quinta-feira, 16 de agosto de 2018

O Legado dos Templários. Steve Berry. «Malone abandonou a Torre Redonda e seguiu Stephanie. Quando desceu do telhado, os paramédicos estavam a tratar do casal de idosos. O homem estava meio atordoado devido à pancada na cabeça»

jdact

«(…) Parecia nervoso e isso preocupava Malone. As pessoas desesperadas acabam sempre por cometer actos desesperados. Ponha a faca no chão. A polícia está a chegar. Não tem por onde fugir. O homem da faca voltou a olhar para o céu e depois fitou Malone. Viu indecisão no rosto dele. Que se passava ali? Um ladrão de malas que foge para o topo de uma torre de trinta metros de altura sem saída? Os passos tornaram-se mais audíveis. A polícia não tarda a chegar. O homem da faca aproximou-se ainda mais do corrimão, mas não soltou a mulher. Malone percebeu que a rigidez do ultimato forçava uma decisão e repetiu-a. Não tem por onde escapar. O ladrão puxou a mulher mais para si e recuou, encontrando-se agora completamente encostado ao corrimão. Atrás dele e da sua refém havia agora apenas o vazio. Os olhos perderam a expressão de pânico e uma súbita calma apoderou-se do homem. Empurrou a mulher para a frente e Malone apanhou-a antes que ela se desequilibrasse. O homem da faca fez o sinal da cruz e, com a mala de Stephanie na mão, saltou por cima do corrimão, gritou uma palavra, beauséant, esfaqueou o pescoço e o seu corpo mergulhou em direcção à rua. A mulher soltou um grito ao mesmo tempo que a polícia aparecia. Malone largou-a e precipitou-se para o corrimão. O homem da faca estava estendido no chão. Caíra de uma altura de trinta metros. Malone abanou a cabeça.
Voltou-se e olhou para o céu. No mastro da bandeira no topo do observatório, a Dannebrog, a bandeira nacional da Dinamarca, uma cruz branca sobre um fundo vermelho, pendia inerte na calma da tarde. Para onde estaria o homem a olhar? E por que razão teria saltado? Voltou a olhar lá para baixo e avistou Stephanie a tentar abrir caminho por entre a multidão que se amontoava. A sua mala de pele estava caída a pouca distância do cadáver. Malone viu-a baixar-se e apanhá-la do chão, e depois desaparecer por entre os curiosos. Seguiu-a com o olhar enquanto ela se apressava em direcção a uma das ruas que dava acesso à movimentada Ströget sem sequer olhar para trás. Abanou a cabeça em sinal de reprovação e murmurou: mas que raio...
Stephanie estava preocupada Após vinte e seis anos a trabalhar para o Departamento de Justiça, os últimos quinze à frente do Magellan Billet, aprendera que se algo tinha quatro patas, tronco e cheirava a amendoins, então tratava-se de um elefante e não havia necessidade de pendurar um cartaz ao pescoço do animal. Isso significava que o homem do casaco vermelho não era nenhum ladrão de malas. Deveria ser qualquer coisa bem diferente. E isso queria dizer que havia alguém a par dos seus objectivos. Vira o ladrão mergulhar da torre, a primeira vez que assistira à morte de alguém. Durante anos escutara os seus agentes falar sobre isso, mas havia uma grande diferença entre ler um relatório e ver uma pessoa morrer. O corpo abatera-se sobre a calçada com um som seco. Teria saltado? Teria sido empurrado por Malone? Houvera luta? Teria ele dito alguma coisa antes da queda? Viera à Dinamarca com um único objectivo e, uma vez aí, decidira visitar Malone. Há anos ele fora um dos doze escolhidos para o Magellan Billet. Conhecera o pai de Malone e seguira a carreira brilhante do filho, tendo ficado muito satisfeita por tê-lo a trabalhar para ela quando este decidiu aceitar a sua oferta e trocou o JAG (Esquadrão de Jactos da Marinha) pelo Departamento de Justiça. Com o tempo, acabara por se tornar um dos seus melhores agentes mas, no ano anterior, decidira deixar o departamento, decisão que ela ainda lamentava.
Desde então não o voltara a ver, embora tivessem falado ao telefone umas quantas vezes. Quando ele saiu em perseguição do ladrão, reparou que continuava um homem musculado e de cabelo basto e ondulado com o mesmo tom de um ligeiro castanho-avermelhado que recordava, semelhante à pedra antiga dos edifícios que a rodeavam. Durante os doze anos que trabalhara para ela, sempre fora decidido e independente, características que faziam dele um bom operacional, no qual podia confiar, e também não deixava de ser compassivo. Acabara por se transformar em algo mais do que um mero funcionário. Era também um amigo. N o entanto, isso não significava que o quisesse a meter o nariz nos seus assuntos. Perseguir o homem da faca era típico de Malone, mas era também um problema. Visitá-lo agora iria implicar um sem-número de perguntas às quais não tinha intenção de responder. O encontro teria de ficar para uma outra ocasião.
Malone abandonou a Torre Redonda e seguiu Stephanie. Quando desceu do telhado, os paramédicos estavam a tratar do casal de idosos. O homem estava meio atordoado devido à pancada na cabeça, mas iria ficar bem. A esposa continuava histérica. Ouvira um dos enfermeiros alertar para que fosse transportada para uma ambulância. O corpo do homem da faca continuava no chão sob um lençol amarelo e a polícia apressava-se a afastar as pessoas do caminho. Avançando por entre a multidão, Malone viu o fotógrafo da polícia levantar o lençol e começar a trabalhar. O ladrão cortara mesmo a garganta. A faca ensanguentada estava caída a poucos metros de um dos braços, contorcido num ângulo estranho. O sangue escorrera da ferida do pescoço e acumulara-se num poça escura. O crânio estava rachado, o tronco esmagado e as pernas torcidas como se não tivessem ossos. A polícia dissera a Malone para não abandonar o local, iriam precisar que prestasse declarações, mas naquele momento era mais importante encontrar Stephanie. Afastou-se dos curiosos, e olhou o céu da tarde onde o Sol brilhava com fulgor. Não se avistava uma única nuvem. Iria, sem dúvida, estar uma excelente noite para observar as estrelas, mas ninguém poderia visitar o observatório no cimo da Torre Redonda. Não. Estaria fechado, pois um homem acabara de pôr fim à própria vida. E quem seria esse homem?» In Steve Berry, O Legado dos Templários, 2006, Publicações dom Quixote, 2007, ISBN 978-972-203-808-9.

Cortesia PdomQuixote/JDACT