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Eles próprios ficam agora surpreendidos com os encantos e o poder de sugestão
que as suas histórias tiveram outrora. Um certo embaraço tolhe agora dona Adelina,
uma simpática e muito lúcida octogenária que tive a felicidade de conhecer e que
me recebeu com um carinho incomparável na soleira da sua casa, na freguesia da
Bemposta, perto de Abrantes. De carrapito branco e olhos doces, dona Adelina não
se fez rogada a uma boa conversa. Cada palavra foi puxando outra palavra, num
diálogo adoçado pelo bolo quentinho que fizera questão de pôr a crescer no
forno para receber os forasteiros. E assim, dona Adelina, que é a única do seu tempo
que por ali ainda está lúcida e de boa saúde para tais conversas, lá foi desfiando
um rol de histórias sobre procissões de fantasmas que outrora varriam a rua da
Assaquia, mas também o fado de um maléfico lobisomem que antigamente corria as ruas
pela noite, estragava o pão que cozia de madrugada nos fornos e, claro está, tinha
o condão de a assustar nos dias idos da infância. Um lobisomem que assim sobreviveu
até aos dias de hoje e cujo rasto deambula agora pelas páginas que se seguem. Mas
nos dias de hoje, até dona Adelina coça o queixo e pousa os olhos no horizonte,
pensativa quando reflecte sobre a inverosimilhança das suas histórias,
reconhecendo a insensatez da credulidade que na juventude lhe devotara: eram coisas
que se diziam e contavam naqueles tempos. Naquela altura era tudo assim..., muito
misterioso. Devia ser por causa do escuro. Só havia velas à noite! Contava-se e
as pessoas acreditavam, claro está. E ri-se, levando as mãos à faca para cortar
e oferecer outra fatia de bolo de cenoura, tão generosa quanto as palavras que partilha
com os forasteiros sem esperar nada em troca. Mas estarão as lendas encerradas apenas
nas aldeias e na memória dos nossos anciãos? É claro que não, e uma breve
viagem pela internet espelha o quanto estas narrativas fascinam gente de todas as
idades e eras tecnológicas. É por isso que neste livro há histórias dos avós, mas
também dos seus netos, que as partilham em sítios específicos, como redes
sociais próprias. Em Portugal, o Forum Portugal Paranormal é um bom exemplo disso,
e os seus utilizadores foram, neste livro, os principais narradores vivos que encontrei
entre as gerações mais jovens, os quais conseguiram surpreender-me ao
brindarem-me com incríveis relatos inéditos.
Pena
é que nem todos tenham acedido a revelar a sua verdadeira identidade,
preferindo que as suas narrações se mantivessem identificáveis pelos seus nicknames. A par com a identificação dos
interlocutores entrevistados para este livro, segue-se, em primeiro lugar, a indicação
do local de recolha e, finalmente, da localidade a que se refere a história, sempre
que foi possível apurar. Através desta pesquisa, foi-me ainda revelada uma característica
bastante interessante da actual situação do nosso património lendário: se, por
um lado, as lendas quase desapareceram na oralidade, por outro, passaram a ser
contadas de outra forma e por outros meios, aqueles que a era digital nos trouxe
para partilhar tudo e mais alguma coisa. E embora a maioria de nós insista em não
acreditar em lendas e contos de fadas, as narrativas fantásticas não deixam de ter
um papel de extrema importância também nos nossos dias, que está sobejamente teorizado.
Wolfganag Mieder, professor de Filologia Alemã e Folclore na universidade de Vermont
e vencedor do Prémio Europeu de Contos de Fadas em 2012, pesquisa há mais de 40
anos sobre esta temática.
Diz
Mieder que, embora aconteça amiúde as narrativas antigas serem adaptadas ao momento
presente, mantêm geralmente o seu cerne original. A oposição entre o bem e o
mal está sempre presente, atormentando as escolhas do homem desde que o Mundo é
Mundo: são os finais didácticos. É claro que eles contêm sempre algo do mal, mas
a beleza das histórias está na ideia de que há sempre uma certa justiça e que o
bem acaba por vencer». In Vanessa Fidalgo, Histórias de um Portugal
Assombrado, 2012, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2012, ISBN 978-989-626-371-3.
Cortesia de
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