«(…) Não sou rico. Investi tudo o
que tinha na clínica de Tucson. Não haverá grande problema, basta contratar um
corrector para oferecê-la no mercado. É uma propriedade valiosa. Tenho a certeza
de que poderia vendê-la rápido e conseguir dinheiro suficiente para instalar
outra clínica no sul da Califórnia. Freeberg tornou a engolir em seco, nervosamente.
Mas preciso da sua ajuda. E pagarei pelo seu tempo, é claro. Pare com isso,
Arnie, protestou Kile, simulando contrariedade. É uma questão de amizade.
Afinal, para que servem os amigos? Vamos fazer uma coisa. Se algum dia eu me descobrir
numa situação crítica..., se não conseguir levantar, por exemplo..., pode
retribuir com os seus serviços, emprestando-me uma das suas suplentes sexuais.
Negócio fechado. O que quer que eu faça? Preciso que me arrume um bom lugar em
Los Angeles ou arredores. Um prédio que eu tenha condições de comprar e possa
reformar para servir como uma clínica. Eu lhe mandarei todos os detalhes amanhã,
junto com fotografias do prédio de dois andares que estou ocupando agora. E
também informarei, em números exactos, quanto posso pagar.
Não precisa preocupar-se mais.
Começarei a fazer algumas indagações imediatamente. E assim que tiver as suas
especificações e limitações..., terá de me dar duas semanas depois disso, Arnie.
Telefonarei logo que descobrir alguma coisa para ver. Até lá, dê minhas lembranças
a Miriam e diga a Jonny que estou ansioso para conhecê-lo. Será um prazer revê-lo,
Arnie. Freeberg hesitava em desligar. Tem a certeza de que serei bem recebido aí,
Roger? Com as suplentes sexuais e tudo mais? Não se preocupe com isso. Posso
verificar no código penal, mas tenho certeza absoluta de que não é contra a
lei. Esta é a terra da liberdade, Arnie. Isso posso garantir. E agora vamos começar
a providenciar tudo. Tudo deu certo, sem contratempos. Não houve nenhuma
dificuldade. Quatro meses depois, o doutor Arnold Freeberg podia sentar-se
confortavelmente em na sua cadeira giratória de couro, de espaldar alto, por trás
da escrivaninha de carvalho, coberta com
um feltro preto, ouvindo os sons abafados das marteladas que vinham lá de
baixo. Os operários estavam pondo no lugar a placa azul e branca que anunciava,
em letras de forma: CLÍNICA FREEBERG. A placa ficaria acima de duas portas de vidro
que davam para a recepção.
Também naquele dia, no início da
tarde, Freeberg estaria dando instruções a cinco novos suplentes sexuais que
seleccionara para os seis que iria usar. Gostaria que a sexta pessoa, a mais experiente,
a que empregara em Tucson, pudesse estar presente. Gay le Miller concordara em
acompanhá-lo na mudança para a Califórnia, mas só poderia vir dentro de algumas
semanas, assim que se formasse na Universidade do Arizona. Ela pretendia fazer
pós-graduação na Universidade da Califórnia, em Los Angeles, concluindo o mestrado
e o doutoramento em psicologia. A vinda iminente de Gay le Miller proporcionava
maior confiança em Freeberg. Tinha a certeza de que os novos suplentes sexuais
seriam competentes, mas Gay le era muito valiosa, jovem, bonita, atraente, séria
e experiente. Actuara como suplente sexual em todos os cinco casos
bem-sucedidos que ele tratara em Tucson e fora irrepreensível. Todos os homens
problemáticos haviam recebido alta para terem vidas sexuais normais.
Reunindo
distraidamente suas anotações, que escrevera nos últimos dias para não esquecer
os pontos que queria destacar nas primeiras instruções para os novos suplentes
sexuais, Freeberg correu os olhos pelas paredes de sua sala espaçosa. Ainda se
podia sentir o cheiro forte da tinta fresca das paredes. Os lambris de carvalho
eram envernizados. Nas paredes, em molduras de esteira creme, estava pendurada
a impressiva panóplia de ídolos de Freeberg: Sigmund Freud, R. V. Krafft-Ebing,
Havelock Ellis, Theodor H. van de Velde, Marie Stopes, Alfred Kinsey, William Masters
e Virgínia Johnson. Na parede mais próxima havia um espelho ornamentado e o
doutor Arnold Freeberg contemplou o seu reflexo. Timidamente, ele examinou-se,
cabelos pretos abundantes, um tanto desgrenhados, óculos de aros grossos
emoldurando olhos pequenos e míopes, nariz adunco, bigode escuro e cheio, barba
aparada emoldurando os lábios carnudos. Por um instante, sentiu-se embaraçado
na presença dos seus antecessores. Não estava à altura deles. Ainda não, ainda
não. Mas um dia, muito em breve, talvez... Ele acreditava e tentaria». In Irving Wallace, O
Leito Celestial, 1987, Livros do Brasil, colecção Dois Mundos, nº 166, Lisboa,
ISBN 978-972-380-576-5.
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