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quinta-feira, 15 de maio de 2014

O Malhadinhas. Mina de Diamantes. Aquilino. «E, porque torna, porque deixa, ali fiz a cama à mulher. E, tão bem feita ela foi que Barrelas toda, à hora de ceia, foi alvorotada com os gritos da Joaquina. Mas dia foi esse que o Duarte passou a ser rei na casa em que só havia mandona»

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«(…) Mas, como ia dizendo, o Duarte, que era um homem liberal e fala-barato, convidou-nos de tão boa gana que largámos do abrigo do Ramalhal, onde estávamos a tomar o sol, atrás dele. Na adega, com broa dos tabuleiros, tão rescendente que consolava, e uma lasca de presunto, que bailava da trave à dependura, cascámos-lhe. Estávamos nós na santa função, apareceu a mulher do Duarte. Conhecem-na com os dois pêlos virados no queixo como anzóis e umas canelas sempre tão negras e magras que até parecem flautins para os cães!? Arreda! A homem ruivo e mulher barbuda de longe os saúda.
- Fogueira parta os bêbados!, começou logo a gritar. – Quem quer o fole cheio, vá à taverna e puxe. Este homem há-de desgraçar a casinha... Mas deixa, é mãos rotas para os amigos... os amigos hão-de lhe arrancar os olhos e verter água nas poças! O Albino, posto que homem correntão, ficou varado; o Meses, com a vergonha, pôs-se mais vermelho que o palhete. Adiantei-me eu a fazer face à serpente com as manhas que me ensinou o padre José Farrusquinho: a quem te der uma pássara, dá-lhe a sua asa: - Viva lá, tia Joaquina, viva lá! Então sempre na lidairada?! Duarte, chega-me uma canequinha aqui à tua mulher. Vá, que governadeira assim nem de encomenda. Cachorro da sorte, podias pintar-te com ela num retábulo! Podias, que to digo eu! Sem uma mulheraça destas estavas de pernas ao ar. – O tio Malhadas sempre tem coisas!, disse ela, quebrando a fúria. – Esta tia Joaquina põe o ramo. Olhem-me para ela: é o espelho das donas de casa! Há por aí no povo melhor? Isso há ele, nem por todas essas Europas do mundo! Nem que acendessem um archote a procurar.
E a burgessa mais e mais enchia os ricos pucarinhos de Molelos e nós pingueiros como cachos. Mas baixou a noite e a criatura girou à vida, que já os porcos chamavam do cortelho pela vianda e punham mais esparrame que uma filarmónica emborrachada. E então chegou a vez de eu me vingar das vozes de bêbado e caloteiro com que ao intróito nos brindara. O Duarte estava meio tocado; embora, a palavra, como a lança, longe alcança! - Raios te partam, homem, disse-lhe eu, mais à aldrúbia que meteste em casa. Não viste o espalhafato com que rompeu! Mil diabos a levem mais à barca que para cá a passou! Irra, irrório, senhor Gregório! Eu cá se fosse a ti, ó Duarte, chapa batida, chapa gasta, dava-lhe todos os dias, ao deitar e levantar da cama, uma sova de criar bicho. Pois ele pode haver maior colondrina por esses mundos fora? E andas tu nas mãos dela como um frangalho?! Terçã te coma, Duarte, mais à bochada de carneiro que Deus te deu!...
E, porque torna, porque deixa, ali fiz a cama à mulher. E, tão bem feita ela foi que Barrelas toda, à hora de ceia, foi alvorotada com os gritos da Joaquina. Mas dia foi esse que o Duarte passou a ser rei na casa em que só havia mandona. Que a minha língua era ruim e envenenada? Aí está o seu malfazer, endireitar o mundo que andasse torto. Dela não temo as contas que hei-de dar a Deus porque ainda que a minha voz não seja como a ronca do touro quando canta os latins, é de falsete só no nome. No mais foi, é, e sempre será leal-verdadeira». In Aquilino Ribeiro, O Malhadinhas, Mina de Diamantes, Assembleia da República, 2007, Bertrand Editora, Lisboa, 2007, ISBN 978-972-25-1631-0.

