sábado, 9 de dezembro de 2023

Os Pilares da Terra. Ken Follett. «Levarei Alfred. Tente não deixar que o fora-da-lei a veja. Não se preocupe, disse Agnes, inflexível. Quero aquele dinheiro para alimentar meus filhos. Tom tocou no seu braço e sorriu. Você é uma leoa, Agnes»

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«Tanto Tom quanto Agnes pararam para encará-lo, e como bloquearam seu caminho, ele não pôde deixar de vê-los. Bem?, exclamou, intrigado com aqueles olhares fixos e impaciente para passar.

Foi Martha quem quebrou o silêncio. É o nosso porco!, gritou excitadamente. É mesmo, confirmou Tom, olhando para o açougueiro de igual para igual. Por um instante uma expressão furtiva cruzou o rosto do homem, e Tom percebeu que ele sabia que o porco fora roubado. Mas ele disse: Acabei de pagar cinquenta pence por este porco, o que faz com que seja meu. Seja quem for a pessoa a quem deu seu dinheiro, o porco não era dela. Sem dúvida foi por esse motivo que você pagou tão pouco. De quem o comprou? De um camponês. Você o conhecia? Não. Escute. Sou o açougueiro da guarnição. Não posso pedir a cada fazendeiro que me venda um porco ou uma vaca que traga doze homens a fim de jurar que o animal é dele, e que pode vendê-lo, se quiser.

O homem virou-se de lado como se fosse embora, mas Tom pegou-o pelo braço e o deteve. Por um momento o açougueiro ficou zangado, mas depois deu-se conta de que se se metesse numa briga teria de largar o porco e, se uma das pessoas da família de Tom conseguisse apanhá-lo, o equilíbrio do poder se modificaria e precisaria provar sua propriedade. Assim, ele se conteve e disse: Se quer fazer uma acusação, vá ao xerife. Tom pensou na sugestão e abandonou-a. Não tinha provas. Em vez disso, perguntou: - Como era o homem que lhe vendeu o meu porco? Como todo o mundo, respondeu o açougueiro, com uma expressão velhaca. Ocultava a boca? Agora que estou pensando nisso, sim. Era um fora-da-lei, escondendo uma mutilação, disse Tom amarguradamente. Suponho que não pensou nisso. - Está chovendo demais!, protestou ele. Todos estamos embuçados. Basta que me diga há quanto tempo ele vendeu o porco e afastou-se. Ainda agora. E para onde foi? Para uma cervejaria, creio. A fim de gastar meu dinheiro - disse Tom, enojado. Ande, suma daqui. Pode ser que seja roubado um dia, e então vai querer que não haja tanta gente ansiosa por comprar uma barganha sem fazer perguntas. O açougueiro ficou zangado e hesitou, como se pensasse em replicar; mas pensou melhor e desapareceu.

Por que deixou que ele fosse embora?, perguntou Agnes. - Porque ele é conhecido aqui e eu não, disse Tom. Se lutasse, iriam me considerar culpado. E como o porco não tem meu nome escrito no traseiro, quem pode dizer se é meu ou não? Mas todas as nossas economias... Ainda podemos pegar o dinheiro do porco, disse Tom. Cale-se e deixe-me pensar. A altercação com o açougueiro o enfurecera e ele aliviava a frustração falando asperamente com Agnes. Em algum lugar desta cidade há um homem sem lábios e com cinquenta pennies de prata no bolso. Tudo o que temos a fazer é encontrá-lo e tirar o dinheiro dele.

Certo, disse Agnes determinadamente. Você volta pelo caminho que viemos. Vá até o adro da catedral. Eu seguirei em frente e me aproximarei da catedral pelo outro lado. Depois retomaremos pela rua seguinte, e assim por diante. Se ele não estiver nas ruas, estará numa casa de cerveja. Quando o vir, fique perto e mande Martha me avisar. Levarei Alfred. Tente não deixar que o fora-da-lei a veja. Não se preocupe, disse Agnes, inflexível. Quero aquele dinheiro para alimentar meus filhos. Tom tocou no seu braço e sorriu. Você é uma leoa, Agnes.

Ela o fitou nos olhos por um momento e de repente, ficando na ponta dos pés, beijou-o na boca, rápida mas intensamente. Depois virou-se e atravessou de volta à praça do mercado, com Martha a reboque. Tom ficou olhando, preocupado com ela, a despeito de sua coragem; depois seguiu na direcção oposta com Alfred. O ladrão parecia pensar que estava perfeitamente seguro. Claro, quando roubara o porco, Tom estava se dirigindo para Winchester. Ele seguira na direcção contrária, a fim de vender o porco em Salisbury. Mas a fora-da-lei, Ellen, dissera que a Catedral de Salisbury estava sendo reconstruída, fazendo com que Tom mudasse de plano e, inadvertidamente, descobrisse o ladrão. No entanto, como pensava que Tom nunca mais o veria, havia uma chance para pegá-lo desprevenido.

Foi caminhando lentamente ao longo da rua lamacenta, tentando parecer bem à vontade enquanto olhava as portas abertas. Queria ser o mais discreto possível, pois aquele episódio podia terminar em violência e não queria que as pessoas se lembrassem de um pedreiro alto fazendo uma busca na cidade. A maioria das casas eram choupanas de madeira, lama e telhado de colmo, com uma esteira no chão, uma lareira no meio e umas poucas peças de mobília feita em casa. Um barril e alguns bancos faziam uma cervejaria; uma cama num canto com uma cortina significava uma prostituta; um grupo barulhento em torno de uma mesa revelava um jogo de dados». In Ken Follett, Os Pilares da Terra, 1989, Editorial Presença, 2007, ISBN 978-972-233-788-5

 Cortesia de EPresença/JDACT

JDACT, Ken Follett, Catedrais, Idade Média, Narrativa, Cultura,

A Mão de Fátima. Ildefonso Falcones. «Durante a missa, alguns rezavam. As crianças, atentas ao sacristão, o faziam em voz alta, quase aos gritos, tal como lhes haviam ensinado seus pais, porque assim eles podiam burlar a presença do beneficiado, com suas idas e vindas, para clamar às escondidas: Allahu Akbar…»

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«Marcos Núñez. Presente. Você faltou à missa do domingo passado – afirmou o sacristão. Estive... O homem tentou explicar-se, mas não lhe saíam as palavras. Terminou a frase em árabe enquanto esgrimia um documento. Aproxime-se, ordenou-lhe Andrés. Marcos Núñez passou entre os presentes até chegar perto do altar. Estive em Ugíjar, conseguiu desculpar-se desta vez, enquanto entregava o documento ao sacristão. Andrés o folheou e o passou ao padre, que o leu atentamente até verificar a assinatura e anuir com um esgar: o abade-mor da colegiada de Ugíjar certificava que em 5 de Dezembro do ano de 1568 o cristão-novo chamado Marcos Núñez, morador de Juviles, havia assistido à missa maior oficiada naquela povoação.

O sacristão esboçou um sorriso quase imperceptível e escreveu algo no livro antes de prosseguir com a interminável lista de cristãos-novos, os muçulmanos obrigados pelo rei a baptizar-se e abraçar o cristianismo, cuja assistência aos santos ofícios tinha de verificar cada domingo e dias de preceito. Alguns dos interpelados não responderam, e sua ausência foi cuidadosamente registada. Duas mulheres, ao contrário de Marcos Núñez com seu certificado de Ugíjar, não puderam justificar por que não haviam comparecido à missa celebrada no domingo anterior. Ambas tentaram desculpar-se atropeladamente. Andrés as deixou explanar e desviou o olhar para o padre. A primeira retrocedeu de sua tentativa assim que o padre Martín lhe instou que se calasse com um autoritário gesto de mão; a segunda, no entanto, continuou argumentando que naquele domingo havia estado doente. Perguntem a meu esposo!, gritou enquanto procurava o marido com olhar nervoso nas filas posteriores. Ele lhes... Silêncio, aduladora do diabo!

