Feliz
Ano Novo. A juventude sucede ao ano velho…
A
Bárbara escrava
«Aquela
cativa
que
me tem cativo,
porque
nela vivo
já não
quer que viva.
Eu nunca
vi rosa
em suaves
molhos,
que para
meus olhos
fosse
mais formosa.
Nem no
campo flores,
nem no
céu estrelas
me parecem
belas
como
os meus amores.
Rosto
singular
olhos
sossegados,
pretos
e cansados,
mas não
de matar.
Uma graça
viva,
que neles
lhe mora,
para
ser senhora
de
quem é cativa.
Pretos
os cabelos,
onde
o povo vão
perde
opinião
que os
louros são belos.
Pretidão
de Amor,
tão doce
a figura,
que a
neve lhe jura
que trocara
a cor.
Leda
mansidão,
que
o siso acompanha;
bem
parece estranha,
mas bárbara
não.
Presença
serena
que a
tormenta amansa;
nela,
enfim, descansa
toda
a minha pena.
Esta
é a cativa
que
me tem cativo,
e, pois
nela vivo,
é força
que viva».
Luís
de Camões (1524?-1580), Endechas
«…
tenho sono talvez porque toquei onde sinto o animal que abandonei e o sono é
uma lembrança que encontrei…»
«Aquela
nunca vista formosura,
aquela
viva graça e doce riso,
humilde
gravidade e alto aviso,
mais
divina que humana real brandura.
Aquela
alma inocente e sábia e pura
que
entre nós cá fazia um paraíso,
ante
os olhos a trago e lá a diviso
no céu
triunfar da morte e sepultura.
Pois
por quem choro, triste? Por quem chamo
sobre
esta pedra dura a meus gemidos,
que
nem me pode ouvir nem me responde?
Meus
suspiros nos céus sejam ouvidos;
e
enquanto a clara vista se me esconde,
seu despojo
amarei, amei e amo».
António
Ferreira (1528-1569), Soneto
«…
tenho sono talvez porque toquei onde sinto o animal que abandonei e o sono é
uma lembrança que encontrei…»
«De Amor
escrevo, de Amor falo e canto;
e se
minha voz fosse igual ao que amo,
esperara
eu sentir na que em vão chamo
piedade,
e na gente dor e espanto.
Mas não
há pena, ou língua, ou voz, ou canto
que mostre
o amor por que eu tudo desamo,
nem o
vivo fogo em que me sempre inflamo,
nem
de meus olhos o contínuo pranto.
Assim
me vou morrendo, sem ser crida
a causa
por que em vão mouro contente,
nem sei
se isto que passo é vida ou morte.
Mas inda
da que eu amo fosse ouvida
e crida
minha voz. e da vã gente
nunca
entendida fosse minha sorte».
Pêro
Andrade Caminha (152?-1589), Soneto
«… só
um crepúsculo do mundo deixe chegar à sonolência que se sente; e a alma se
desfaça como um peixe atado pelos dedos de um demente…»
«Tão
alto me alevanta a fantasia
ajudada
a esperança do desejo,
que a
vista perco já, donde me vejo,
daquele
estado vil, em que me via.
Mas pretende
da inveja a vã porfia
a luz
escurecer, por que me rejo,
e derribar
com seu rigor sobejo
de tão
alto lugar minha ousadia.
Mas
vós, senhora, pois que meu cuidado
está
seguro em vós, com segurança
lhe deveis
sustentar seu alto assento
e se
haveis, que merece castigado:
a pena
é minha, e a culpa da esperança
que as
asas empenou ao pensamento».
Fernão
Álvares Oriente (1540-1600), Soneto
«… só
um crepúsculo do mundo deixe chegar à sonolência que se sente; e a alma se
desfaça como um peixe atado pelos dedos de um demente…»
Crisfal
«Antre
Sintra, a mui prezada,
e
serra de Ribatejo
que Arrábida
é chamada,
perto
donde o rio Tejo
se mete
n’água salgada,
houve
um pastor e pastora,
que com
tanto amor se amaram
como
males lhe causaram
este
bem, que nunca fora,
pois
foi o que não cuidaram.
A ela
chamavam Maria
e ao
pastor Crisfal,
ao qual,
de dia em dia,
o
bem se tornou em mal,
que ele
tão mal merecia.
Sendo
de pouca idade,
não se
ver tanto sentiam
que o
dia que não se viam,
se via
na saudade
o que
ambos se queriam.
Algumas
horas falavam,
andando
o gado pascendo;
e
então se apascentavam
os olhos,
que, em se vendo,
mais
famintos lhe ficavam.
E com
quanto era Maria
pequena
e, tinha cuidado
de guardar
melhor o gado
o que
lhe Crisfal dizia;
mas,
em fim, foi mal guardado;
Que,
depois de assim viver
nesta
vida e neste amor,
depois
de alcançado ter
maior
bem para maior dor,
em fim
se houve de saber
por Joana,
outra pastora,
que a
Crisfal queria bem;
(mas
o bem que de tal vem
não ser
bem maior bem fora,
por não
ser mal a ninguém).
[…]
Cristóvão
Falcão (1515-?), Crisfal
«…
não sei o que fiz da vida, nem o quero saber; se a tenho por perdida, sei eu o
que é perder? Mas tudo é música se há alma onde a alma está, e há um vago,
suave, sono, um sono morno de agrado, quando regresso, dono, aos jardins do
passado…»
JDACT
ISBN
978-972-201-944-6