Cortesia Bertrand/JDACT

O Malhadinhas. Mina de Diamantes. Aquilino. «Que a minha língua era afiada como a faca que trazia à cinta, teimam por aí. Bem haja eu, que nunca deixei a minha honra por mãos alheias, nem me esqueci de pagar agravo ou fineza recebida»

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«(…) Acabava eu o responso, e não há pior zombaria que a verdade, o Bisagra que aparece no traço da porta. E, à abanar a cabeça. Cresceu para mim, mas sem arrogância, que eu ainda tinha a faca na unha para mostrar como se picava a mouçó da mulher. - Então ela diz-me tó-ruça!? Apostamos uma quarta de vinho em como te enganas. Queres? Não queres? Anda comigo e vais ver. Homem, um cântaro de vinho...? Ri eu, riram todos do desconchavo. Muito aceso, o Bisagra continuava â protestar e a pedir aposta, e eu perdi a paciência.
Desapareceu e estávamos nós deitando contas à pachouchada, quando se ouviu grande banzé: o Bisagra fora encontrar a mulher com o padre Antunes da Lousadela e zupava nos dois como em amassadoiro de linho. Foi preciso arrancar-lhe das mãos o coroado, senão, matava-o. Mesmo assim, ficou com uma sobrancelha deitada abaixo e mais pingão e lastimável que um dos palhaços que, por folgança de carnaval, se tinham esfandegado no largo naquela quinta-feira das comadres. Passo foi aquele que muito aproveitou a toda a gente: a Barrelas porque o castigo público morigera, à Claudina porque dali em diante foi mais cautelosa a admitir galantes em casa, e ao Bisagra porque devia ter, ao menos por algum tempo, entrado em posse do que era seu. E aí está, porque da minha má-língua veio benefício ao mundo e eu me julgo forro, no livro da glória, do pecado que mais houver de me carregar quando chegar às portas do Paraíso. É verdade!
Que a minha língua era afiada como a faca que trazia à cinta, teimam por aí. Bem haja eu, que nunca deixei a minha honra por mãos alheias, nem me esqueci de pagar agravo ou fineza recebida. A panela em soar, o homem em falar. A língua para amansar as mulheres e homens mulherengos que faziam pouco de mim ou se atravessavam no meu caminho, a faca para rebater os tratantes que me ameaçavam o fagote. Se, devido à minha má-língua, esteve o padre da Lousadela com os pés para a cova, já contei a Vossorias como foi. Se dormiu a mulher do Duarte em lençóis de vinho, eu lhes vou dizer como se deu tal comédia.
No dia de Reis, há tantos invernos, que só me lembra ter vindo, por essa altura, uma trovoada medonha que arrasou os campos e matou as aves, estávamos eu, o Meses regedor e o Albino alfaiate, sentadinhos ao soalheiro, no cabeçalho dum carro, a gozar o ripanço do dia santo e a dizer mal do bispo. Chegou-se a nós o Duarte, e vá de cigarro, vá de amenidades, disse-nos: - Ó rapazes, tenho lá um vinhinho, o pedaço dum palhetinho, que até fica a rezar nas goelas uma música celestial. Só queria que provásseis... - Se ele é isso, redarguiu o Albino, que também não era homem para se fazer rogado, a operação é boa de fazer. - Então vinde, vinde beber um pucarinho de Molelos, tornou todo franco, abrindo marcha. O Duarte morava para o Oiteiro na casa que chamam do Sargento--Mor, e é pela obra de silharia e os tectos em masseira uma das sete maravilhas da nossa terra…
Sete maravilhas, sim, senhores, e eu digo quais elas são. A primeira é a armadura do Bisagra; mais frondosa nem a cabeça do cervo-real. A segunda é o bandulho do Albino, que à semelhança de todos os odres tem a boca ancha e, ao contrário dos demais odres, não há vinho que o farte. A terceira são as chinelas do tio Rela em bezerra branca, que viram Lisboa no Centenário de Santo António, entraram no Ministério do Reino e voltaram a penates para figurarem no auto que aqui haja de se representar do Senhor Juiz de Barrelas. A quarta é o pego da Ponte das Tábuas, que não tem fundo. A quinta são as trutas desse pego que são maiores do que as galgas do padre Farrusquinho, que até de boca fechada mentia. A sexta é a nossa igreja com obra de talha como não há em Portugal, e a cruz de latão do tempo do Rei Vamba. A sétima é a casa de que lhes estou falando com esconderijos contra ladrões e miguelistas, enxovia, cisterna empedrada, que ainda viram estes olhos que a terra há-de comer e os senhores já não verão. E não verão, porque veio um selvagem e deitou tudo a terra para fazer um chiqueiro». In Aquilino Ribeiro, O Malhadinhas, Mina de Diamantes, Assembleia da República, 2007, Bertrand Editora, Lisboa, 2007, ISBN 978-972-25-1631-0.