O grito do padre Martín emudeceu a mourisca, que optou por baixar a cabeça. O sacristão anotou seu nome: ambas as mulheres pagariam uma multa de meio real. Após um longo tempo de averiguação, o padre Martín deu início à missa, não sem antes indicar ao sacristão que obrigasse o penitente a elevar mais as mãos que seguravam os círios.

Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo... A cerimónia continuou, ainda que fossem poucos os que entendiam as leituras sagradas ou podiam acompanhar o ritmo frenético e os constantes gritos com que o sacerdote os repreendeu durante a homilia. Porventura acreditam que a água de uma fonte os curará de alguma doença? O padre Martín apontou para o homem ajoelhado; seu dedo indicador tremia, e suas feições se mostravam crispadas. É a penitência de vocês. Só Cristo pode livrá-los das misérias e privações com que castiga sua vida dissoluta, suas blasfémias e sua sacrílega atitude!

Mas a maioria deles não falava castelhano; alguns se entendiam com os espanhóis em aljamiado, um dialecto mesclado de árabe e romance. No entanto, todos tinham a obrigação de saber o Padre-Nosso, a Ave-Maria, o Credo, a Salve-Rainha e os mandamentos em castelhano. As crianças mouriscas, graças às lições que recebiam do sacristão; os homens e as mulheres, pelas sessões de doutrina que lhes eram ministradas às sextas-feiras e aos sábados, e às quais tinham de comparecer sob pena de ser multados e não poder contrair matrimónio. Só quando demonstravam saber de cor as orações é que os eximiam de ir à aula.

Durante a missa, alguns rezavam. As crianças, atentas ao sacristão, o faziam em voz alta, quase aos gritos, tal como lhes haviam ensinado seus pais, porque assim eles podiam burlar a presença do beneficiado, com suas idas e vindas, para clamar às escondidas: Allahu Akbar. Muitos o sussurravam de olhos fechados, suspirando. Oh, Clemente! Liberte-me de minhas tachas, de meus vícios... ouvia-se entre as fileiras de homens assim que o beneficiado Salvador se afastava um pouco.

A verdade é que não se afastava demais, como se temesse que o desafiassem invocando o Deus dos muçulmanos no templo cristão, durante a missa maior. Ó Soberano! Guie-me com seu poder... clamou um jovem mourisco várias fileiras adiante, no meio do bulício do Padre-Nosso gritado pelas crianças. O beneficiado Salvador se virou arrebatado. Ó Dador de paz, ponha-me em sua glória..., aproveitou para implorar outro, do lado oposto. O beneficiado ficou vermelho de raiva». In Ildefonso Falcones, A Mão de Fátima, 2010, Bertrand Editorial, Grandes Romances, 2010, ISBN 978-972-252-226-7.

Cortesia de Bertrand E/JDACT

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A Mão de Fátima. Ildefonso Falcones. «Terminou o repicar do sino; os cristãos que ainda estavam do lado de fora se apressaram a entrar na igreja. Em seu interior, a poucos passos do altar e de frente para os fiéis, um homenzarrão moreno e curtido pelo sol permanecia de joelhos…»

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«Se um muçulmano está combatendo ou se encontra em zona pagã, não tem obrigação de mostrar uma aparência diferente da dos que o cercam. Nestas circunstâncias, o muçulmano pode preferir ou ser obrigado a se  parecer com eles, com a condição de sua atitude supor um bem religioso, como pregar-lhes, ficar sabendo de segredos e transmiti-los a muçulmanos, evitar um dano ou algum outro fim de proveito». In Ahmad Ibn Taymiya [(1263-1328), famoso jurista árabe]

Juviles, as Alpujarras, reino de Granada. Domingo, 12 de Dezembro de 1568

«O soar do sino que chamava para a missa maior das dez da manhã rompeu a gélida atmosfera que envolvia aquele pequeno povoado, situado num dos muitos contrafortes de Sierra Nevada; seus ecos metálicos se perdiam despenhadeiro abaixo, como se quisessem despedaçar-se contra as fraldas da Contraviesa, a cadeia montanhosa que, pelo sul, encerra o fértil vale percorrido pelos rios Guadalfeo, Adra e Andarax, todos eles regados por uma infinidade de afluentes que descem dos picos nevados. Para além da Contraviesa, as terras das Alpujarras se estendem até ao mar Mediterrâneo. Sob o tímido sol de Inverno, cerca de duzentos homens, mulheres e crianças, a maioria arrastando os pés, quase todos em silêncio, dirigiram-se para a igreja e se reuniram às suas portas.

O templo, de pedra ocre e carente de qualquer adorno exterior, constava de um único e simples corpo rectangular, num de cujos lados se erguia a rija torre que alojava o sino. Junto à construção, se abria uma praça sobre as intrincadas canhadas que desciam para o vale vindas da Sierra Nevada. Da praça, em direcção à serra, nasciam estreitas ruelas margeadas por uma multidão de casas recobertas de ardósia pulverizada: moradas de um ou dois andares, de portas e janelas muito pequenas, coberturas planas e chaminés redondas coroadas por uma carapaça em forma de seta. Dispostos sobre os terrados, pimentões, figos e uvas secavam ao sol. As ruas escalavam sinuosamente as encostas da montanha, de forma que os terrados das de baixo alcançavam os alicerces das superiores, como se se erguessem umas sobre as outras.

Na praça, diante das portas da igreja, um grupo formado por algumas crianças e vários cristãos-velhos da vintena que vivia no povoado observava uma anciã no alto de uma escada que estava apoiada na fachada principal do templo. A mulher tiritava e rangia os poucos dentes que lhe restavam. Os mouriscos iam para a igreja sem desviar o olhar de sua irmã na fé, que estava encarapitada ali desde o amanhecer, aferrada à última barra, suportando sem casaco o frio do Inverno. O sino repicava, e uma das crianças apontou para a mulher, que tremia ao som das badaladas, tentando manter o equilíbrio. Risos romperam o silêncio. Bruxa!, ouviu-se entre as gargalhadas. Algumas pedradas acertaram no corpo da velha, ao mesmo tempo que a base da escada se enchia de más-palavras e/ou palavrões.

Terminou o repicar do sino; os cristãos que ainda estavam do lado de fora se apressaram a entrar na igreja. Em seu interior, a poucos passos do altar e de frente para os fiéis, um homenzarrão moreno e curtido pelo sol permanecia de joelhos sem capa nem casaco, com uma corda ao pescoço e os braços em cruz: segurava um círio aceso em cada mão.

Dias antes, aquele mesmo homem havia entregado à velha da escada a camisa de sua mulher doente para que a lavasse numa fonte cujas águas, dizia-se, tinham poderes curativos. Naquela fontezinha natural, oculta entre as rochas e a espessa vegetação da fragosa serra, jamais se lavava a roupa. O padre Martín, o cura do povoado, surpreendeu a mulher enquanto lavava essa única camisa e não duvidou de que se tentava algum sortilégio. O castigo não demorou a chegar: a velha iria passar a manhã de domingo no alto da escada, exposta ao escárnio público. O ingénuo mourisco que havia solicitado o encantamento foi condenado a fazer penitência enquanto assistia à missa de joelhos, e dessa maneira podiam contemplá-lo então os ali presentes.

Assim que entraram no templo, os homens se separaram de suas mulheres, e estas, com suas filhas, ocuparam as fileiras da frente. O penitente ajoelhado tinha o olhar perdido. Todas o conheciam: era um bom homem; cuidava de suas terras e das poucas vacas que possuía. Só pretendia ajudar sua mulher doente! Pouco a pouco os homens se puseram, ordenadamente, atrás das mulheres. No momento em que todos já haviam ocupado seus  lugares, chegaram ao altar o padre Martín, o beneficiado Salvador e Andrés, o sacristão. O padre Martín, barrigudo, de tez muito branca e faces rosadas, usando uma casula de seda bordada em ouro, acomodou-se numa cadeira diante dos fiéis. Em pé, um de cada lado, postaram-se o beneficiado e o sacristão. Alguém fechou as portas da igreja; cessou a corrente, e as chamas das lâmpadas deixaram de tremeluzir. O colorido artesoado mudéjar do tecto da igreja brilhou então, competindo com os sóbrios e trágicos retábulos do altar e com os laterais. O sacristão, um jovem alto, vestido de negro, magro e de tez morena, como a grande maioria dos fiéis, abriu um livro e pigarreou. Francisco Aguazil, leu. Presente. Após verificar de onde vinha a resposta, o sacristão anotou algo no livro. José Almer. Presente. Outra anotação. Milagros García, María Ambroz... As chamadas eram respondidas com um presente que, à medida que Andrés dizia a lista, soava cada vez mais parecido com um grunhido. O sacristão continuou verificando rostos e tomando nota». In Ildefonso Falcones, A Mão de Fátima, 2010, Bertrand Editorial, Grandes Romances, 2010, ISBN 978-972-252,226-7.

