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de wikipedia e jdact
«(…) Entrementes, eu tinha
bastante astúcia para não dar o menor ensejo para que algum membro da família
suspeitasse de mim ou imaginasse que eu tinha a menor ligação com o jovem
cavalheiro; quase nunca o olhava em público e, na presença de alguém, só lhe
falava em resposta a algo que ele me dissesse; apesar disso, de vez em quando
tínhamos uma pequena entrevista, em que não havia tempo senão para a troca de
uma ou duas palavras ou, de quando em quando, um beijo, mas nunca surgia boa
ocasião para o mal pretendido, sobretudo porquanto ele fazia mais circunlóquios
do que seria necessário se lesse os meus pensamentos, e como a empresa lhe
parecia difícil, na realidade assim a tornava.
Entretanto, como o diabo é um
tentador infatigável, ele nunca deixa de achar oportunidade para o mal com que
nos acena, e essa oportunidade surgiu numa tarde em que eu estava no jardim com
as duas irmãs mais novas e ele, todos em inocente colóquio, quando ele
encontrou um meio de deslizar para a minha mão um bilhete em que dizia que no
dia seguinte me pediria, em público, que levasse uma mensagem à cidade para ele
e que eu o encontraria em algum ponto do caminho. Assim, no outro dia, depois
do almoço, disse-me diante das irmãs, muito sério, senhora Betty, preciso pedir-lhe
um favor; o que é?, perguntou a irmã menor; bem, irmã, continuou ele, se não
puderem prescindir da senhora Betty hoje, poderá ser em qualquer outro dia;
claro que sim, disseram elas, podiam muito bem prescindir de mim, e a irmã
desculpou-se por haver perguntado do que se tratava, o que disse ter feito por simples
rotina, sem dar àquilo importância alguma; bem, irmão, disse a irmã mais velha,
tem de dizer à senhora Betty do que se trata; se for algum assunto particular
de que não devemos tomar conhecimento, pode falar-lhe em particular, esteja à
vontade; ora, irmã, disse o cavalheiro, com toda a seriedade, o que quer dizer
com isso? Só quero pedir que ela vá à uma loja na High Street, e em seguida
tirou do bolso um colarinho postiço e contou então uma longa história sobre duas
belas gravatas pelas quais tinha feito uma oferta e queria que eu fosse até lá
e lhe fizesse o favor de comprar uma gravata para o colarinho que ele mostrava,
e se não aceitassem o valor que ele propusera, oferecesse um xelim a mais e
regateasse com eles; a seguir, deu-me outras incumbências e pequenas coisas para
fazer, de modo que eu passasse muito tempo fora.
Depois de expor todos esses
encargos, contou-lhes outra longa história de uma visita que faria, naquela
tarde, a uma família que todos conheciam e em cuja residência estariam tais e
tais cavalheiros, que ficariam muito satisfeitos com o encontro, e pediu
formalmente às irmãs que fossem com ele; com a mesma formalidade, elas
declinaram do convite, por causa de visitas que receberiam naquela tarde;
diga-se de passagem que ele tramara o ardil justamente por saber disso. Mal
acabara de lhes falar e de me explicar as incumbências, seu criado chegou para
informar que a sege de sir W… H… chegara à porta, e ele saiu e logo retornou, que
pena!, exclamou, lá se vai minha tarde por água abaixo, sir W… mandou a sua sege
para me buscar e quer falar comigo sobre um assunto sério; creio que esse sir W…
era um cavalheiro que morava a cerca de cinco quilómetros fora da cidade e a
quem na véspera ele pedira emprestada a sege para um assunto particular,
dizendo-lhe que a enviasse por volta das três horas, como ele fez.
Pediu sua melhor peruca, o chapéu
e a espada, ordenando ao criado que fosse à outra casa para apresentar as suas
desculpas por não poder ali comparecer, o que era simplesmente um pretexto para
afastá-lo, e preparou-se para subir à sege; no momento em que saía, deteve-se
um instante e falou-me, em tom circunspecto, do que me pedira, achando
oportunidade de dizer à meia-voz, saia depressa, querida, o mais cedo que puder;
nada respondi, limitando-me a fazer uma reverência, como se em resposta ao que
me dissera em voz alta; daí a cerca de um quarto de hora, saí também; não mudei
a roupa que vestia, de modo que não pudesse surgir na casa a menor suspeita,
mas levava no bolso um capuz, um véu, um leque e um par de luvas; ele esperava-me
na sege numa ruazinha atrás da sua residência, pela qual sabia que eu haveria
de passar, e instruíra o cocheiro para onde deveria ir, um lugar chamado
Mile-End, onde morava um amigo seu; entramos na casa, e notei que havia ali
todas as comodidades do mundo para que pecássemos tanto quanto quiséssemos.
Quando nos vimos a sós, ele pôs-se
a falar com muita sisudez e disse que não me levara ali para me seduzir, já que
a sua paixão por mim não lhe permitiria abusar de mim, pois estava decidido a
casar-se comigo logo que entrasse na posse da herança e que, até lá, se eu
aceitasse a sua proposta, ele me manteria com toda a honradez; mil vezes
professou a sua sinceridade e seu afecto por mim, assegurando que jamais me
abandonaria, e, se me é lícito dizer, fez mil vezes mais preâmbulos do que
precisava.
Todavia,
como insistia para que eu lhe respondesse, eu disse que não tinha motivo algum
para duvidar da sinceridade do seu amor por mim, depois de tantas declarações,
mas…, e calei-me, como se quisesse que ele adivinhasse o resto; o que é, minha querida?,
disse ele, já imagino o que você quer dizer: o que acontecerá se engravidar, não
é isso? Ora, cuidarei de si e de todas as suas necessidades, bem como as da
criança, e para ver que não estou brincando, fique com isto de presente, e entregou-me
uma bolsa de seda com cem guinéus, e lhe darei outra igual, disse, a cada ano,
até nos casarmos». In Daniel Defoe, Moll Flanders, 1722, A vida Amorosa de Moll Flanders,
Publicações Europa América, 1998, ISBN 978-972-104-443-2.
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