Cortesia Bertrand/JDACT

sábado, 26 de abril de 2014

O Malhadinhas. Mina de Diamantes. Aquilino. «Guar-te de homem que não fala e de cão que não ladra, por isso eu sempre falei, falo e falarei franco até morrer, pois se nós o temos no pensamento, acautelá-lo da boca só por ronha ou cobardia»

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«Que a minha língua era ponteira como a faca que trazia à cinta, murmuravam as bocas do mundo mal consideradas. Cantigas, ó Rosa! A faquinha, assim Deus me salve, tinha uma função e não mais, cortar a côdea, o queijo, a febra do presunto, quando andava de jornada. Algumas vezes, também, arremediava-me a consertar os atafais do macho se o Demo queria que estoirassem. Quando, por grande acaso, se apartava desta pacífica missão, é que a minha vida corria perigo e trazer eu a peito defendê-la, pois se Deus ma deu, tantas vezes o tenho dito , a Deus tenho obrigação de a restituir, mas só quando ele for servido e mais ninguém. Quanto à língua, cortaram-me a trave ao nascer; mas nunca levantei falsos testemunhos, nem acoimei de curta mulher honrada, nem de cornel sujeito que não tivesse testa para marrar. Guar-te de homem que não fala e de cão que não ladra, por isso eu sempre falei, falo e falarei franco até morrer, pois se nós o temos no pensamento, acautelá-lo da boca só por ronha ou cobardia.
Mas onde eu punha epitáfio, caía mais certo que os nabos no advento. Onde cortava nos podres é que os podres buliam com Deus e com os homens. Às vezes valia mais que lancetar um leicenço. Valia! Eu lhes conto um passo assucedido, pelo qual, se o Pai do céu se não esqueceu de o apontar no livro da glória e a remissão é certa, do pecado mais taludo estou quite, ainda que me não morda nenhum de monta. Pois oiçam, meus fidalgos: … um entrudo, quinta-feira mesmo das comadres, à boca da noite, o Bisagra desafiou-me na venda do Zé Pinto para jogar uma partida de chincalhão. Vossorias sabem: o Bisagra era senhor duma destas galhaduras, mais formosas, compridas e retorcidas como não há memória que andasse armada a testa dum serrano. Mais abundante nem paliteiro com os palitos, e assim falada nem a porca de Murça. Tão coitadinho, que seria caridade dizer-lhe ao passar um portal baixa que marras! A mulher era fêmea de alto lá com ela, sempre mais frescal que alface, requestada de fidalgo e de padre-cura.
Pegámos das cartas e o ladrão com a felícia toda, o sortalhão que dizem próprio daqueles a quem sobra o que falta às cabras mochas! Na cova da mão, sempre o cinco de oiros, a espadilha, o cinco de paus, levantou-me em catréfia seguida quatro quartilhos e um bolo. Paguei, mas bufei, que à mandinga da sua condição e não a jeito nem à sorte honesta atribuí eu, e comigo todos quantos ali estavam, aquele desaforo a ganhar. E, maneira de desforço, fui chasqueando nesta voz pausada que Deus me deu, pela qual alguns mequetrefes, nas minhas costas, me comparam à bezerrinha mansa que em todas as vacas mama: - Este Manuel é o que se chama um regalão. Bem comido, bem bebido, mais fresco nem o nosso abade! Pois olhem, é do mesmo ano que eu, mas ninguém o há-de dizer Os trabalhinhos estragam mais que o tempo! Sempre a arrotar pescada, a este felizardo só falta cartola e bengala. As fêmeas é que dão cabo dele. Raios o partam, com uma mulher daquelas, tudo o que há de mais liró, e não tem nojo de ir à Preciosa! Não te basta a Claudina, maganão? Ah Cristo, eu, se pilhasse uma mulher assim, estava-me ninando para as mais! Também estou velho, lá na Brízida dou um beijo quando dou...
O Bisagra ria, muito ancho da canada que me bebera e das palavras que eu proferia, e lhe sabiam tão bem como o vinho, e a roda estava maluca de alegria com o entremez e o ver-me com cara de asno, que é sempre a cara do pagante. Mas vai senão quando, o Bisagra saiu fora satisfazer as necessidades ou a revessar a vinhaça, e eu virei de folha: - Cem cães o comam para chavelhudo! Vai à bostiqueira da Preciosa porque a Claudina lhe diz tó-ruça; guarda-se para os outros, para os figuros, para quem ela quer. Cornambana do inferno! Se fosse a mim, ia-me a ela, e, ó menina, ou és minha mulher a valer ou te pico aqui a barriga como à cebola para o refogado...» In Aquilino Ribeiro, O Malhadinhas, Mina de Diamantes, Assembleia da República, 2007, Bertrand Editora, Lisboa, 2007, ISBN 978-972-25-1631-0.