 Cortesia de Bertrand E/JDACT

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sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

Os Pilares da Terra. Ken Follett. «Não havia a menor dúvida: o pedreiro conhecia aquele porco, tão bem quanto conhecia Alfred ou Martha. Estava sendo transportado, com perícia, por um homem com a pele rosada e a barriga grande de quem come toda a carne de que precisa e depois um pouco mais: um açougueiro, sem dúvida»

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«Tom sabia que não havia esperanças, mas perguntou: E o palácio? A mesma coisa, disse John. É onde estou usando os homens que sobram. Se não fosse por isso e pelos outros castelos do bispo Roger, eu já estaria dispensando pedreiros. Tom assentiu com a cabeça. Em voz neutra, tentando não parecer desesperado, perguntou: Sabe de algum lugar onde haja trabalho? Estavam construindo no Mosteiro de Shaftesbury no início do ano. Talvez ainda estejam. Fica a um dia de viagem. Obrigado. Tom virou-se para ir embora. Sinto muito, disse John, às suas costas. Você parece um bom homem. Ele afastou-se sem responder. Sentia-se deprimido. Permitira-se ter esperanças demais; não havia nada de raro em não haver trabalho. Mas ficara entusiasmado com a perspectiva de trabalhar novamente numa catedral. Agora podia ter de enfrentar uma muralha monótona, ou trabalhar numa casa feia para algum com dinheiro. Endireitou os ombros e atravessou de novo o pátio do castelo, onde Agnes o aguardava com Martha. Nunca deixava que ela percebesse o desânimo que pudesse sentir.

Sempre tentava dar a impressão de que tudo ia bem, que estava no controle

da situação, e que não tinha muita importância se não houvesse trabalho no lugar, porque certamente encontraria algo na cidade seguinte, ou na outra. Sabia que se exibisse qualquer sinal de aflição ela insistiria para encontrar um lugar onde se estabelecessem, e ele não queria, a não ser que fosse numa cidade onde houvesse uma catedral a ser construída. Não há nada para mim aqui, disse para Agnes. Vamos embora. Ela ficou acabrunhada.

Pensei que, com uma catedral e um palácio em construção, haveria lugar para mais um pedreiro. Ambas as obras estão quase terminadas, explicou Tom. Eles já têm mais homens do que precisam. A família atravessou a ponte levadiça e voltou às ruas apinhadas da cidade. Haviam entrado em Salisbury pelo portão leste, e sairiam agora pelo portão oeste, pois era a direcção de Shaftesbury. Tom virou à direita, conduzindo-os através da parte da cidade que ainda não tinham visto. Parou diante de uma casa de pedra seriamente necessitada de reparos. A argamassa usada na construção era muito ruim, e agora estava se esfarelando e caindo. A água que entrara pelos buracos, congelando, partira algumas pedras. Se ficasse assim mais um inverno o dano seria ainda pior. Tom decidiu mostrar aquilo ao proprietário.

A entrada do andar térreo era um arco amplo. A porta de madeira estava aberta, e no portal viu um artesão sentado com um martelo na mão direita e um furador na esquerda, gravando um desenho complexo numa sela de madeira colocada no banco à sua frente. No fundo Tom pôde ver depósitos de madeira e couro, e um garoto varrendo aparas. Bom dia, mestre seleiro - disse ele. O seleiro ergueu os olhos, classificou Tom como o tipo de homem que faria sua própria sela se precisasse de uma, e cumprimentou-o secamente com um gesto de cabeça.

Sou construtor, prosseguiu Tom. Vejo que está precisando de meus serviços. Por quê? Sua argamassa está-se esfarelando, as pedras estão rachando e sua casa pode não durar outro inverno. O seleiro sacudiu a cabeça. A cidade está cheia de pedreiros. Por que iria eu empregar um estranho? Muito bem. Tom se virou. Que Deus o proteja. Assim espero - disse o seleiro. Sujeito mal-educado, cochichou Agnes, quando se afastaram. A rua dava numa praça onde funcionava um mercado. Ali, numa extensão de meio acre de lama, os camponeses das proximidades trocavam as poucas sobras que podiam ter de grão, leite ou ovos pelas coisas que precisavam e que não podiam fazer, panelas, relhas de arado, cordas e sal. Os mercados geralmente eram coloridos e um tanto turbulentos. Havia um bocado de discussões e regateios bem-humorados, pretensa rivalidade entre barraqueiros vizinhos, bolos baratos para as crianças, às vezes um menestrel ou um grupo de acrobatas, grande número de prostitutas muito pintadas, e às vezes um soldado aleijado com histórias dos desertos orientais e de enfurecidas hordas sarracenas.

Os que faziam uma boa barganha com frequência sucumbiam à tentação de celebrar, e gozavam o lucro com uma cerveja forte, de modo que havia sempre uma atmosfera de desordem por volta do meio-dia. Outros perdiam suas moedas nos dados, o que podia acabar em briga. Mas agora, na manhã de um dia de chuva, com a safra do ano vendida ou armazenada, o mercado estava contido. Camponeses encharcados de chuva faziam barganhas taciturnas com barraqueiros que tremiam de frio, todos ansiosos por ir para casa e sentar diante de uma lareira.

A família de Tom forçou caminho por entre a multidão desconsolada, ignorando as lisonjas desanimadas do vendedor de salsichas e do amolador de facas. Já tinham quase acabado de atravessar a praça quando Tom viu o seu porco. Ficou tão surpreso que a princípio não pôde acreditar nos próprios olhos. Então Agnes disse entre os dentes: Tom! Olhe! E ele soube que ela vira também. Não havia a menor dúvida: o pedreiro conhecia aquele porco, tão bem quanto conhecia Alfred ou Martha. Estava sendo transportado, com perícia, por um homem com a pele rosada e a barriga grande de quem come toda a carne de que precisa e depois um pouco mais: um açougueiro, sem dúvida». In Ken Follett, Os Pilares da Terra, 1989, Editorial Presença, 2007, ISBN 978-972-233-788-5

Cortesia de EPresença/JDACT

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Dan Brown. O Símbolo Perdido. «Sato olhou para o professor como se ele estivesse louco. Como é que é? Langdon gesticulou na direcção do BlackBerry dela. Procure no Google George Washington Zeus»

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«Sato tornou a baixar os olhos para Langdon e esfregou o pescoço. Instalar um cabo telefónico é algo muito diferente de ser um deus. Para os homens modernos, pode até ser, retrucou Langdon. Mas, se George Washington soubesse que nós virámos uma raça com o poder de nos comunicar através dos oceanos, voar à velocidade da luz e pisar na Lua, ele iria supor que nós nos transformámos em deuses, capazes de tarefas milagrosas. Ele fez uma pausa. Nas palavras do futurista Arthur C. Clarke: Qualquer tecnologia suficientemente avançada é indistinguível da magia. Sato franziu os lábios, aparentemente entretida com os próprios pensamentos. Baixou os olhos para a mão e, em seguida, os ergueu de volta para a cúpula, na direcção apontada pelo indicador esticado.

