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e wikipedia
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Do primeiro grupo de análises indicado, aquele que metaforiza o Império Romano
como um grande ser vivo, tornou-se célebre e emblemática a frase do historiador
Piganiol, que costumava afirmar que a civilização romana não morreu de morte
natural; foi assassinada. A grande crise económica, política e militar do
século III, marcada por intensas guerras civis, para Piganiol teria dado origem
a uma nova concepção de poder imperial que se consolidaria no futuro Império
Bizantino. A parte ocidental, contudo, não teria resistido aos avanços bárbaros,
para utilizar esta expressão do próprio historiador, de modo que aqui a
explicação da queda do Império é direccionada para os factores externos. Nesta
mesma esteira, Arther Ferril (1989) defende a ideia de que o grande marco da
queda seria o ano 476, por ocasião da deposição de Rómulo Augusto, o último
imperador romano do Ocidente, por Odoacro, o que teria contribuído
decisivamente para destruição do poderio militar romano. Guardemos esta
primeira posição: ela nos revela o olhar do corte que vem de fora, da ruptura
mais imediata. Outras
datas importantes para este tipo de leitura da passagem que privilegia os
eventos bélicos podem ser buscadas nos momentos emblemáticos em que povos não
latinos saqueiam Roma, berço e símbolo máximo do poderio do Império Romano.
Neste sentido, o saque de Roma pelos visigodos sob o comando de Alarico, em 410
d.C., vivido de maneira particularmente traumática pelos habitantes de Roma e
de modo mais geral pelos cidadãos do Império nas diversas províncias, bem como
o saque de Roma pelos vândalos em 455 d.C., parecem prenunciar de uma certa óptica
este acontecimento aparentemente mais definitivo que é a deposição de Rómulo
Augusto por Odoacro, rei dos hérulos, em 476 d.C.. Para a imagem, hoje bastante
questionada, da Roma assassinada pelos bárbaros, os saques visigodo e vândalo
parecem funcionar como duas facadas iniciais, e de facto pode-se dizer que de
algum modo estes acontecimentos contribuíram significativamente para ferir
irremediavelmente, no âmbito simbólico, a ideia de uma Roma inexpugnável. Mas daí
a situar acontecimentos como estes na centralidade de um processo que por
suposto teria conduzido abruptamente ao desaparecimento do mundo romano vai uma
distância maior, e, em vista de um posicionamento crítico em relação à
centralidade dos acontecimentos militares que teriam promovido todo um fim de
uma época, surgiram concomitantemente novas interpretações, conforme veremos
mais adiante. Por
ora, vale lembrar ainda que mesmo a leitura do assassinato do Império Romano
permite-se a examinar este que seria o fatídico momento ou o processo do assassinato,
se assim podemos dizer, de modo bem mais complexo, e neste caso o acontecimento
das invasões bárbaras pode ser lido não necessariamente como um saque em
destaque ou uma invasão específica, mas sim como todo um conjunto de
acontecimentos relacionados às invasões ou migrações germânicas. Neste sentido,
fariam parte de um mesmo acontecimento-pacote, entre outros itens, os
confrontos que se dão entre povos germânicos e romanos a partir do século III
d.C., bem como eventos mais específicos, como o facto de que os godos já tinham
aniquilado legiões romanas em Adrianópolis em 378 d.C., os saques visigodo de
410 d.C.. e vândalo de 455 d.C., fechando-se o pacote, finalmente, com a
deposição de Rómulo Augusto em 476 d.C. Estes, naturalmente, são apenas alguns
exemplos, e o acontecimento-pacote ao qual nos referimos engloba certamente
muito mais eventos, alguns que possivelmente sequer passaram à história registada,
mas que devem ter trazido a sua contribuição atomizada para o resultado geral
que em um tempo relativamente curto mudou a face da história do mundo antigo». In
José D’Assunção Barros, Papas, Imperadores e Hereges na Idade Média, Editora
Vozes, 2012, ISBN 978-853-264-454-1.