Cortesia Bertrand/JDACT

terça-feira, 29 de junho de 2010

Panteão Nacional: Igreja de Santa Engrácia de Lisboa e Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra. Acolhe os túmulos de grandes vultos da História Portuguesa

Cortesia de IGESPAR
O Panteão Nacional, situado na zona histórica de Santa Clara, ocupa o edifício originalmente destinado para igreja de Santa Engrácia, acolhendo os túmulos de grandes vultos da história portuguesa. Fundado na 2ª metade do século XVI, o edifício foi totalmente reconstruído em finais de Seiscentos pelo arquitecto João Antunes; embora nunca chegasse a abrir ao culto, conserva, sob a cúpula moderna, o espaço majestoso da nave, animada pela decoração de mármores coloridos, característica da arquitectura barroca portuguesa. Elemento referencial no perfil da cidade e oferecendo pontos de vista privilegiados sobre a zona histórica da cidade e sobre o rio Tejo, está classificado como Monumento Nacional.

A designação de Panteão Nacional em Portugal é partilhada por dois monumentos:
  • a Igreja de Santa Engrácia;
  • o Mosteiro de Santa Cruz.
A Igreja de Santa Engrácia localiza-se na freguesia de São Vicente de Fora, em Lisboa. Passou a ter a função de Panteão Nacional a partir de 1916. O estatuto de Panteão Nacional foi reconhecido ao Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra em Agosto de 2003.

Cortesia de IGESPAR
O actual templo situa-se no local de uma primitiva igreja, erguida em 1568 por determinação da Infanta D. Maria, filha de Manuel I, por ocasião da criação da antiga freguesia de Santa Engrácia. Essa antiga igreja, severamente danificada por um temporal em 1681, foi alvo de constantes modificações e alterações, de tal modo que hoje nada resta dela. A primeira pedra do actual edifício, o primeiro em estilo barroco no país, foi lançada em 1682. As obras perduraram tanto tempo que deram azo à expressão popular «obras de Santa Engrácia» para designar algo que nunca mais acaba. A igreja só foi concluída em 1966, 284 anos após o seu início. O edifício é coroado por um zimbório gigante. O seu interior está pavimentado com mármore colorido.
Cortesia de IGESPAR
Feito concurso em 1683 para estudo do melhor projecto, foi este ganho pelo arquitecto João Antunes (1642-1712), que dirigirá a primeira fase da construção. O risco de Antunes, tira partido da desafogada situação paisagística do sítio, a meio da encosta defronte do Tejo, e constitui a primeira obra de claro figurino barroco no panorama arquitectónico nacional. O modelo é centralizado, de vastas proporções, definindo uma cruz grega de flancos sinuosos, com associação de quatro torreões-bloco, numa longínqua evocação de San Pietro in Montorio e San Satiro em Milão, de Donato Bramante, e com influências de Guarini (fachada do palazzo Cornaro), acrescido de riquíssimo ornamento mosaicista.
O templo, mostra um desenho encurvado dos braços da cruz grega, formando ábsides que se articulam com o pano murário rectilíneo dos torreões e criam um efeito espacial único, tirando partido da parede-ondulante, tal como as igrejas e palácios romanos e parisienses do século XVII. O portal mostra quatro colunas espiraladas de pedra rósea, com capitéis compósitos e remate de baixo-relevo com a padroeira (talvez de Laprade).
Cortesia de IGESPAR
À morte de João Antunes a igreja estava longe de acabada, sendo as obras dirigidas por Manuel do Couto (que cerra a abóbada central) e Santos Pacheco, com intervenções do cônsul-arquitecto Antoine Duverger, até sofrer os efeitos do terramoto. Tais vicissitudes levaram a que as obras só fossem acabadas em meado do século XX (já como Panteão Nacional, criado em 1916), pelos arquitectos da Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (Raul Lino, Lyster Franco), sem término das torres e com adjacência de uma abóbada com lanternim, demasiado desproporcionada para a sólida estrutura espacial definida no projecto barroco de Antunes. Mesmo com tais adições, que os atrasos impuseram, houve respeito pela traça aprovada no concurso de 1683, deixando incólume a novidade estrutural daquela que é a primeira igreja portuguesa verdadeiramente barroca.
Cortesia de IGESPAR
Embora nunca chegasse a abrir ao culto, conserva, sob a cúpula moderna, o espaço majestoso da nave, animada pela decoração de mármores coloridos, característica da arquitectura barroca portuguesa.
Elemento referencial no perfil da cidade e oferecendo pontos e vista privilegiados sobre a zona histórica da cidade e sobre o rio Tejo, está classificado como Monumento Nacional.
Como curiosidade, na sua proximidade realiza-se semanalmente, às 3ªas feiras e Sábados, a tradicional Feira da Ladra.