Professor, o senhor foi informado de que Peter iria apontar o caminho, correcto? Sim, senhora, mas... Chefe, disse Sato, virando as costas para Langdon, pode nos fazer ver a pintura mais de perto? Anderson aquiesceu. Sim, há uma passarela que contorna a parte interna da cúpula. Langdon olhou bem lá para cima, para a minúscula grade logo abaixo do fresco, e sentiu o corpo se retesar. Não há necessidade de ir até lá em cima. Ele já subira uma vez naquela passarela raramente visitada, a convite de um senador e sua esposa, e quase desmaiara por causa da altura estonteante e da precariedade da estrutura. Não há necessidade?, repetiu Sato. Professor, nós temos um homem que acredita que esta sala contém um portal capaz de transformá-lo em um deus; temos um fresco no tecto que simboliza exactamente essa transformação; e temos a mão de alguém apontando directo para essa pintura. Parece que tudo está nos incentivando a subir.

Na verdade, interveio Anderson, olhando para cima, poucas pessoas sabem disso, mas existe um painel hexagonal na cúpula que se abre como um portal e pelo qual é possível olhar e... Esperem um instante, disse Langdon, vocês estão entendendo mal. O portal que esse homem está procurando é um portal figurado... que não existe. Quando ele disse Peter apontará o caminho, estava falando em termos metafóricos. O gesto da mão que aponta, com o indicador e o polegar esticados para cima, é um símbolo conhecido dos Antigos Mistérios, e aparece na arte antiga do mundo todo. Esse mesmo gesto aparece em três das obras-primas codificadas mais famosas de Leonardo da Vinci: A Última Ceia, A Adoração dos Magos e São João Baptista. É um símbolo da conexão mística do homem com Deus. Assim em cima como em baixo. A bizarra escolha de palavras do louco começava a parecer mais relevante. Nunca vi esse gesto antes, disse Sato. É só assistir à ESPN, pensou Langdon, que sempre achava graça ao ver atletas profissionais apontando para o céu para agradecer a Deus depois de um touchdown ou de um home run. Perguntava-se quantos deles sabiam que estavam dando continuidade a uma tradição mística pré-cristã de reconhecer o poder superior que, por um breve instante, os havia transformado em um deus capaz de realizar feitos milagrosos. Não sei se adianta alguma coisa, disse Langdon, mas a mão de Peter não é a primeira desse tipo a aparecer na Rotunda.

Sato olhou para o professor como se ele estivesse louco. Como é que é? Langdon gesticulou na direcção do BlackBerry dela. Procure no Google George Washington Zeus. A directora fez cara de desconfiada, mas começou a digitar as palavras. Anderson se aproximou dela devagar, olhando por cima de seu ombro com interesse. Langdon disse: Antigamente, esta Rotunda era dominada por uma gigantesca escultura de George Washington nu da cintura para cima... retratado como um deus. Ele estava sentado exactamente na mesma posição que Zeus no Panteão, com o peito à mostra, segurando uma espada na mão esquerda enquanto a direita se erguia com o polegar e o indicador esticados». In Dan Brown, O Símbolo Perdido, 2009, Bertrand Editora, 2009, ISBN 978-972-252-014-0.

Cortesia de BertrandE/JDACT

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Portugal. A Primeira Nação Templária. Freddy Silva.«Pelos próprios actos, Godofredo de Bulhão revelara-se valoroso, discreto, digno e modesto. Os seus servos, em privado, atestaram a sua posse das virtudes que são postas em prática sem qualquer exibição»

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1099. Junho. Fora dos portões de Jerusalém

«A conduta dos vitoriosos sobre os vencidos dependia muito de quem estava no comando de que exército, e as atrocidades, como em qualquer guerra, tornaram-se uma prática normal, a justaposição de extrema voolência e fé angustiada. O ar de repulsa de alguns cruzados estava empalado no cheiro a depravação dos restantes, mas o mesmo se aplicava aos árabes, que massacraram todos oscativos que haviam mantido prisioneiros dentro de uma mesquita.

Uma semana depois de a adrenalina da guerra diminuir, a 22 de Julho, o dia de Maria Madalena, realizou-se um conselho no interior refrescante da Igreja do Santo Sepulcro, para deliberar sobre a eleição de um rei para Jerusalém. De entre os líderes cujos nomes foram sugeridos, destacava-se um, pela antiguidade: o conde Raimundo de Toulouse, muito admirado como combatente e o primeiro a voluntariar-se para a cruzada naquele fatídico dia de Novembro em Clermont. Mas, no fim, os votos foram atribuídos ao homem que não procurara nenhuns.

Pelos próprios actos, Godofredo de Bulhão revelara-se valoroso, discreto, digno e modesto. Os seus servos, em privado, atestaram a sua posse das virtudes que são postas em prática sem qualquer exibição. Os seus ideais para o homem comum impressionaram até os xeques árabes, que se admiraram com a modéstia do príncipe flamengo, pois, quando foram levar oferendas a Godofredo, surpreenderam-se perante uma tenda real desprovida de sedas, e o seu rei sentado num fardo de palha. Informado dos seus comentários, Godofredo esclareceu que o homem deve lembrar-se de que é apenas pó e ao pó voltará. Godofredo marchara até à Cidade Santa com um princípio: libertar o Santo Sepulcro. O benefício pessoal não fora a sua motivação. Quando lhe apresentaram o título de rei de Jerusalém, recusou-se educadamente a ser coroado, aceitando antes o título alternativo de Advocatus Sancti Sepulchri (defensor do Santo Sepulcro) e adoptando o termo informal princeps (primeiro cidadão).

Como mais tarde diria, nunca usarei uma coroa de ouro no lugar onde o Salvador do mundo foi coroado de espinhos. Urbano II, cujas palavras tinham posto em movimento estes acontecimentos, para o bem ou para o mal, nunca saberia dos desenvolvimentos em Jerusalém, pois morreu duas semanas depois do fim do cerco e antes de a notícia lhe poder chegar aos ouvidos. Entretanto, o infatigável Godofredo de Bulhão atravessou o Portão de Sião a sul e saiu das muralhas de Jerusalém, para um caminho que subia um pequeno declive até uma colina calcária onde, segundo a tradição, a Virgem Maria passou para a eternidade e o seu filho fez a Última Ceia. Neste local sagrado, Godofredo encontrou uma igreja quase em ruínas, a Hagia Sião, a Basílica Bizantina da Assunção. O edifício dilapidado mal era habitável, quando mais por um rei, e a sua posição para lá das muralhas protectoras da cidade torná-la-ia difícil de defender, se e quando os exércitos árabes voltassem. Ainda assim, Godofredo fixou aí residência. Mas não iria ali viver sozinho, pois prontamente se lhe juntou um capítulo de cónegos de Santo Agostinho, bem como um ícone religioso por direito próprio, Pedro, o Eremita.

Acontece que, longe de ser um evangelista moribundo, Pedro era tido em grande estima, pois, logo após a conquista de Jerusalém, os cruzados embarcaram noutra campanha militar e deixaram o monge temporariamente no comando da cidade. Pedro , o Eremita, voltou eventualmente a França para se tornar prior de uma igreja do Santo Sepulcro, que fundou antes de entrar em retiro perto de Huy, onde também fundou um mosteiro. Os seus contemporâneos não foram ingratos, nem esqueceram o seu contributo para os mais puros ideais do cristianismo.

Os fiéis, moradores de Jerusalém, que, quatro ou cinco anos antes lá tinham visto o venerável Pedro, reconhecendo nesse tempo, na mesma cidade, aquele a quem o patriarca entregara cartas invocando o auxílio dos príncipes do Ocidente, dobraram os joelhos diante dele e prestaram-lhe os seus respeitos com toda a humildade. Lembraram as circunstâncias da sua primeira viagem; e louvaram o Senhor que o dotara de um efectivo poder de discurso e da força de despertar nações e reis para suportar tantos e tão  longos trabalhos por amor ao nome de Cristo. Tanto em privado como em público, todos os fiéis de Jerusalém se esforçaram por prestar a Pedro, o Eremita , as mais elevadas honras, e atribuíram-lhe a ele apenas, depois de Deus, a sua felicidade por terem escapado à dura servidão sob a qual durante tantos anos haviam gemido, e em ver a Cidade Santa recuperar a sua antiga liberdade. Godofredo de Bulhão». In Freddy Silva, Portugal. A Primeira Nação Templária, 2017, Alma dos Livros, 2018, ISBN 978-989-890-700-4.

