quinta-feira, 16 de agosto de 2018

O Legado dos Templários. Steve Berry. «Ao longo dos séculos, milhares de irmãos tinham enfrentado o mesmo fim e era impensável que o grão-mestre não seguisse a tradição»

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«(…) Embora a declaração tivesse sido proferida sem qualquer emoção, fez-se um momento de silêncio. Viajamos juntos para Roskilde?, perguntou Hansen, tendo aparentemente entendido que não iria conseguir arrancar qualquer informação dela. Eu encontro-me consigo lá. Mal posso esperar. Stephanie saiu do escritório e Malone recuou no seu esconderijo, e virou o rosto quando ela passou. Ouviu a porta do escritório de Hansen bater e aproveitou a oportunidade para voltar à entrada da loja. Stephanie abandonou a livraria e virou à esquerda. Ele esperou um pouco e depois seguiu-a por entre os transeuntes em direcção à Torre Redonda.
Não olhou para trás uma única vez. Parecia nem sequer conceber que alguém pudesse estar interessado nas suas andanças. Contudo, devia estar preocupada com essa possibilidade, principalmente depois do que acontecera com o homem da faca. Interrogou-se porque não estaria ela atenta e alerta. Era certo que não era uma operacional, mas também não era parva. Ao chegar à Torre Redonda, em vez de virar à direita e dirigir-se à Höjbro Plads, onde se situava a livraria de Malone, continuou em frente, e depois de andar mais três quarteirões, entrou no Hotel d'Angleterre. Ficou a vê-la entrar. Sentia-se magoado por saber que ela desejava comprar um livro na Dinamarca e não lhe pedira ajuda. Era óbvio que não o queria envolver no assunto. Na verdade, depois do que sucedera na Torre Redonda, ela parecia nem sequer querer falar com ele. Olhou para o relógio. Passava um pouco das dezasseis e trinta. O leilão tinha início às dezoito horas e Roskilde ficava a meia hora de automóvel. Não planeara estar presente, pois o catálogo que lhe tinham enviado não continha nada de interessante. Mas isso já não era importante. Stephanie estava a agir de modo estranho, até para ela, e uma voz familiar na sua cabeça, voz essa que o mantivera vivo durante doze anos como agente do governo, dizia-lhe que ela ainda ia precisar dele.

Abbaye des Fontaines. Pirinéus Franceses. 17h00
O senescal ajoelhou-se ao lado da cama para confortar o seu mestre moribundo. Rezara durante semanas para que aquele momento não chegasse mas em breve, depois de ter dirigido sabiamente a Ordem durante vinte e oito anos, o velho homem deitado na cama ganharia um merecido lugar no céu junto dos seus antecessores. Infelizmente, para o senescal os tumultos do mundo físico continuariam e ele temia esse panorama. A divisão era espaçosa e as antigas paredes de pedra e madeira não exibiam quaisquer sinais da passagem do tempo, apenas as vigas de pinho do tecto haviam escurecido. Uma janela solitária, como um olho melancólico, deixava ver o exterior e emoldurava a beleza de uma queda-d’água que contrastava com a robustez cinzenta da montanha. A luz baça do crepúsculo começava a fazer crescer os cantos do quarto. O senescal pegou na mão do mestre e reparou que esta estava fria e mole. Está a ouvir-me, mestre?, perguntou em francês. As pálpebras cansadas abriram-se. Ainda não morri, mas já não falta muito. Já ouvira outros que no leito de morte haviam proferido afirmações semelhantes e sempre se interrogara se o corpo simplesmente se exauria, deixando de ter forças para obrigar os pulmões a respirar ou o coração a bater, a morte invadindo aos poucos os territórios da vida. Apertou-lhe a mão com mais força. Irei sentir a sua falta. Os lábios finos esboçaram um sorriso. Foste um bom aprendiz, tal como eu previra. Foi por isso que te escolhi. Os dias vindouros trarão muitos conflitos. Estás preparado. Tratei de tudo para que assim fosse. Ele era o senescal, o sucessor do grão-mestre. A sua ascensão fora rápida, demasiado rápida para alguns, e apenas a firme liderança do mestre abafara o descontentamento. Mas a morte em breve viria reclamar o seu protector e ele temia que a revolta se instalasse logo de seguida. Não há garantias que eu vos suceda. Subestimas as tuas qualidades. Respeito o poder dos seus adversários.
O silêncio encheu o quarto, permitindo que as cotovias e os melros se escutassem do outro lado da janela. Olhou para o seu mestre. Vestia uma bata azul-celeste salpicada de estrelas douradas. Apesar das linhas faciais parecerem mais acentuadas com a proximidade da morte, exibia ainda algum fulgor. Do queixo pendia-lhe uma barba longa, emaranhada e grisalha, as mãos e os pés estavam retorcidos pela artrite, mas o brilho dos olhos não se tinha apagado. Sabia que os vinte e oito anos de liderança tinham ensinado muita coisa ao agora cansado cavaleiro-guerreiro. A lição mais importante de todas fora porventura a de mostrar uma máscara de civilidade, mesmo perante a morte. O médico confirmara o cancro há alguns meses. Tal como a Regra exigia, permitiu-se que a doença avançasse ao seu ritmo, aceitando-se desse modo as consequências naturais da acção de Deus. Ao longo dos séculos, milhares de irmãos tinham enfrentado o mesmo fim e era impensável que o grão-mestre não seguisse a tradição». In Steve Berry, O Legado dos Templários, 2006, Publicações dom Quixote, 2007, ISBN 978-972-203-808-9.

Cortesia PdomQuixote/JDACT