Cortesia de IGESPAR
Entre as personagens ilustres que ali estão sepultadas, encontramos sobretudo Presidentes da República e escritores. As excepções são designadamente a fadista Amália Rodrigues, cujos restos mortais foram transladados depois de se alterarem as disposições legais que apenas permitiam a trasladação para o Panteão Nacional quatro anos após a morte, e Humberto Delgado. As personalidades sepultadas são:
  • Almeida Garrett, escritor (1799-1854);
  • Amália Rodrigues, fadista (1920-1999);
  • Aquilino Ribeiro, escritor (1885-1963);
  • Guerra Junqueiro, escritor (1850-1923);
  • Humberto Delgado, opositor ao Estado Novo (1906-1965);
  • João de Deus, escritor (1830-1896);
  • Manuel de Arriaga, presidente da República (1840-1917);
  • Óscar Carmona, presidente da República (1869-1951);
  • Sidónio Pais, presidente da República (1872-1918);
  • Teófilo Braga, presidente da República (1843-1924).
Como Panteão Nacional abriga os cenotáfios de heróis da História de Portugal, tais como Nuno Álvares Pereira, Infante D. Henrique, Pedro Álvares Cabral Afonso de Albuquerque.
Nota: Em 19 de Setembro de 2007 o escritor Aquilino Ribeiro foi a décima pessoa a ser sepultada no Panteão, apesar da contestação de alguns grupos que acusam o escritor de terrorista por alegado envolvimento no regicídio.

 Cortesia de IGESPAR
O estatuto de Panteão Nacional foi reconhecido ao Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra em Agosto de 2003, pela presença tumular dos dois primeiros reis de Portugal, D. Afonso Henriques e Sancho I de Portugal. Esse estatuto, agora repartido, aplica-se aos dois monumentos, sendo que a designação de Panteão Nacional referente à Igreja de Santa Engrácia não deverá aplicar-se de forma absoluta.

O Mosteiro de Santa Cruz é um mosteiro da ordem dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho localizado em Coimbra. Fundado em 1131, nele se encontram enterrados os dois primeiros reis de Portugal, D. Afonso Henriques e D. Sancho I. A qualidade das intervenções artísticas no Mosteiro de Santa Cruz, particularmente na época manuelina, fazem deste um dos principais monumentos históricos e artísticos de Portugal.

