segunda-feira, 13 de agosto de 2018

Os Sete Minutos. Irving Walace. «O livro nem sequer estará à venda oficialmente antes da semana que vem. Nós recebemos as nossas encomendas aqui na Costa mais cedo e, por isso, tivemos de abrir os caixotes»

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«(…) Leitores esclarecidos, quer dizer. Exactamente. Que estão a lixar-se para a imoralidade se no fim for boa leitura que lhes dê novos esclarecimentos e compreensão da natureza humana. E este livro dá?, perguntou Kellog. Sem dúvida nenhuma. Apesar dessas proibições? O que é que ele tem? Quero dizer, de que se trata? Simples, simplíssimo, como toda a grande arte, respondeu Fremont. Uma garota, uma moça, deitada na cama, pensando no amor. Em resumo é isto. Tanta celeuma só por causa disso?, estranhou Kellog. Já estava quase a interessar-me, mas explicado desse modo... parece bem chato. Chato? Espere aí, ouça o resto. Eu disse que ela está deitada na cama, lógico, mas enquanto fica deitada está a copular, a copular mesmo. E durante o tempo todo ela fica deitada de costas, a pensar, e Jadway mostra à gente o que se passa na ideia dela a respeito do que lhe está a acontecer lá por baixo, e o que ela pensa dos outros homens que teve ou gostaria de ter tido. O modo de descrever..., já dá para deixar a gente maluco. Kellog sorriu. Agora melhorou muito. Parece mais plausível. E o senhor acha que é o tipo de coisa que minha mulher vai gostar? Fremont retribuiu o sorriso. Ela nem vai ter tempo de se lembrar da pedra nos rins. Qual é o preço? Seis dólares e noventa e cinco cêntimos. Apre, é caro como burro. Um livrinho tão fino. A dinamite também se vende em pequenas embalagens, replicou Fremont. Isto aqui é dinamite, garantido. O livro nem sequer estará à venda oficialmente antes da semana que vem. Nós recebemos as nossas encomendas aqui na Costa mais cedo e, por isso, tivemos de abrir os caixotes e expor logo os exemplares, devido à enorme procura depois do anúncio antecipado. Jadway já encabeça a nossa lista de mais vendidos.
Pode embrulhar. O senhor convenceu-me. Kellog puxou a carteira. Tem troco para dez? Sem dúvida. Kellog ficou aguardando enquanto Ben Fremont registrava na caixa, lhe dava o troco e colocava a nota e o exemplar de Os Sete Minutos num saco de papel listrado. Desculpe a maçada, disse Kellog. Fremont sorriu, entregando-lhe o saco listrado por cima do balcão. Gosto de compradores exigentes. E aprecio uma boa discussão. É bom para manter a forma. E não se preocupe com o livro. Vai até ajudar a convalescença de sua esposa, pode crer. Passe bem. No momento em que se viu de novo na calçada, Kellog meteu a mão no casaco desportivo e desligou o botão da caixa debaixo do braço. Dirigiu-se rapidamente ao Ford coupê que o esperava, levantando ao mesmo tempo o saco de papel listrado acima da cabeça. Ike Iverson saltou imediatamente do carro, com um saco semelhante e apressou o passo para se encontrarem diante da joalharia. Como se saiu Eubank no banco de trás?, perguntou Kellog. O som estava perfeitamente nítido, respondeu Iverson. Safa, como se demorou lá dentro! Estas conversas literárias não são sopa, explicou Kellog, piscando o olho e sacudindo a compra. Mas está no papo. Duncan vai ficar contente. Bom. Convém a gente comparar depressa. Kellog tirou o seu exemplar de Os Sete Minutos do saco listrado. Abriu o livro, achou o papel solto nas primeiras páginas, apoiou a caneta e assinou-o cuidadosamente com as suas iniciais e a data. Quando terminou, Iverson estava a seu lado, segurando também um exemplar de Os Sete Minutos.
Pronto? Então acabemos já com isto, disse Iverson. Capa e título conferem, certo? Certo. Mesmo editor, data de publicação, direitos reservados, certo? Certo. Mesmo número de páginas impressas, certo? Exactamente, certo. Vamos comparar os trechos marcados no meu livro com as mesmas páginas do volume que acaba de comprar. Está bem, concordou Kellog. Em poucos instantes, os dois compararam meia dúzia de páginas. Os mesmos, concluiu Iverson. Bem, Otto, os livros são idênticos, confere? Confere. Acho melhor a gente fazer outra visita a Mr. Fremont. Pois é, disse Kellog, guardando de novo o exemplar no saco. Otto, não se esqueça de ligar o aparelho. Kellog pôs a mão por dentro do casaco desportivo, apalpou o microfone do gravador portátil Fargo F-600 e comprimiu o botão. Já liguei. Em passo animado e certo, voltaram ao Empório de Livros Fremont e entraram na loja. Já no interior da livraria, Kellog viu que Ben Fremont continuava atrás do balcão, ao lado da registadora, ocupado em despejar uma coca-cola num copo grande de papel. Kellog tomou a dianteira, com Iverson no seu encalço. Fremont acabava de aproximar o refrigerante dos lábios quando reconheceu Kellog. Oh!, olá, de novo por aqui... Mr. Fremont, disse Kellog…, o senhor é Ben Fremont, proprietário do Empório de Livros Fremont não é? Como assim? Claro que sou. O senhor bem sabe. Mr. Fremont, nós temos de nos apresentar oficialmente. Eu sou o sargento Kellog, funcionário do Departamento de Costumes da Esquadra Municipal de Los Angeles, mostrou o emblema e depois guardou-o no bolso. O meu colega aqui é o agente Iverson, também do Departamento de Costumes da mesma Esquadra. O livreiro parecia atónito. Eu..., eu não entendo, disse, deixando cair o copo e derramando a coca-cola no balcão. Que aconteceu com...?» In Irving Walace, Os sete Minutos, 1969, Livros do Brasil, colecção Dois Mundos, 1988, ISBN 978-972-380-948-0.

Cortesia de LBrasil/JDACT