Cortesia de EAlmadosLivros/JDACT

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quarta-feira, 6 de dezembro de 2023

Portugal. A Primeira Nação Templária. Freddy Silva.«… o conde Henrique era conhecido do papa Urbano II, que o nomeou um dos doze líderes dessa expedição sagrada. E há mais. Os monges cistercienses eram escritores consumados…»

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Numa terra do oeste da Ibéria chamada Lusitânia

«A aventura do conde Henrique raramente é reconhecida na história. No entanto, as suas viagens até à Palestina são asseveradas por um cronista da Ordem de Cister, que também observou como o conde era acompanhado por um monge português da Ermida de São Julião. Mais provas desta viagem vêm de fontes estrangeiras, nem todas apoiantes dos portugueses, além do mais, como o padre Zapater, cronista da Ordem de Cister na corte espanhola de Aragão. Um relato posterior de um membro da Ordem dos Templários vai ao ponto de afirmar que o conde Henrique era conhecido do papa Urbano II, que o nomeou um dos doze líderes dessa expedição sagrada. E há mais. Os monges cistercienses eram escritores consumados. Redigiram copiosos volumes sobre os acontecimentos do seu tempo, e num desses relatos afirmam que, na Palestina, Henrique venerou os locais sagrados, e, em troca da sua fiel assistência, um grato rei de Jerusalém, um cavaleiro flamengo, deu-lhe a custódia de várias relíquias sagradas, incluindo a lança usada na crucificação de Cristo, amostras da coroa de espinhos e o manto de Maria Madalena.

No fim de 1099, o mesmo rei enviou o conde Henrique de volta a Portugal. Ao chegar, partiu prontamente para a cidade de Braga, acompanhado por Geraldo, o em breve arcebispo francês dessa cidade, após o que depositaram as ditas relíquias sagradas dentro da sua igreja principal. Henrique passou os dois anos seguintes a viajar entre a cidade de Coimbra (para administrar os assuntos de Estado) e a sua corte em Guimarães (para atender à sua esposa negligenciada), antes de embarcar numa segunda viagem à Palestina em 1103, de novo com a frota genovesa, desta vez acompanhado por dom Maurício, bispo francês de Coimbra, juntamente com Guido da Lusitânia e outros nobres da região.Três anos depois, o conde Henrique e o bispo estão de volta a Coimbra, como é evidenciado pela assinatura do conde num documento. Portanto, não só os relatos põem o sempre viajante conde de Portucale em Jerusalém na altura da cruzada, duas vezes, como também oferecem outra revelação: enunciam o nome do cavaleiro flamengo, rei de Jerusalém, que originalmente lhe entregou os artefactos religiosos para que os guardasse em Portucale, pois na descrição dos movimentos do conde Henrique consta que o seu valor era estimado por Godofredo, rei de Jerusalém. O que leva à pergunta: o que aconteceu no cerco de Jerusalém, e como foi que um cavaleiro flamengo de classe social média atingiu o mais alto lugar do poder na cidade de Deus?

1099. Junho. Fora dos portões de Jerusalém

O contorno da cidade tremeluzia e refractava ao calor escaldante do sol de verão. Soldados choravam abertamente ao ver esta aparição divina, a miragem agora demasiado real. E embora se tivessem saído melhor do que a mal organizada Cruzada do Povo, só cerca de doze mil dos trinta e quatro mil cruzados originais chegaram ao destino pretendido. O terreno em torno da cidade no topo da colina era árido devido ao calor implacável. Os homens tinham sede e fome e eram em número insuficiente para montar um cerco. A única opção era um ataque total.

Cruzados vendo Jerusalém pela primeira vez.

Cinco semanas depois, as muralhas da cidade mantinham-se resilientes a todos os ataques. Melhores notícias chegaram a 17 de Junho, quando navios de Génova ancoraram em Jafa para fornecer aos líderes dos exércitos engenheiros competentes e, consequentemente, com a capacidade de construir armas de cerco a partir de madeira canibalizada dos seus navios. O ar abafado tornava a pressa impossível, até que a notícia da chegada iminente de reforços árabes que marchavam desde o Egipto motivou os cruzados a agir. Com um esforço final, lançaram todos os projécteis contra as muralhas da cidade a partir do norte e do sul, até que os muros que protegiam Jerusalém cederam. A vitória era deles». In Freddy Silva, Portugal. A Primeira Nação Templária, 2017, Alma dos Livros, 2018, ISBN 978-989-890-700-4.

Cortesia de EAlmadosLivros/JDACT

JDACT, Freddy Silva, Cultura, Conhecimento, Saber, Narrativa,

terça-feira, 5 de dezembro de 2023

Factos Escondidos da História de Portugal (que os Compêndios não nos dizem). José Ferreira Gomes. «… consolidar a defesa das terras de Portugal aos mouros, os templários começaram a interessar-se por um novo território, desta vez na África Oriental: o reino do Preste João, o rei cristão da Etiópia»


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Símbolos Eternos

Um Plano Geoestratégico Chamado Portugal

Até os inimigos reconheceram a grandeza da nossa História

«A tese que explica o nome de Por (à procura de) Tu (ti)

Gal (Graal), desenvolvida no livro de Freddy Silva, Portugal, a Primeira Nação Templárial, refere não só o que foi o projecto político de criação de um novo estado europeu, mas também, pela primeira vez que a origem dos Cavaleiros Templários é mais antiga do que está oficialmente escrito sobre esta ordem religiosa militar.

A História convencional afirma que, em 1118, nove homens formaram uma irmandade em Jerusalém chamada Cavaleiros Templários, para dar protecção aos peregrinos que viajavam para a Terra Santa,: mas a Ordem do Templo já existia uma década antes no canto oposto da Europa, no seu território mais a ocidente,,. Freddy Silva afirma que em conluio com os monges cistercienses e a misteriosa Ordem de Sião, os Templários levaram a cabo um dos planos mais ousados e secretos da História: a criação do primeiro estado--nação independente na Europa, em que um dos seus [membros era o próprio rei Afonso Henriques de Portugal. Este projecto ao mesmo tempo militar, religioso e político tinha um nome em código, que estava associado ao desígnio dos Cavaleiros do Templo: a busca do Santo Graal, que está consagrada no selo oficial do primeiro rei de Portugal,

Afonso I ou Afonso Henriques, que pode claramente ver-se na carta de atribuição do foral de Ceras, uma pequena aldeia a norte da cidade de Tomar, o futuro grande quartel-general dos Templários em Portugal.

POR, pode ler-se na linha vertical da cruz, de cima para baixo;

TU, lê-se na horizontal, no sentido esquerda-direita dos braços da cruz;

GRAL, lê-se em meia lua, na parte inferior do símbolo, também da esquerda para a direita.

Este é o símbolo que aparece nas moedas de euro cunhadas em Portugal. Com estas explicações, conseguimos perceber a importância da criação de um novo estado-nação na ponta ocidental da Europa continental, tão estreitamente ligado à própria afirmação do espaço europeu cristão contra o Islão, tão geograficamente oposto, mas tão intimamente ligado à reconquista dos lugares santos da peregrinação à Terra Santa. Um projecto feito pelos mesmos cavaleiros, os mais exímios guerreiros, políticos e diplomatas do seu tempo. Poucos anos depois de terem ajudado a conquistar e consolidar a defesa das terras de Portugal aos mouros, os templários começaram a interessar-se por um novo território, desta vez na África Oriental: o reino do Preste João, o rei cristão da Etiópia». In José Ferreira Gomes, Factos Escondidos da História de Portugal (que os Compêndios não nos dizem), 2021, Oficina do Livro, 2021, ISBN 978-989-661-002-9.