Cortesia de IGESPAR
A Igreja de Santa Cruz de Coimbra foi fundada em 1131 por D. Telo (São Teotónio) e 11 outros religiosos, que adoptaram a regra dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho. A nova Igreja recebeu muitos privilégios papais e doações dos primeiros reis de Portugal, tornando-se a mais importante casa monástica do reino. A sua escola foi uma das melhores instituições de ensino do Portugal medieval, tendo uma grande biblioteca (agora na Biblioteca Pública Municipal do Porto) e um activo scriptorium. Nos tempos de D. Afonso Henriques, primeiro monarca português, o scriptorium de Santa Cruz foi usado como máquina de consolidação do poder real. A importância da Igreja é evidenciada pelo facto de que D. Afonso Henriques e seu sucessor, D. Sancho I, foram sepultados lá.

Cortesia de IGESPAR
Na Idade Média, o mais famoso estudante da Igreja de Santa Cruz foi Fernando Martins de Bulhões, o futuro Santo António de Lisboa (ou Santo António de Pádua). Em 1220, o religioso assiste à chegada à Igreja dos restos mortais de cinco frades franciscanos martirizados em Marrocos (os Mártires de Marrocos), e decide fazer-se missionário e partir de Portugal. No início do século XVI, o rei D. Manuel I ordena uma grande reforma, reconstruindo e redecorando a igreja e o mosteiro. Nessa época são transladados os restos de Afonso Henriques e Sancho I dos seus sarcófagos originais para novos túmulos decorados em estilo manuelino.
Entre 1530 e 1577 funcionou uma imprensa no claustro. É possível que o poeta Luís de Camões tenha estudado em Santa Cruz, uma vez que um parente seu (D. Bento de Camões) era prior do mosteiro na época, e há evidências na sua poesia de uma estada em Coimbra.
O primitivo edifício da igreja e mosteiro de Santa Cruz foi construído entre 1132 e 1223, mas quase nada resta desta fase românica da obra. A fachada da igreja tem  parecenças com a Sé Velha de Coimbra, com uma torre central avançada dotada de um portal e encimado por um janelão. Esses aspectos da fachada românica ainda são visíveis hoje, detrás da decoração posterior. A partir de 1507, o rei D. Manuel I ordenou a modificação total da arquitectura e decoração interior do mosteiro, seguindo o estilo mesclado de gótico e renascimento que depois seria chamado manuelino. Entre 1507 e 1513 a fachada ganhou duas torres laterais com pináculos e uma platibanda decorativa. Mais tarde, entre 1522 e 1526, foi criado o portal cenográfico manuelino por Diogo de Castilho e o francês Nicolau de Chanterenne. Cerca de 1530 foi adicionado junto à entrada um coro-alto por Diogo de Castilho, no qual se instalou um magnífico cadeiral de madeira esculpida e dourada. Este cadeiral é um dos pouquíssimos elementos da época manuelina ainda existentes em Portugal, e deve-se ao entalhador flamengo Machim, que o havia esculpido para a capela-mor cerca de 1512. A nave contém ainda um belo púlpito renascentista, obra de Nicolau de Chanterenne e datado de 1521. No século XVIII instalou-se un novo órgão, em estilo barroco, obra do espanhol Gómez Herrera, e as paredes da nave estão revestidas com azulejos brancos-azuis lisboetas que narram histórias bíblicas.
Cortesia de IGESPAR
Na capela-mor encontram-se os túmulos dos dois primeiros reis de Portugal, D. Afonso Henriques e D. Sancho I. Os túmulos originais estavam no nartex da igreja, junto à torre central da fachada românica, mas D. Manuel I não achou condignas as antigas arcas tumulares e ordenou a realização de novos túmulos. Estes, terminados por volta de 1520, são das mais belas realizações da tumulária portuguesa. Nicolau Chanterene realizou as esculturas jacentes representando os reis, enquanto outras esculturas e elementos decorativos se devem a vários outros ajudantes (Diogo Francisco, Pêro Anes, Diogo Fernandes, João Fernandes e outros). Os túmulos estão decorados com muitas estátuas e elementos gótico-renascentistas, além dos símbolos do rei D. Manuel I, a esfera armilar e a cruz da Ordem de Cristo.

