«(…)
Peter correu para a porta. Parou e voltou-se. Está bem, Chinaski! Mas não te
esqueças do que eu te trouxe! Bateu com a porta e lá se foi. Lydia sentou-se no
sofá, ao pé da porta. Eu estava sentado a cerca de trinta centímetros dela.
Olhei-a. Ela estava maravilhosa. Eu tinha medo. Estendi o braço para tocar os
seus longos cabelos. O seu cabelo era mágico. Retirei a mão. Todos esses
cabelos são mesmo teus?, perguntei-lhe. Eu sabia que eram. Sim, disse ela, são
meus. Pus a mão sob o seu queixo, e muito desajeitadamente tentei virar a sua
cara para a minha. Nestas situações nunca me sentia seguro. Beijei-a ao de
leve. Lydia saltou. Tenho de me ir embora. Estou a pagar a uma baby sitter. Ouve, disse
eu, fica. Pagarei eu. Fica mais um pouco. Não, não posso. Tenho que me ir
embora. Dirigiu-se para a porta. Eu segui-a. Abriu a porta. Depois voltou-se. Pela
última vez estendi-lhe o braço. Ela ergueu o seu rosto e deu-me um beijo fugaz.
Em seguida afastou-se e depôs-me na mão algumas folhas dactilografadas. A porta
fechou-se. Sentei-me no sofá com as folhas na mão e ouvi o seu carro arrancar. Os
poemas estavam agrafados, fotocopiados e intitulavam-se elllla. Li alguns. Eram
interessantes, cheios de humor e sexualidade, mas mal escritos. Eram assinados
por Lydia e as suas três irmãs, todas elas jocosas, corajosas e sexy. Atirei as folhas e abri
a minha garrafa de whisky. Lá
fora estava escuro. A rádio difundia sobretudo Mozart, Brahms e Beethoven.
No
dia seguinte ou pouco depois, recebi pelo correio um poema de Lydia. Era um longo
poema e começava assim:
Sai,
velho anão,
Sai
do teu escuro buraco, velho anão
Sai
connosco para a luz do sol e
Deixa-nos
pôr margaridas nos teus cabelos...
O
poema continuava, e dizia como me sentiria bem a dançar nos prados com pardas criaturas
fêmeas, que me trariam a alegria e o verdadeiro conhecimento. Arrumei a carta
na gaveta da cómoda. No outro dia, de manhã, fui acordado por alguém que batia
no vidro da minha porta de entrada. Eram dez e trinta. Vá-se embora, disse eu.
E a Lydia. Está bem. Espera um minuto. Vesti uma camisa e umas calças antes de
abrir a porta. Depois corri para a casa-de-banho e vomitei. Tentei lavar os
dentes mas não consegui senão vomitar mais, o adocicado do dentífrico
revolveu-me o estômago. Saí. Estás doente, disse Lydia. Queres que me vá
embora? Oh, não, estou bem. Acordo sempre neste estado. Lydia parecia estar
bem. A luz filtrada pelas cortinas iluminava-a. Ela tinha uma laranja na mão e
lançava-a ao ar. A laranja rodopiava na luz da manhã. Não posso ficar» disse
ela, mas quero pedir-te uma coisa. Diz lá. Sou escultora. Gostava de esculpir a
tua cabeça. Está bem. Terás de ir a minha casa. Não tenho estúdio. Teremos de
fazer isso em minha casa. Isso não te aborrece, pois não? Não.
Anotei
a sua morada e instruções sobre como lá chegar. Tenta lá estar pelas onze da
manhã. As crianças chegam da escola a meio da tarde e distraem-nos. Lá estarei
às onze, respondi- lhe. Eu estava sentado em frente de Lydia, ao canto da
cozinha. Entre nós estava um pequeno monte de barro. Ela começou a fazer
perguntas. Os teus pais ainda estão vivos? Não. Gostas de Los Angeles? É a
minha cidade preferida. Porque escreves dessa maneira sobre mulheres? De que
maneira? Tu sabes. Não, não sei. Pois bem, eu acho que é uma pena dos diabos
que um homem que escreve tão bem como tu não saiba nada de nada sobre mulheres.
Eu não respondi.
Ó
diabo! O que é que a Lisa fez com...? Ela pôs-se a vasculhar a sala. Oh, estas meninas
que brincam a esconder os instrumentos da mãe! Lydia encontrou outro. Vou-me
desenrascar com isto. Não te mexas agora, descontrai- te mas fica quieto. Eu
estava sentado em frente dela. Ela trabalhava o monte de barro com um instrumento
de madeira que terminava num anel de arame. Eu observava-a. Os seus olhos olhavam
para mim. Eram grandes, de um castanho escuro. Mesmo o seu olho deficiente, aquele
que desacertava com o outro, agradava-me. Eu retribuía- lhe o olhar. Lydia trabalhava.
O tempo passava. Eu estava em transe. Então ela disse: que tal uma pausa?
Queres uma cerveja?. Óptimo. Sim». In Charles Bukowski, Mulheres, 1978, 1985, Editora
dom Quixote, 2001, ISBN 978-972-202-006-0.
Cortesia de EdomQuixote/JDACT