Cortesia de OdoLivro/JDACT

JDACT, José Ferreira Gomes, História, Cultura, Conhecimento, O Saber, 

Factos Escondidos da História de Portugal (que os Compêndios não nos dizem). José Ferreira Gomes. «Afonso Henriques decidiu contra Roma e seguiu o seu caminho como se não tivesse de prestar contas ao chefe máximo da Igreja Católica. Estamos a falar de episódios como a nomeação unilateral pelo primeiro rei de Portugal de um bispo negro…»

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Símbolos Eternos

Um Plano Geoestratégico Chamado Portugal

Até os inimigos reconheceram a grandeza da nossa História

«Afinal de onde vem o nome Portugal? Existem diferentes teorias, algumas que proliferam na internet, que tentam encontrar uma explicação para o nome do nosso país. Contudo não parece haver paru já consenso quanto à sua origem. Certo é que o borgonhês conde Henrique' pai de Afonso Henriques, por ter ajudado a combater os sarracenos no noroeste da Península Ibérica, recebeu um condado portucalense que já tinha existido há muitos séculos, que desaparecera e que voltara a reaparecer. O nome já existia de facto. Mas a associação do nome Portugal a um símbolo ou selo do primeiro rei deste território, Afonso Henriques' trouxe-lhe um significado muito mais complexo, profundo e concreto: esse nome e esse símbolo passaram a significar a existência e o resultado de um projecto político-religioso de criação de um novo estado soberano na Europa. Esse projecto chamava-se: Por (à procura de) - Tu (ti) - Gal (Graal)

A expressão, como vemos, tanto remete para a busca milenar do Santo Graal, por exemplo, o Cálice Sagrado da Ultima Ceia, como de uma antiquíssima ideia mística de perfeição ou de um segredo ou conjunto de segredos históricos, filosóficos, astronómicos ou geográficos, ou ainda da independência de um território até então submetido à suserania de outrem. A busca do santo Graal poderia materializar-se através da criação de um novo Estado onde os Templários se pudessem sentir em segurança pelos séculos vindouros, como se adivinhassem já a sua futura perseguição no centro da Europa (o que acabou por acontecer 200 anos depois). Tratava-se de um projecto nascido não só na cabeça de um membro especial dos Templários, o próprio Afonso Henriques, mas nas cabeças dos líderes de uma das mais poderosas organizações do mundo cristão no início do segundo milénio da nossa era.

Para perceber a importância da criação de um novo estado-nação na Europa a partir da iniciativa de uma ordem religiosa como os Templários, convém lembrar que os membros desta organização não declaravam fidelidade e obediência total ao papa da igreja Católica Apostólica de Roma, mas sim, ao seu líder fundador Hugh de Payens (e, mais tarde, ao seu mentor espiritual, Bernardo de Claraval, futuro santo). E, como está comprovado historicamente, seguiam discretamente mais o culto de São João Baptista que valorizava sobretudo o Divino Espírito Santo, do que os rituais católicos apostólicos romanos estabelecidos pelo papa. Ainda hoje, em regiões de predomínio da presença dos Templários, como Tomar, a maior festa (conhecida como Festa dos Tabuleiros, com oferendas aos pobres) é feita em honra do Divino Espírito Santo. O mesmo acontece nos Açores, onde a sucessora Ordem de Cristo estava também fortemente implantada e onde o culto ao Divino Espírito Santo prevalece sobre todos os outros.

Isto é, a assistir o futuro rei de Portugal na criação, estabilização, defesa e engrandecimento de um novo reino, estava uma pequena organização militar, que seguia práticas de culto religioso não totalmente coincidentes (algumas até mesmo divergentes) com os da fé católica estabelecidos por Roma e até conhecimentos místicos ou esotéricos originários no Antigo Egipto. A identificação desta situação é tanto mais importante quanto, em momentos decisivos do relacionamento do novo monarca com o papa, Afonso Henriques decidiu contra Roma e seguiu o seu caminho como se não tivesse de prestar contas ao chefe máximo da Igreja Católica.

Estamos a falar de episódios como a nomeação unilateral pelo primeiro rei de Portugal de um bispo negro, de origem africana, para a Sé de Coimbra, por divergências com Roma sobre a escolha do novo prelado; e também o da doação de terras aos cavaleiros templários na zona de Santarém, pelo auxílio por estes prestado na conquista de Lisboa e das zonas em redor do Tejo aos sarracenos, contra a vontade do bispo de Lisboa nomeado por Roma, que queria essas terras para si e para a sua área de influência». In José Ferreira Gomes, Factos Escondidos da História de Portugal (que os Compêndios não nos dizem), 2021, Oficina do Livro, 2021, ISBN 978-989-661-002-9.

Cortesia de OdoLivro/JDACT

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segunda-feira, 4 de dezembro de 2023

Factos Escondidos da História de Portugal (que os Compêndios não nos dizem). José Ferreira Gomes. «... no século XVII, o combate dos holandeses (além das armas) pela via jurídica e diplomática ao conceito de Mare Clausum,o mar exclusivo, que tinha ajudado decisivamente a construir o Império Português do Oriente…»

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Símbolos Eternos

Um Plano Geoestratégico Chamado Portugal

Até os inimigos reconheceram a grandeza da nossa História

«O grande economista Adam Smith escreveu na abertura do livro A Riqueza das Nações, ainda hoje estudado em todas as universidades do mundo, que a descoberta da América por Colon e a chegada de Vasco da Gama à Índia foram os dois maiores acontecimentos da História. Já o historiador económico norte-americano Leo Huberman escreveu no século XX no seu livro História da Riqueza do Homem que os portugueses dos Descobrimentos foram os criadores do comércio verdadeiramente internacional. No século XVI, portugal foi comprovadamente a primeira potência comercial de dimensão global. Nunca antes nenhuma potência marítima tinha chegado tão longe e abrangido tantos continentes ao mesmo tempo. Mas a partir do final daquele século, com a perda da independência para a Espanha em 1580 e a participação de navios e forças militares portuguesas na Invencível Armada de Filipe II de Espanha, que acabou por ser derrotada pelos ingleses no canal da Mancha, estava ditada â sorte do nosso império: ser disputado em todos os palcos e por todos os meios, navais, militares, políticos, diplomáticos e até religiosos e culturais.

No entanto, no século XVII, o combate dos holandeses (além das armas) pela via jurídica e diplomática ao conceito de Mare Clausum,o mar exclusivo, que tinha ajudado decisivamente a construir o Império Português do Oriente, acabou por levar os nossos concorrentes a fazer um dos mais rasgados elogios aos navegadores lusitanos, que ficou registado para sempre na História do Mundo. Ao pretender contrariar o direito de monopólio comercial e marítimo dos portugueses no Atlântico e no Índico, isto é, acabar com o Mare Clausum, o filósofo holandês Hugo de Grotius escreveu no século XVII,  no capítulo V do seu famoso livro The. Rigbts of 'War and Peace, considerado o fundamento do Direito Internacional:

Porque não há parte alguma do mar em que não tenha havido um português a entrar primeiro, resultaria daí que toda a navegação seria da sua posse! Estaríamos [os holandeses] excluídos de todo o lado. E eles [os portugueses] que andaram por todo o mundo, teriam conquistado todo o oceano para eles. (...) Que os portugueses renovaram a navegação; que o descobriram ]o mar] a [favor de] nações europeias que o não conheciam, com grandes trabalhos, custos e perigos? (...) Quem seria tão louco a ponto de não lhes estar grato? [Mas] devem receber: o mesmo agradecimento e a mesma glória imortal com que todos os grandes descobridores se contentaram. Quantos não se beneficiam a si próprios, mas à Humanidade?»

O discurso de Grotius tinha como objectivo justificar o acesso ao Mare Clausum ou fechado (reservado aos portugueses e aos espanhóis) por parte de outras potências como a Holancla, para a posteridade ficou igualmente registado um dos mais rasgados elogios ao pioneirismo dos portugueses nas mais importantes descobertas por via marítima da História da Humanidade. Mas afinal como se começou a forjar o destino glorioso deste pequeno país?» In José Ferreira Gomes, Factos Escondidos da História de Portugal (que os Compêndios não nos dizem), 2021, Oficina do Livro, 2021, ISBN 978-989-661-002-9.

