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Heróis ou Anti-Heróis?
A Governação dos Áustrias em
Portugal
«(…) Esforçou-se a
instituição inquisitorial por afirmar o seu poder e prestígio, indispensáveis à
sua conservação, manutenção e alargamento, face às outras instituições,
sobretudo à Coroa, apesar do significativo papel interventivo do poder régio no
estabelecimento da Inquisição (maldita).
Nesta luta, não raras vezes, os objectivos de ambos os poderes, entraram em
choque como se verificou logo em finais da década de quarenta, momento em que a
instituição dava já sinais de pretender criar uma certa autonomia de estratégia
em relação ao poder real. Os cristãos-novos foram a razão deste primeiro
confronto, que se haveria de repetir ao longo da história do Tribunal. Os
cristãos-novos eram peças de xadrez que ocupavam posições diferentes no tabuleiro
de jogo de cada um dos referidos poderes. Encontra-se, ainda, por esclarecer se
as divergências de opinião entre o monarca e a Inquisição (maldita), relativamente aos confiscos,
marcaram o início do afastamento entre ambos os poderes ou se já previamente a
esta questão se verificavam dificuldades de relacionamento o que proporcionou
uma tomada de posição por parte do poder régio, diferente daquela que era
esperada e desejada pelo Tribunal. Embora não disponhamos de elementos que nos permitam
afirmar que, antes de 1547, tivesse existido uma situação de conflito aberto entre
poder régio e inquisitorial através do teor das queixas apresentadas pelo cardeal-rei
Henrique, a que fizemos anteriormente referência, apercebemo-nos que, possivelmente,
já existiriam motivos de fricção entre ambos os poderes, mesmo antes daquela
data. Em 1547, pode-se ter assistido, apenas, a um pico de tensão.
A relação que Filipe II
estabeleceu com os cristãos-novos portugueses permite-nos concluir que, desde a
sua subida ao trono português, o monarca deu provas de que não estava disposto
a protagonizar uma política de compromisso com os mesmos e, ao longo do seu
reinado, manteve-se firme nesse mesmo princípio. Assim, o memorial que lhe foi
apresentado por aqueles, em que requeriam que fosse abolida a distinção entre
cristão-novo e cristão-velho, se reconhecesse o seu direito a cargos e honras e
que lhes fosse concedido um indulto das suas culpas, não teve da parte do
monarca o acolhimento desejado e esperado pela gente de nação. Consideravam, que a pressão exercida sobre
eles, os constrangimentos que se levantavam à sua participação na sociedade, e
que transpareciam no referido memorial, assim como as restrições à sua
circulação, confirmadas em 1587, só poderiam conhecer alívio mediante a
concessão de um indulto (o perdão começou a ser negociado em 1591, mas
peripécias várias impediram a sua concretização).
Assim, em 1594, procuram
obtê-lo, a troco de ofertas pecuniárias bem avultadas propondo-se dar quitação
à coroa de 225 mil cruzados, mais 150 mil cruzados de dívidas que remontavam a João
III e ainda um novo empréstimo, no valor de 400 mil cruzados, em dinheiro.
Porém, a pressão sobre os cristãos-novos não dava sinais de abrandamento, como
o veio demonstrar a introdução, em 1595, de uma nova dinâmica na difusão dos
estatutos de limpeza de sangue com a publicação de instruções sobre o assunto. Em
Novembro desse mesmo ano, o monarca castelhano procurando, provavelmente, fazer
um ponto da situação relativamente aquele que sabia constituir o problema em
Portugal, os cristãos-novos, mandou que fosse elaborada uma relação de todas as
pessoas que tinham sido presas e haviam saído em auto da fé por culpas de judaísmo,
desde que ele assumira o trono português, em 1580. Contudo, como os indícios de
uma resposta positiva, por parte do governo de Madrid, ao pedido de indulto,
tardavam em chegar, os procuradores dos cristãos-novos, em 1596, procuraram
junto da Santa Sé alcançar o referido perdão geral envidando novamente
esforços, nesse mesmo sentido, também na capital espanhola. Todavia, este
desejo não teve qualquer eco junto dos governadores do reino e da Inquisição (maldita). Em 27 de Outubro de 1597, Filipe II
autorizou o Conselho Geral a realizar uma Junta para se atalhar a grande
soltura em que iam os erros dos da nação dos cristãos-novos desse Reino
[Portugal] e escusou o Conselho de levar a referida Junta à presença dos
Governadores». In Maria do Carmo Teixeira Pinto, Os Cristãos-Novos de Elvas no reinado
de D. João IV. Heróis ou Anti-Heróis?, Dissertação
de Doutoramento em História, Universidade Aberta, Lisboa, 2003.
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