segunda-feira, 13 de agosto de 2018

As Três Sereias. Irving Wallace. «Compreendi então que isto é coisa típica na senhora, que as percepções, optimismo, persistência da Dra Hayden constituem algumas das características da sua famosa personalidade»

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«(…) Cara Dra Hayden
Estou certo de que esta carta constituirá para a senhora uma surpresa. Confio, no entanto, em que tenha a bondade de se recordar de mim. Tive a grande honra de a conhecer, e o seu ilustre marido, há cerca de dez anos, quando passaram alguns dias em Papeete, vindos das ilhas Fidji, em viagem para a Califórnia. Espero que se lembrará da sua visita à minha loja de objectos da Polinésia, na Rue Jeanne d'Arc, onde teve a generosidade de me felicitar pela minha colecção de peças arqueológicas primitivas. Constituiu também para mim um memorável momento ter sido convidado para jantar com a senhora e seu marido.
Embora me encontre afastado dos principais interesses da minha vida, tenho conseguido manter-me em contacto com o mundo exterior, e isto devido ao facto de assinar diversos jornais de arqueologia e antropologia e também o Der Spiegel, de Hamburgo. Assim, chegam até mim, de tempos a tempos, pormenores acerca das suas actividades, que acolho com orgulho, devo admitir. Também, nos últimos tempos, adquiri alguns dos seus primeiros livros, publicados em edições brochuras, mais acessíveis, que li com extraordinário interesse. Verdadeiramente, acredito, e não apenas eu, que o seu distinto marido e a senhora prestaram a maior das contribuições à etnologia dos nossos dias. Portanto, foi com grande consternação que li, há três ou quatro anos, creio, no nosso semanário local, Les Débats, a notícia da morte do Dr. Hayden. A profunda comoção que me causou tal ocorrência não me permitiu escrever nessa altura, mas agora que os anos passaram apresento-lhe as minhas mais sinceras condolências. Espero que tenha resistido, com ânimo, face à dor motivada por tão grande perda, e se encontre agora já resignada e de boa saúde, dedicando-se de novo ao ensino, escrevendo e viajando, como sempre.
Deus queira que esta carta chegue às suas mãos, pois possuo apenas o seu cartão com este endereço; porém, se tiver mudado de residência, estou certo de que os correios a localizarão, uma vez que se trata de uma pessoa de grande renome. A razão pela qual afirmo Deus queira que esta carta chegue às suas mãos deve-se ao facto de sentir que o seu conteúdo subsequente poderá interessá-la vivamente e ter enorme influência no decurso do seu trabalho. Antes de a informar sobre a notável curiosidade que chegou ao meu conhecimento, será necessário avivar-lhe a memória, se for caso disso, acerca de uma parte da nossa conversa de há dez anos. Foi depois do jantar em Papeete, quando tomávamos os licores, que a senhora e o seu querido esposo me felicitaram pelas pequenas histórias e anedotas que lhes contei.
Bebemos em silêncio durante alguns minutos, e em seguida disse-me o seguinte (baseio a minha recordação das suas palavras não numa memória prodigiosa mas numa passagem de um diário que tenho conservado fielmente durante todos estes anos): Professor Easterday: a nossa viagem a Fidji, as nossas excursões ocasionais através da Melanésia e as nossas breves visitas às ilhas de Tonga, Cook, Marquesas e aqui a Taiti têm sido tão produtivas e estimulantes que o meu marido e eu sentimos que devemos voltar. Desejávamos voltar à Polinésia, especificamente à Polinésia, num futuro próximo. Porém, deve haver uma razão, um objectivo para tal visita. É aqui que nos pode ser útil, professor Easterday. Fazemos-lhe este pedido: se alguma vez tomar conhecimento de que um povo da Polinésia, de um atol desconhecido, mantém a sua cultura incontaminada por contactos exteriores e não submetida ainda à observação científica, desejaria que não se esquecesse de nos comunicar imediatamente essa descoberta. Se esse povo e o seu atol merecerem um estudo in loco, se nos puderem revelar alguma coisa acerca do comportamento humano, empreenderemos uma investigação.
Ao ouvir isto, Dra Hayden, senti-me impressionado pela fé que depositava em mim. Ao mesmo tempo, se se recorda, tive de admitir que duvidava de poder ajudá-la no seu trabalho. Afirmei que, pio que sabia, não existiam quaisquer ilhas importantes, isto é, ilhas povoadas, que não fossem já conhecidas, tivessem sido cartografadas, visitadas, submetidas a investigação. Afirmei, com toda a franqueza, que os exploradores, missionários, pescadores de baleias, mercadores, e desde então os militares, os turistas, os desocupados, os antropólogos, tinham visto tudo o que havia para ver nesta parte do mundo, e que era provável que não existisse já por aqui qualquer coisa de novo e virgem. Apesar da minha firme declaração, se bem me lembro, a senhora não se mostrou desencorajada. Compreendi então que isto é coisa típica na senhora, que as percepções, optimismo, persistência da Dra Hayden constituem algumas das características da sua famosa personalidade».
[…]
In Irving Wallace, As Três Sereias, Livros do Brasil, coleção Dois Mundos, 2000, ISBN: 978-972-381-025-7.

Cortesia de LBrasil/DMundos/JDACT