jdact
Periclitam os grilos
«Periclitam os grilos:
a noite é nada.
Quem tem filhos tem cadilhos.
(Que quadra tão bem rimada!)
Não espere, leitor, que eu diga:
debaixo daquela arcada…
Não venho fazer intriga:
versejo só, e mais nada.
Assim o terceiro verso
desta tirada
(reparou que é um provérbio?)
não significa mais nada.
Se a noite é nada e os grilos
não estão de asa parada,
não vou puxar, só por isso,
o fio da meada,
leitor que me pede a história
que já traz engatinhada,
leitor que não se habitua
a que não aconteça nada
em poesia que comece
como esta foi começada
e acabe como esta
vai ser agora acabada…»
Zibaldone
«Povo marinheiro,
povo camponês,
um povo inteiro
à espera de vez.
Irene! Irene!
Sirva o leite-creme!
Não sei para onde
fugiu a sardinha.
Teu peito que esconde,
ó Mariazinha?
Irene! Irene!
Sirva o leite-creme!
Minha preguiceira,
ó santo aconchego!
Dormir como um prego
dorme na madeira…
Irene! Irene!
Sirva o leite-creme!
Recessos da alma,
ressessos estão…
Só quem fala, fala!
Quem se cala, não…
Irene! Irene!
Sirva o leite-creme!
Um, dois, três! Meu velho
mostra como é,
obriga o joelho
a dobrar de fé.
Irene! Irene!
Sirva o leite-creme!
Um deus-calçadeira,
portátil, de bolso,
ou a vida inteira
contra-reembolso?
Irene! Irene!
Sirva o leite-creme!
Para abrir, carregue
onde lhe pareça.
Tome uma colher
e morra depressa.
Irene! Irene!
Sirva o leite-creme!
Ó Zélia-só-corpo,
história de cordel,
a carne de porco
faz-te mal à pele.
Irene! Ó Irene!
Então esse leite-creme!»
Poemas de Alexandre O’Neill, in ‘Poesias Completas, 1951 / 1986’
JDACT