«(…) Vou visitá-la em
Charterhouse quando a prin… Ela põe as duas mãos sobre a boca e suspira. Quando
lady Mary permitir. Ela chega perto da orelha de Katherine e sussurra: lady
Hussey foi mandada para a Torre por chamá-la de princesa. Eu lembro-me, diz
Katherine. Mas faz anos, e ela estava fazendo birra. Era diferente. Um deslize
assim não seria punido. Ah, Kit, passou tempo demais longe deste lugar. Esqueceu-se
de como é? Um ninho de cobras, murmura Katherine. Ouvi dizer que o rei mandou
Huicke cuidar de seu marido, diz Anne. Mandou. Não sei por quê. Latymer
certamente foi perdoado então. Suponho que sim.
Katherine nunca tinha entendido
completamente o papel de Latymer no levante que foi chamado de Peregrinação da
Graça, quando todo o norte, quarenta mil homens católicos, diziam, ergueu-se
contra as reformas de Cromwell. Alguns dos líderes foram a Snape armados até ao
pescoço. Houve discussões acaloradas no salão e bastante gritaria, mas ela não
conseguiu captar os pontos principais do que estava sendo dito. Quando viu,
Latymer estava preparando-se para partir, relutante, mas disse a ela que
precisavam de homens como ele para liderá-los. Katherine perguntava-se que tipo
de ameaças haviam feito, pois Latymer não era facilmente coagido, embora
achasse a causa deles justificada, pois os mosteiros estavam sendo
arrasados, os monges eram enforcados em árvores e um modo de vida era destruído,
sem esquecer a amada rainha, jogada de lado, e a garota Boleyn que manipulava o
grande rei como um brinquedo. Foi assim que Latymer descreveu a revolta. Mas
pegar em armas contra o rei, aquele não era o marido que ela conhecia.
Você nunca falou a respeito, diz
Anne. Do levante, quero dizer. Do que aconteceu em Snape. É algo que preferiria
esquecer, diz Katherine, encerrando a conversa. Uma versão dos acontecimentos
tinha se espalhado pela corte na época. Era de conhecimento geral que, quando o
exército real pôs os rebeldes na defensiva, Latymer partiu para Westminster
para pedir perdão ao rei e os rebeldes acharam que ele tinha mudado de lado,
então mandaram Murgatroy de seus homens fazerem Katherine e Meg de reféns e
saquearem Snape, o que foi uma boa fonte de boatos. Mas nem mesmo sua irmã
sabia sobre o bebé morto, o filho bastardo de Murgatroyd. Nem que ela se
entregara àquele bruto em desespero, o segredo mais sombrio de todos. Salvara
as garotas, mas nunca deixou de imaginar o que Deus pensaria daquilo, pois
adultério não tem perdão de acordo com a Igreja. Katherine perguntou-se muitas
vezes por que é que todos os líderes haviam ido para a forca, incluindo
Murgatroyd, duzentos e cinquenta condenados à morte em nome do rei quando o
levante falhou, e Latymer não.
Talvez ele os tivesse traído de
facto. Murgatroyd certamente presumiu que sim. Ela prefere acreditar que Latymer
fora leal, como ele sustentava, do contrário para que tinha servido tudo
aquilo? Mas Katherine nunca saberia a verdade. Você ouviu alguma coisa, Anne,
sobre Latymer e por que foi perdoado? Houve rumores na corte? Não chegou nada
aos meus ouvidos, irmã, diz Anne, tocando a manga de Katherine, pousando a mão
ali por um instante. Não fique pensando nisso. O passado é passado. Sim. Mas
ela não consegue evitar pensar em como o passado era o presente, como a
podridão numa maçã. Katherine olha para Meg no outro lado da sala, procurando
atentamente a figura do pai na tapeçaria. Ao menos a imagem dele não foi
apagada como a dos outros. Olha de novo para Anne, a doce, leal, descomplicada
Anne. Há algo nela, um frescor, como se tivesse mais vida em si do que pudesse
abrigar.
Katherine
percebe de repente o porquê. Seu coração se entristece e, inclinando-se para a
frente, põe a mão no corpete de Anne e pergunta: está escondendo algo de mim?.
Imagina-se seu sorriso esconde o rompante de ciúme que surge diante da
fertilidade da irmã. Está estampado nela, o rubor e a resplandecência da
gravidez que Katherine quis tanto para si mesma. Anne fica vermelha. Como é que
sabe tudo, Kit? Que notícia maravilhosa. As palavras ficam presas na sua
garganta; a sua viuvez é um facto duro irrefutável, a possibilidade de um bebé
não passa de uma fantasia distante na sua idade; ela não tem nenhum filho,
somente o bebé morto de que nunca se fala. Os seus pensamentos devem ter-se
infiltrado até à superfície, pois Anne põe uma mão reconfortante sobre a sua e
diz: ainda há uma chance irmã. Certamente se casará outra vez. Acho que dois
maridos são o suficiente, responde Katherine, encerrando o assunto com firmeza,
embora complete num sussurro, mas estou feliz por você. Sei que este não será um pequeno católico
com lady Mary como madrinha». In Elizabeth Fremantle, Xeque-mate da Rainha, 2013,
Editora Paralela, Editora Schwarcz, 2016, ISBN 978-858-439-003-8.
Cortesia de
EParalele/ESchwarcz/JDACT