Cortesia de IGESPAR/wikipédia/CMCoimbra/JDACT

quinta-feira, 10 de junho de 2010

João de Deus: O método da Cartilha Maternal. Foi considerado o poeta do amor. Uma das figuras mais populares do último quartel do século XIX

(1830-1896)
São Bartolomeu de Messines
Cortesia da Casa Museu João de Deus
João de Deus de Nogueira Ramos, mais conhecido por João de Deus, foi um eminente poeta lírico, considerado à época o primeiro do seu tempo, e o proponente de um método de ensino da leitura, assente numa Cartilha Maternal por ele escrita, que teve grande aceitação popular, sendo ainda utilizado. Gozou de extraordinária popularidade, foi quase um culto, sendo ainda em vida objecto das mais variadas homenagens e, aquando da sua morte, sepultado no Panteão Nacional. Foi considerado o poeta do amor.

Cortesia de grandesnomeseducacao
João de Deus, o quarto de catorze irmãos, não lhe permitindo a situação sócio-económica da família aspirar a uma carreira universitária, estudou latim na sua terra natal e ingressou no Seminário de Coimbra, então o único caminho para prosseguir estudos aberto aos menos abonados. Em 1850, aos dezenove anos, não tendo vocação para a vida eclesiástica, ingressou na Universidade de Coimbra como estudante de Direito.
Preferindo as belas artes à ciência do Direito, envolvido na vida boémia coimbrã, teve na Universidade um percurso académico conturbado, com diversas interrupções e reprovações por faltas. Apenas se formou dez anos depois de ter ingressado, em 13 de Julho de 1859, e mesmo assim por instâncias e ameaças dos seus condiscípulos, entre os quais se incluía a melhor intelectualidade da época.
Logo no ano de ingresso na Universidade revelou o seus dotes líricos, escrevendo versos que circularam manuscritos no meio académico e com os quais obtinha modestos rendimentos que ajudavam na sua parca subsistência. De 1851 conhece-se o poema Pomba e a elegia Oração, a qual foi a sua primeira obra publicada, tendo saído a público na Revista Académica em 1855, tendo merecido imediata aclamação pública. Não tendo interesse pela advocacia, em 1862 aceita o convite para ir para Beja como redactor do periódico O Bejense, então o jornal de maior expansão no Alentejo. Neste período colaborou em diversos periódicos da imprensa regional do sul de Portugal. Permaneceu em Beja até 1864, regressando nesse ano à sua terra natal.

Cortesia de auladeliteraturaportuguesa
Em Lisboa levou uma vida de grandes privações. Passava o tempo nos cafés, em particular no Martinho da Arcada, em constantes tertúlias, sem nunca procurar encontrar uma forma estável de ganhar a vida. Para sobreviver recorria à realização de traduções, à escrita de sermões e hinos para cerimónias religiosas e a colaborações literárias várias. Com o casamento e a passagem pelas Cortes, reflectindo uma maior disponibilidade, inicia a publicação sistemática da sua obra poética e dramática. Logo nesse ano publica a colectânea Flores do campo, a que se segue uma pequena recolha de 14 poemas intitulada Ramo de flores (1869), considerada a sua melhor obra poética.
SÊDE DE AMOR

Vi-te uma vez e (novo
Extranho caso foi!)
Por entre tanto povo...
Tanta mulher... Suppõe

Que mãe estremecida
Via o seu filho andar
Sobre muralha erguida,
Onde o fizesse ir dar

Aquelle remoinho,
Aquella inquietação
D'um pobre innocentinho
Ainda sem razão!

E ora estendendo os braços...
Ora apertando as mãos...
Vendo-lhe o gesto, os passos,
Quantos esforços vãos,

O triste na cimalha
Faz por voltar atraz...
Sem vêr como lhe valha!
A vêr o que elle faz!

Pallida, exhausta, muda,
Os olhos uns tições,
Com que, a tremer, lhe estuda
As mesmas pulsações...

(Porque não é mais fundo
O mar no equador,
Nem é todo este mundo
Maior do que esse amor!

Mais vasto, largo e extenso
Todo esse céo tambem
Do que o amor immenso
D'um coração de mãe!)

Assim, n'essa agonia...
N'essa intima avidez...
É que entre os mais te eu ia
Seguindo d'essa vez!

