5 de Outubro de 1910, da varanda da Câmara Municipal de Lisboa porque era um dos dirigentes «mais antigos» do directório do Partido Republicano.
Cortesia republica100anos
Foi ministro das Finanças do respectivo Governo Provisório de 12 de Outubro de 1910 até à auto-dissolução deste, a 4 de Setembro de 1911 sendo ele o responsável, nomeadamente, pela introdução da reforma monetária que criou o escudo.
Exerceu o cargo de embaixador de Portugal em Espanha até finais de 1913, regressando a Portugal para assumir o lugar no Senado, por entender que a sua legitimidade vinha do cargo para o qual havia sido eleito. Acabou por resignar em 1915.
Afastou-se da vida política até ao final de 1918. Foi nomeado primeiro ministro, a 27 de Janeiro de 1919, tendo exercido aquele cargo até 30 de Março do mesmo ano. Morre aos 71 anos de idade na Casa dos Patudos, em Alpiarça. A Assembleia da República prestou-lhe homenagem em 2008 com a exposição José Relvas, o conspirador contemplativo, que ilustrou as diferentes facetas de José Relvas e do seu percurso político até 1914.
(Memórias de José Relvas)
Cortesia Portugal Dicionário histórico/Portal da História_Memórias Pessoais
JDACT