 Cortesia de OdoLivro/JDACT

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Dan Brown. O Símbolo Perdido. «Ao redor dele, prosseguiu Langdon, podem ver uma estranha e anacrónica série de personagens: deuses antigos oferecendo aos nossos pais fundadores um conhecimento avançado. Podemos ver Minerva…»

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«Tanto Anderson quanto Sato pareciam surpresos. Actualmente, o único indício de que ali já houvera uma chama acesa era a estrela de quatro pontas que representa a rosa dos ventos gravada no piso da cripta um andar abaixo de onde eles estavam, símbolo da chama eterna dos Estados Unidos que um dia havia irradiado sua luz para os quatro cantos do Novo Mundo.

Então, professor, disse Sato, sua tese é a de que o homem que deixou a mão de Peter aqui sabia de tudo isso? Está claro que sim. E sabia muito, muito mais. Esta sala está cheia de símbolos que reflectem a crença nos Antigos Mistérios. Um saber secreto, disse Sato, com um tom de voz que fazia mais do que sugerir sarcasmo. Um conhecimento que permite aos homens adquirir poderes comparáveis aos de um deus? Sim, senhora. Isso não se encaixa muito bem nos fundamentos cristãos deste país. Aparentemente não, mas é verdade. Essa transformação do homem em deus se chama apoteose. Quer a senhora saiba disso ou não, esse tema é o elemento central do simbolismo desta Rotunda. Apoteose? Anderson se virou para ele com uma expressão espantada de reconhecimento.

Sim. Anderson trabalha aqui. Ele sabe. A palavra apoteose significa literalmente transformação divina: o homem que se torna deus. Vem do grego antigo: apo, que aqui significa tornar-se, e theos, deus. Anderson parecia pasmo. Apoteose quer dizer virar deus? Eu não fazia a menor ideia. Do que vocês estão falando?, indagou Sato. Minha senhora, disse Langdon, o maior quadro deste prédio se chama A Apoteose de Washington. E ele mostra claramente George Washington sendo transformado em deus.

Sato fez cara de céptica. Eu nunca vi nada desse tipo. Na verdade, tenho certeza de que viu, sim. Langdon ergueu o indicador e apontou para cima. – Está bem acima da sua cabeça.

A Apoteose de Washington

Um fresco de 433 metros quadrados que adorna a cúpula da Rotunda do Capitólio, foi concluída em 1865 por Constantino Brumidi. Conhecido como Michelangelo do Capitólio, Brumidi deixou sua marca na Rotunda do mesmo modo que Michelangelo deixou a sua na Capela Sistina: pintando um fresco na tela mais sublime do recinto, o tecto. Assim como Michelangelo, Brumidi fizera alguns de seus melhores trabalhos dentro do Vaticano. No entanto, ao emigrar para os Estados Unidos em 1852, ele havia trocado o maior altar de Deus por um novo altar, o Capitólio dos Estados Unidos, que agora reluzia com exemplos de sua arte,  do trompe l’oeil dos Corredores de Brumidi aos frisos do tecto da Sala do Vice-presidente. Mas era a gigantesca imagem que pairava sobre a Rotunda do Capitólio que a maioria dos historiadores considerava a sua obra-prima. Robert Langdon ergueu os olhos para o enorme fresco que cobria o tecto. Em geral ele apreciava as reacções espantadas de seus alunos às bizarras imagens da pintura, mas, naquele momento, sentia-se apenas preso em um pesadelo que ainda precisava entender.

A directora Sato estava parada ao seu lado com as mãos nos quadris, as sobrancelhas franzidas para o tecto distante. Langdon sentiu que ela estava tendo a mesma reacção que muitos tinham na primeira vez em que paravam para observar a pintura no coração de seu país. Perplexidade total. A senhora não é a única, pensou Langdon. Para a maioria das pessoas, quanto mais se olhava para A Apoteose de Washington, mais estranha a pintura ficava. Aquele ali no painel central é George Washington, disse Langdon, apontando para o meio da cúpula quase 60 metros acima. Como a senhora pode ver, ele está usando vestes brancas e, com o auxílio de 13 donzelas, ergue-se acima dos mortais sobre uma nuvem. Esse é o instante da sua apoteose... da sua transformação em deus. Sato e Anderson não disseram nada.

Ao redor dele, prosseguiu Langdon, podem ver uma estranha e anacrónica série de personagens: deuses antigos oferecendo aos nossos pais fundadores um conhecimento avançado. Podemos ver Minerva concedendo inspiração tecnológica aos grandes inventores de nosso país: Ben Franklin, Robert Fulton, Samuel Morse. Langdon os apontou um a um. E ali temos Vulcano nos ajudando a construir um motor a vapor. Ao seu lado temos Ceres, deusa dos grãos e raiz etimológica de nossa palavra cereal; ela está sentada sobre a debulhadeira McCormick, a inovação agrícola que permitiu a este país se tornar líder mundial em produção de alimentos. Do lado oposto está Neptuno, demonstrando como instalar o cabo transatlântico. O fresco retrata de forma bastante clara os nossos pais fundadores recebendo um grande saber dos deuses. Ele baixou a cabeça e olhou para Sato. Conhecimento é poder, e o conhecimento certo permite ao homem realizar tarefas milagrosas, quase divinas». In Dan Brown, O Símbolo Perdido, 2009, Bertrand Editora, 2009, ISBN 978-972-252-014-0.

Cortesia de BertrandE/JDACT

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domingo, 3 de dezembro de 2023

Os Pilares da Terra. Ken Follett. «Quem é você? Meu nome é Tom e sou pedreiro. Foi o que pensei. O que o traz aqui? Estou procurando trabalho, respondeu, prendendo a respiração. John sacudiu a cabeça imediatamente. Não posso empregar…»

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«Seguiram o carro de boi até ao canto do adro onde as pedras estavam empilhadas. Os bois, agradecidamente, mergulharam a cabeça no bebedouro. Onde está o mestre construtor?, perguntou o carroceiro a um pedreiro que passava. No castelo, foi a resposta do pedreiro. O carroceiro balançou a cabeça e virou-se para Tom. Você o encontrará no palácio do bispo, creio. Muito obrigado. Eu que agradeço.

Tom deixou o adro com Agnes e as crianças atrás. Refizeram seus passos pelas ruas apinhadas e estreitas até à frente do castelo. Ali havia outra vala seca e uma segunda imensa fortificação de terra que cercava a praça-forte. Atravessaram a ponte. Na casa da guarda, de um lado do portão, um homem corpulento de túnica de couro estava sentado, contemplando a chuva. Trazia uma espada. Tom dirigiu-se a ele: Bom dia. Sou chamado de Tom Construtor. Quero falar com o mestre construtor, John de Shaftesbury. Está com o bispo, respondeu o guarda indiferentemente. Eles entraram. Como a maioria dos castelos, aquele era uma colecção de edifícios de estilos diversos dentro de uma muralha de terra. O pátio ficava a cerca de cem jardas. Em posição oposta à do portão, do lado mais distante, estava a imponente fortaleza, a última cidadela em tempo de ataque, erguendo-se bastante acima das fortificações, a fim de ter boas condições de observação. À esquerda via-se um agrupamento de casas baixas, a maioria de madeira: um estábulo comprido, uma cozinha, uma padaria e diversos armazéns. Havia um poço no meio. À direita, tomando quase toda a metade norte do conjunto, ficava uma grande casa de pedra que obviamente era o palácio. Era construído no mesmo estilo da nova catedral, com pequenos portais e janelas caracterizadas por terem a parte superior arredondada, e tinha dois andares. Era nova; na verdade, alguns pedreiros ainda estavam trabalhando num canto, aparentemente construindo uma torre. A despeito da chuva, havia muita gente no pátio, entrando ou saindo e correndo de uma construção para outra: homens de armas, sacerdotes, comerciantes, operários da obra e criados do palácio.

Tom podia ver diversas portas no palácio, todas abertas, a despeito da chuva. Não estava bem certo do que deveria fazer a seguir. Se o mestre construtor estava com o bispo, talvez não devesse interromper. Por outro lado, o bispo não era um rei, e Tom era um homem livre e um pedreiro em busca de trabalho legítimo, não um abjecto servo com alguma queixa. Decidiu ser ousado. Deixando Agnes e Martha, atravessou com Alfred o pátio lamacento e entrou pela porta mais próxima do palácio. Os dois se viram numa pequena capela com o tecto abobadado e uma janela na outra extremidade, por cima do altar. Perto da porta, um sacerdote estava sentado a uma mesa alta, escrevendo rapidamente em papel velino. Ele ergueu os olhos. Onde está o mestre John?, perguntou Tom bruscamente. Na sacristia, respondeu o sacerdote, indicando com a cabeça uma porta na parede lateral.

