«(…) Anne põe um dedo sobre os
lábios fazendo shhh e as irmãs partilham um sorriso secreto. Ela estende
a mão para a cruz pendurada no pescoço de Katherine. O crucifixo de diamantes
de mãe, diz, segurando-o sob a luz. Na minha lembrança, era maior. Que era
menor. Faz muito tempo que a mãe se foi. Sim, Katherine diz, mas só consegue
pensar por quanto tempo a mãe foi viúva. E essas pérolas, diz Anne, ainda
manuseando o crucifixo, são quase cor-de-rosa. Tinha esquecido. Um dos elos
está solto. Ela chega mais perto. Deixe-me ver se consigo consertar. A ponta da
língua escapa para fora enquanto ela se concentra apertando o elo aberto entre
o polegar e o indicador. Katherine gosta que a irmã esteja perto. Consegue
sentir o seu perfume, doce e reconfortante, como maçãs maduras. Ela vira um
pouco para que Anne alcance melhor o seu pescoço. Na madeira da parede, pode
ver claramente onde rasparam as iniciais CH. Pobre Catherine Howard, a última
rainha. Deviam ser os aposentos dela. É claro, são os melhores do palácio,
depois dos aposentos do rei.
Pronto, diz Anne, soltando o
crucifixo, que caiu de volta sobre o vestido de Katherine. Não ia querer perder
uma das pérolas da mãe. Como foi com a última rainha, Anne? Não falou muito
sobre o assunto. A voz de Katherine reduz-se a um sussurro e os seus dedos
acariciam distraidamente o lugar arranhado no painel. Catherine Howard?, ela
gesticula. Katherine faz que sim. Kit, ela era tão jovem; mais jovem que Meg
até. Ambas olham para Meg, que parece mal ter saído da infância. Não tinha sido
criada para ter uma posição alta. Norfolk arrancou-a dos Howard para servir as suas
próprias necessidades. Seus modos, Kit, não pode imaginar como era grosseira e
fútil. Mas era uma coisinha bonitinha, e o rei ficou completamente
descontrolado diante dos seus… Ela pára, procurando a palavra certa. … Atractivos.
O apetite dela foi a sua ruína.
Por homens?, pergunta Katherine,
baixando ainda mais o sussurro. As irmãs estão bem perto agora e com o rosto
meio virado em direcção à janela, de modo a não serem ouvidas. Quase uma
compulsão. Gostava dela, Anne? Não…, acho que não. Era insuportavelmente
frívola. Mas não teria desejado aquele
destino a ninguém. Ser decapitada daquela forma e tão jovem. Kit,
foi aterrorizador. As suas damas foram questionadas uma a uma. Eu não fazia ideia
do que estava acontecendo. Algumas deviam saber o que ela andava fazendo,
encontrando-se daquele jeito com Culpepper, debaixo do nariz do rei. Ela era só
uma menina. Nunca deveria ter sido posta na cama de um homem velho, rei ou não.
As duas ficam em silêncio por um tempo. Pela janela, Katherine observa um bando
de gansos voando sobre o lago à distância. Quem interrogou você?, pergunta
finalmente. Foi o bispo Gardiner. Teve medo? Fiquei petrificada, Kit. Ele é um
sujeito maldoso. Não é um homem para ser contrariado. Uma vez vi-o deslocar o
dedo de um garoto do coral por errar uma nota. Eu não sabia de nada, então não
havia muito que pudesse fazer comigo. Mas todas nos lembrávamos da história da
garota Boleyn. É claro, Anne Boleyn. Foi a mesma coisa. Exactamente a mesma
coisa. O rei afastou-se, recusou-se a ver Catherine, como fez com Anne. A pobre
garota ficou louca de medo. Correu gritando pela galeria só de camisola. Ainda
me lembro dos gritos. A galeria estava cheia de gente, mas ninguém sequer olhou
para ela, nem mesmo o seu tio Norfolk. Consegue imaginar? Ela olha para o vestido,
puxando um fio solto. Graças aos céus não fui escolhida para servi-la na Torre.
Não acho que teria aguentado, Kit. Estar ali, vê-la subir no patíbulo. Soltar a
touca. Tirar os adereços do pescoço. Ela estremece. Pobre criança, murmura
Katherine. E dizem por aí que o rei está em busca de uma sexta esposa. De quem
estão falando? Os rumores variam, como sempre. Toda a mulher não casada teve o
nome cogitado, até a Kit.
Absurdo, balbucia Katherine. É em
Anne Bassett que as pessoas estão apostando, continua Anne. Mas ela é só uma
menina, mais jovem ainda que a última. Não consigo imaginá-lo casando com outra
jovem assim. Catherine Howard abalou-o profundamente. Mas a família da pequena
Anne está promovendo a garota mesmo assim. Ela tem um guarda-roupa novo
completo para exibir. Este lugar, diz Katherine com um suspiro. Sabia que Will
sugeriu um casamento entre Meg e aquele Seymour? Não me surpreende nem um
pouco. Anne revira os olhos. São unha e carne, aqueles dois. Não vai acontecer,
dispara Katherine. Então não cedeu aos encantos do galanteador do palácio? Nem
um pouco. Achei-o… Ela não consegue encontrar as palavras, está distraída pelo
facto de Seymour ter rondado a sua mente na última hora. Ah, sabe.
Estas
aqui não concordariam, diz Anne, acenando em direcção ao grupo de damas mais
jovens espalhadas diante da lareira, conversando e fingindo costurar. Precisa
ver como elas flutuam quando ele passa, como borboletas numa rede. Katherine dá
de ombros, dizendo a si mesma que não é uma daquelas borboletas. Ele nunca se
casou? Deve ter quantos anos, vinte e nove? Trinta e quatro! Não aparenta a
idade que tem, ela diz, surpresa. Mas a ideia que domina a sua mente é que
Thomas Seymour é mais velho que ela. Não aparenta, de facto… Anne faz uma
pausa, depois completa: acho que me lembro de boatos sobre ele e a duquesa de
Richmond uma vez. Quem, Mary Howard?, pergunta Katherine. Pensei que os Howard
e os Seymour fossem… Pouco amigáveis… sim, é provavelmente por isso que nunca
deu em nada. Pessoalmente, acho que ele está em busca de uma esposa ainda mais
ilustre». In Elizabeth Fremantle, Xeque-mate da Rainha, 2013, Editora Paralela,
Editora Schwarcz, 2016, ISBN 978-858-439-003-8.
Cortesia de
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