quarta-feira, 2 de novembro de 2016

Tópicos para a História da Civilização. Ideias no Gharb al-Ândalus. António B. Coelho. «No Regime do Solitário analisa a constituição das sociedades, a conduta social do homem e os meios para conseguir alcançar o seu fim supremo»

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Filósofos Orientais
«(…) O amor udri é o que buscamos mas não alcançamos como o da escrava que desapareceu na Porta dos Dragoeiros e o apaixonado todos os dias procura em vão. Vejo a sua casa a todas as horas e momentos mas quem nela vive está oculta para mim. E de que me serve estar à volta da casa se há um espia que observa a minha visita a todos os moradores? Ai de mim! Ouço o ruído do vizinho e sem embargo sei que para mim a China está mais próxima. Sou como o sedento que vê a água no poço e não tem maneira de a tirar. O amor transforma o amador num pastor de estrelas e planetas: Pastor sou de estrelas como se tivera a meu cargo apascentar todos os astros fixos e planetas. As estrelas na noite são o símbolo dos fogos de amor acesos nas trevas da minha mente. Parece que sou o guarda deste jardim verde escuro do firmamento cujas altas ervas estão bordadas de narcisos. Se Ptolomeu vivesse, reconheceria que sou o mais douto dos homens a espiar o curso dos astros.
De família originária de Beja, foi como Ibn Bayya, filho do Bejense, que ficou conhecido. Os latinos transformaram o Ibn Bayya em Avempace. Com Ibn Tufayl e Averrois constitui a trindade maior dos filósofos do Andaluz. Viveu um tempo agitado com o Islão peninsular apertado externamente pelas tropas cristãs e internamente sujeito ao domínio almorávida. Abandonou Saragoça, dois anos antes de Afonso I o Batalhador conquistar a cidade. Viveu em Almeria, Granada, Sevilha onde conheceu o cárcere. Passou a África e morreu em Fez, possivelmente envenenado por literatos e médicos da cidade com quem polemizara. Dominou a medicina, a matemática, a astronomia. Escreveu comentários sobre alguns tratados de Aristóteles referentes ao mundo físico e animal e comentários sobre os Elementos de Euclides e os Aforismos de Hipócrates. Conheceu a Metafisica, a Ética Nicomaqueia e o De Anima. Introduziu na península a filosofia de Al-Farabí sobre quem escreve Notas sobre o Livro das Categorias de Alfarabí. As obras mais importantes de Avempace são o Tratado sobre a União do Intelecto com o Homem, o Regime do Solitário e a Carta de Adeus.
O intelecto pode alcançar a verdade por si mesmo sem o concurso da revelação divina. Mas o conhecimento da verdade não é igual em todos os homens. Usando a alegoria platónica da caverna, considera que o conhecimento dos homens comuns é semelhante à ideia que fazem da realidade exterior os humanos colocados no fundo da caverna; o saber dos homens de ciência seria o dos homens situados à entrada; e a sabedoria própria dos sábios seria a dos que podem contemplar o sol cara a cara e ser transformados pela sua luz. No Regime do Solitário analisa a constituição das sociedades, a conduta social do homem e os meios para conseguir alcançar o seu fim supremo. As sociedades humanas não são perfeitas, daí a necessidade de encontrar a comunidade ideal. Esta deve ser constituída pelos homens modelo ou solitários que aspiram à perfeição. Mas esta minoria de solitários tem de viver na sociedade imperfeita, misturada com o comum dos cidadãos. Só em sociedade o homem é capaz de alcançar a perfeição e felicidade pessoal. E é na perfeição dos solitários que habita a esperança de uma possível transformação da sociedade imperfeita em perfeita.
Solitário é todo aquele que regula a sua vida pelo mais alto grau do saber que é o entendimento especulativo e se sente cidadão da sociedade ideal, muito embora viva numa sociedade imperfeita. Não deve isolar-se dela porquanto o homem é um ser social por natureza. A sociedade modelo, que não pode identificar-se com nenhuma das comunidades políticas concretas e históricas, não é concebida como simples ficção. Deve realizar-se neste mundo para que nele todos os cidadãos possam viver de acordo com as normas da razão». In António Borges Coelho, Tópicos para a História da Civilização e das Ideias no Gharb al-Ândalus, Instituto Camões, Colecção Lazúli, 1999, IAG-Artes Gráficas, ISBN 972-566-205-9.

Cortesia de I.Camões/JDACT