Tom não pediu para falar com o mestre. Achou que se agisse como se estivesse sendo esperado perderia menos tempo. Atravessou a capelinha com algumas passadas e entrou na sacristia. Era uma câmara pequena e quadrada, iluminada por muitas velas. A maior parte do chão era tomada por uma caixa com areia, muito rasa. A areia fina tinha sido perfeitamente alisada com uma régua. Havia dois homens dentro da sacristia. Ambos olharam rapidamente para Tom e voltaram sua atenção para a areia. O bispo, um velho enrugado de olhos brilhantes, estava desenhando na areia com uma varinha pontuda. O mestre construtor, usando um avental de couro, o observava com ar paciente e expressão céptica. Tom aguardou em ansioso silêncio. Tinha que causar boa impressão; ser cortês, mas não servil, e demonstrar conhecimento sem ser presunçoso. Um mestre artesão deseja que os aprendizes sejam tão obedientes quanto talentosos.

Tom sabia disso por sua própria experiência como empregador. O bispo Roger estava esboçando um prédio de dois andares com grandes janelas dos três lados. Era um bom desenhista, fazendo linhas rectas e perfeitos ângulos de noventa graus. Fez uma planta e uma vista lateral da casa. Tom pôde ver que jamais seria construída. Aí está, disse o bispo ao acabar. O que é?, perguntou John, virando-se para Tom. Fingindo pensar que ele tivesse pedido sua opinião do desenho, disse: Não se pode ter janelas tão grandes assim numa cripta. O bispo fitou-o irritado. É uma sala de estudos, não uma cripta. Cairá do mesmo modo. Ele tem razão, disse John. Mas é necessário ter luz para poder escrever. John deu de ombros e virou-se para Tom. Quem é você? Meu nome é Tom e sou pedreiro. Foi o que pensei. O que o traz aqui? Estou procurando trabalho, respondeu, prendendo a respiração. John sacudiu a cabeça imediatamente. Não posso empregar você. O coração de Tom pareceu parar. Teve vontade de girar nos calcanhares, mas aguardou polidamente para ouvir as razões. Já estamos construindo aqui há dez anos, prosseguiu John. Muitos dos pedreiros já possuem casas na cidade. Estamos chegando ao fim, e agora tenho mais pedreiros na obra do que preciso na realidade». In Ken Follett, Os Pilares da Terra, 1989, Editorial Presença, 2007, ISBN 978-972-233-788-5

 Cortesia de EPresença/JDACT

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sábado, 2 de dezembro de 2023

Os Pilares da Terra. Ken Follett. «Havia um andaime no lado leste, com uns oito ou nove metros de altura. Os pedreiros estavam na varanda, esperando que a chuva amainasse, mas os seus serventes subiam e desciam as escadas com pedras nos ombros»

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«A cidade era barulhenta, também. A chuva pouco fazia para amortecer o clamor das oficinas de artesãos, dos vendedores ambulantes apregoando suas mercadorias, das pessoas se cumprimentando, barganhando e discutindo, de animais relinchando, latindo e brigando. Que fedor é esse? - perguntou Martha, erguendo a voz acima do barulho. Tom sorriu. Fazia uns dois anos que ela não entrava numa cidade. É o cheiro de gente, respondeu. A rua era apenas um pouco mais larga do que o carro de boi, mas o carroceiro não quis deixar que os animais parassem, com medo de que não voltassem a andar novamente; assim, continuou batendo neles, ignorando todos  os obstáculos, e os bois prosseguiram forçando o caminho por entre a multidão, empurrando para o lado, indiscriminadamente, tanto um cavaleiro montado num cavalo de batalha quanto um morador da floresta com um arco, um monge gordo num pónei, homens de armas, mendigos, donas de casa ou prostitutas.

O carro de boi veio a ficar atrás de um velho pastor que lutava para manter reunido um pequeno rebanho. Devia ser dia de mercado, pensou Tom. Quando o carro passou, uma das ovelhas entrou pela porta aberta de uma venda de cerveja, e num segundo todo o rebanho estava dentro da casa, em pânico, balindo e derrubando mesas, bancos e jarras de cerveja. O chão que pisavam era um mar de lama e de lixo. Tom tinha a capacidade de observar, num relance, a queda da água da chuva num telhado, e a largura da calha necessária para fazer o escoamento; podia ver que toda a chuva que caía sobre os telhados daquela parte da cidade era drenada pela rua onde estavam. Num temporal forte mesmo, pensou, seria preciso um barco para atravessá-la.

À medida que se aproximavam do castelo na parte mais alta da colina, a rua se alargava. Ali havia casas de pedra, uma ou duas precisando de alguns reparos. Pertenciam a artesãos e comerciantes, que tinham suas lojas e oficinas no térreo e moravam no andar de cima. Examinando com o olhar de quem tinha prática aquilo que estava à venda, Tom podia afirmar que aquela era uma cidade próspera. Todos precisam de ter facas e panelas, mas só gente próspera compra xailes bordados, cintos decorados e broches de prata. Em frente ao castelo o carroceiro fez a parelha de bois virar à direita, e Tom e sua família o seguiram. A rua fazia uma curva de um quarto de círculo, rodeando as defesas do castelo. Passando por outro portão, deixaram o tumulto da cidade tão rapidamente quanto tinham entrado nele e ingressaram num tipo diferente de turbilhão: a diversidade agitada mas ordenada de uma área onde se erguia uma grande construção.

Estavam agora do lado de dentro do adro murado da catedral, que ocupava toda a quarta parte da cidade circular, a noroeste. Tom parou por um momento, observando. Só de ver, ouvir e cheirar aquilo ele se sentia emocionado como num dia de sol. Quando chegaram, à rectaguarda do carro de boi, dois outros saíam, vazios. Em oficinas que se estendiam ao longo das paredes laterais da igreja, pedreiros podiam ser vistos esculpindo os blocos de pedra com seus cinzéis e grandes martelos de madeira, dando-lhes as formas que juntas resultariam em plintos, colunas, capitéis, fustes, arcobotantes, arcos, janelas, peitoris, pináculos e parapeitos. No meio do adro, bem longe das outras edificações, ficava a ferraria, cujo clarão do fogo era visível através do portal; o barulho metálico do martelo batendo na bigorna se espalhava pelo adro, enquanto o ferreiro fazia novas ferramentas para substituir as que os pedreiros iam gastando. Para a maioria das pessoas era uma cena de caos, mas Tom via um imenso e complexo mecanismo que ele ansiava por controlar. Sabia o que cada homem estava fazendo e podia ver instantaneamente até que ponto o trabalho tinha progredido. Estavam construindo a fachada leste.

Havia um andaime no lado leste, com uns oito ou nove metros de altura. Os pedreiros estavam na varanda, esperando que a chuva amainasse, mas os seus serventes subiam e desciam as escadas com pedras nos ombros. Mais acima, no vigamento da estrutura do telhado, estavam os encanadores, como aranhas rastejando numa gigantesca teia de madeira, prendendo folhas de chumbo nos pontos de junção das escoras e instalando os canos de escoamento e as calhas. Tom percebeu que a construção, lamentavelmente, estava quase terminada. Se fosse contratado, o trabalho que restava ali não duraria mais que dois anos, não era tempo bastante para ascender à posição de mestre pedreiro, quanto mais de mestre construtor. Mesmo assim, aceitaria o emprego, pois o inverno estava chegando. Ele e a família poderiam sobreviver sem trabalho, caso ainda tivessem o porco. Mas sem ele, Tom precisava arranjar serviço». In Ken Follett, Os Pilares da Terra, 1989, Editorial Presença, 2007, ISBN 978-972-233-788-5

Cortesia de EPresença/JDACT

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