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«O valor das coisas não está no tempo que
elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso existem momentos
inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis». In Fernando
Pessoa
«(…)
Mas além de mensurável e real, o medo é irracional. Uma espécie de monstro adormecido,
que pode ser acordado inadvertidamente por qualquer fenómeno incompreensível e adensado
pelo turbilhão complexo que é a mente humana em uso da imaginação. Por causa destas
características intrínsecas ao próprio medo, é fácil perceber porque é que a história
de Portugal e das suas gentes é também feita de medos que perduram até aos dias
de hoje. Uma vez, até se falou num monstro que habitaria as profundezas das
águas da lagoa Escura, na serra da Estrela! Houve aldeias no Norte banidas do mapa
por pragas de bichos e epidemias desconhecidas, passagens de corpos celestes que
fizeram o povo temer o fim do Mundo, terras onde nada mais cresceu e transformaram-se
em campos de fome e tantas e tão estranhas bizarras coincidências que até em
Oeiras se temiam as engrenagens de um relógio!
O medo
do desconhecido é quase uma reminiscência ancestral. Desde que o mundo é mundo,
a Humanidade sempre temeu o que não domina, o que não consegue apreender nem explicar.
E esses medos podem tornar-se barreiras intransponíveis na vida das pessoas e das
comunidades, reconhece o especialista. Ou marcá-las para sempre. Mesmo quando há
uma explicação científica, esta nem sempre é credível junto das comunidades ou
tarda muito em chegar. E em abono da verdade, na maior parte dos medos as explicações
podem nem sequer ter nada que ver com a sua verdadeira razão. Por se saber que um
rato é inofensivo não se elimina o medo que pode provocar e o mesmo acontece, por
exemplo, com as aves. O medo continua irracional, mesmo quando se conhecem os seus
motivos. O medo do sobrenatural, ou melhor, do que não se conhece, obedece às mesmas
regras. O que explica isto são motivos evolutivos ou filogenéticos. O medo é o nosso
alarme natural, temos medo daquilo que ameaça a espécie humana, explica Batista,
com palavras que encontram eco em muitas das histórias que se contam.
Casos
assim, inexplicáveis, transformam-se facilmente em mitos e misturam-se com referências
ao sobrenatural ou ao divino. Noutros casos, a alusão ao sobrenatural serve
apenas para explicar o próprio medo, não sendo a sua causa mas, pelo contrário,
o remédio, ainda que imprevidente, que o tenta apaziguar. A explicação do
desconhecido por um agente sobrenatural é a explicação mais fácil e por vezes a
única possível. Tempos houve em que as explicações sobrenaturais aplicaram-se a
tudo e não apenas àquilo que metia medo!. ilustra o psicoterapeuta. Que o medo
andou sempre de mãos dadas com a ignorância e a dúvida razoável, todos sabemos.
Mas sabendo-o, esquecemo-lo, sobretudo quando estamos cara a cara com ele! O coração
salta do peito, a racionalidade fica de parte e vence a precaução. Depois, mais
tarde talvez no recato de casa ou entre amigos. a maioria jura a pés juntos que
não acredita, mas, pelo sim, pelo não, decide não passar nem perto de certos
lugares deste Portugal assustador...» In Vanessa Fidalgo, 101 lugares para ter
medo em Portugal, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2013, ISBN 978-989-626-467-3.
Cortesia
de AEdosLivros/JDACT