Porque te adoro!... a ponto,
Que ainda hoje, crê!
Escuto e oiço e conto
Os grãos de arêa até,

Que tu, mulher! andando
Fazias estalar
Já mesmo longe e... quando
Deixei de te avistar!
João de Deus
As recolhas resultaram da selecção feita por José António Garcia Blanco entre os poemas publicados na imprensa periódica. São obras com laivos de ultra-romantismo, representativas da sua primeira fase de produção poética de João de Deus. Estes textos seriam depois reunidos e organizados por Teófilo Braga. A compilação dos seus textos líricos, satíricos e epigramáticos foi editada com o título de Campo de Flores (1893), e os textos de prosa com o título de Prosas (1898). Na colectânea Campo de Flores foi incluído o poema algo lascivo Cryptinas, o que na altura foi motivo de algum escândalo.

Cortesia de Casa Museu João de Deus
O poema Horácio e Lydia (1872), uma tradução da obra homónima de Pierre de Ronsard, demonstra a perícia de João de Deus na versificação e na manutenção do ritmo discursivo. Entretanto, em 1876, menos de um ano depois da morte de António Feliciano de Castilho e perante a descrença em que caíra o Método Português de Castilho, João de Deus envolveu-se nas campanhas de alfabetização, escrevendo a Cartilha Maternal, um novo método de ensino da leitura, que o haveria de distinguir como pedagogo. A Cartilha, num processo muito semelhante aos esforços que 25 anos antes António Feliciano de Castilho empreendera com o seu método, incorpora, para além daquela experiência, os trabalhos de Johann Heinrich Pestalozzi e Friedrich Wilhelm August Fröbel, dando-lhe um carácter menos infantilizante.
A obra foi recebida de forma encomiástica, sendo saudada como utilíssima e genial pelos principais intelectuais da época, entre os quais Alexandre Herculano e Adolfo Coelho.

Cortesia de Casa Museu João de Deus
Este método, relativamente inovador na época, foi dois anos depois, e por proposta do deputado Augusto Lemos Álvares Portugal Ribeiro, aprovado como o método nacional de aprendizagem da escrita da língua portuguesa. Graças a esta decisão, João de Deus teria a nomeação vitalícia de Comissário Geral da Leitura para essa forma de ensinar, com uma pensão anual de 900$000 réis. Para complementar o seu método, João de Deus publicou uma tradução adaptada da obra Des devoirs des enfants envers leurs parents, de Theodore-Henri Barraus, a que se seguiram múltiplos artigos de natureza pedagógica contento exortações e instruções dirigidas aos mestres que deveriam aplicar o método. A expansão do método da Cartilha Maternal foi seguida de um autêntico fenómeno de culto pela figura do poeta, tornando-o numa das figuras mais populares do último quartel do século XIX português. Nesse contexto foi organizada em 1895 uma grande homenagem nacional ao poeta, alegadamente iniciativa dos estudantes de Coimbra.

Na sequência da homenagem nacional, o Diário de Notícias, de 8 de Março de 1895, publicou o seguinte texto laudatório:
«João de Deus é uma das personificações mais belas do nosso carácter peninsular; vivo e indolente, devaneador e apaixonado, crente e sentimental. É uma flor do meio-dia, cheia de seiva e colorido, dos poetas e nunca ninguém sentiu entre nós mais ardente a sua imortalidade do que Bocage. Com que entusiasmo ele exclamava ao ver os seus versos elogiados na boca de Filinto: - Zoilos tremei; posteridade, és minha! Sob este ponto de vista, João de Deus é a antítese completa de Bocage. Este tinha a inspiração orgulhosa, cheia de fogo, rebentando quase num caudal de ironia e de sarcasmo. João de Deus tem a inspiração serena, espontânea, quase inconsciente. João de Deus é como a flor do campo, que rebenta formosa sem cultivo, velada apenas pela graça de Deus, o jardineiro supremo. As suas poesias são verdadeiras flores do campo, mas das mimosas, das encantadoras na sua singeleza, das que, guardadas num álbum, conservam perfeitamente a delicadeza da forma, o colorido transparente da corola, o aveludado do cálice, a disposição encantadora das pétalas».

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Apesar da fama, o método da Cartilha Maternal tinha adversários e pouco depois da homenagem nacional, por iniciativa de Joaquim Pedro de Oliveira Martins, o Ministério do Reino decidiu mandar retirar das salas de aula os quadros da Cartilha. Pouco depois desta polémica decisão, João de Deus caiu doente com uma enfermidade cardíaca.
João de Deus morre aos 66 anos de idade. O seu túmulo está no Panteão Nacional.


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