quinta-feira, 31 de agosto de 2017

Lisboa no 31. Os Dias da Febre. João Pedro Marques. «Passado o turbilhão da guerra, a família regressou à sua vida na planície, mas Carlos não cortou o cordão umbilical que o ligava à serra»

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Carlos Cabral
«(…) Único filho de um fidalgo abastado da região de Ourém, Carlos Cabral nascera em finais de 1810, quando a Beira e o Ribatejo sofriam as inclemências da terceira invasão francesa. Surpreendidos no Buçaco e impedidos de avançar sobre Lisboa pelas fortificações das Linhas de Torres Vedras, os soldados do enorme exército de Massena estacionaram entre Santarém e Rio Maior, derramaram-se pelo terreno e dedicaram os últimos meses do ano a pilhar as povoações e quintas das cercanias, enquanto aguardavam a chegada de reforços e mantimentos (o exército de Massena não seria reabastecido nem reforçado em condições que lhe permitissem abrir caminho para Lisboa, e viria a retirar-se no início de Março de 1811). A insegurança era enorme, havia quadrilhas de salteadores por todo o lado, e o pai de Carlos decidiu avisadamente refugiar-se com a família numa pequena casa térrea, muito discreta e pouco acessível, que possuía na serra de Aire. Foi aí que Carlos nasceu e viveu os primeiros meses de vida.
Passado o turbilhão da guerra, a família regressou à sua vida na planície, mas Carlos não cortou o cordão umbilical que o ligava à serra. Na infância, os seus dias costumavam ser solitários porque os miúdos das aldeias próximas tinham de ajudar os pais nos suores das lavouras e mais trabalhos rurais. Quando se reuniam todos, era um nunca acabar de correr aos ninhos, de roubar fruta nos pomares, de lutas e de banhos no rio. Mas, sem os companheiros, Carlos entretinha-se pouco por casa e, quando não estava retido pelo padre Isidoro, que vinha de Ourém para lhe ensinar contas, gramática e latim, escapava-se regularmente para os contrafortes da serra. Ficava horas esquecidas com os pastores a ouvi-los tocar instrumentos rudimentares e assobiar aos cães e ovelhas. Levava-lhes broa, enchidos e o que pudesse roubar da cozinha, e eles retribuíam com pão duro e cascas de laranja, às vezes, com uma laranja inteira, que naquela paisagem calcária e semiárida, varrida pelo vento, adquiriam um sabor inigualável. Coma mais, menino Carlos, dizia o pastor, cortando o chouriço com o seu canivete e oferecendo-lhe uma rodela prensada entre o polegar e a lâmina enegrecida.
Deixas-me usar o teu canivete, Manuel?, pedia Carlos, de mão estendida, trincando o chouriço. Eu não me corto. Com cuidado..., segurando assim e torcendo no fim, demonstrava o pastor. Atire-me ali uma pedra àquela ovelha que se está a apartar das outras. Deixou de ir à serra quando se mudou para Coimbra, onde fez parte dos preparatórios e cursou leis na austera Universidade. O pai entendera-se com um primo que vivia na cidade com a mulher, para que lhe acolhesse o filho estudante, e durante anos Carlos viveu em casa desses primos já idosos, apoquentando-lhes o sono com os seus horários desgarrados e as suas noites de farra nos bilhares e nas ruas da baixa coimbrã. Com as solicitações da cidade e sem o filtro purificador da serra de Aire, a sua vida mudara do dia para a noite. Ganhara em trepidação e malícia o que perdera em bucolismo e simplicidade.
Em Coimbra, Carlos adquiriu fama de violento. Aparecia regularmente envolvido em cenas de pancadaria e corria nos círculos estudantis da cidade que era desagradável, ou até brutal, com as mulheres que ganhavam a vida nas vielas e nos botequins. Insultava-as, não lhes pagava os serviços, por vezes batia-lhes. Um dia uma dessas prostitutas apresentou queixa contra ele. O primo idoso moveu influências, o caso foi abafado, mas a fama ficou. Era merecida e tinha raízes antigas e profundas. Carlos nunca se esqueceu da sua primeira relação com uma mulher, ou melhor, da sua primeira tentativa, porque nessa ocasião, tinha ele treze anos, não chegou a consumá-la. Tudo ocorrera com uma criada nova, a seguir à fuga da mãe e poucos meses antes de ir para Coimbra». In João Pedro Marques, Os Dias da Febre, Porto Editora, 2010, ISBN 978-972-004-098-5.

Cortesia de PEditora/JDACT

Origens no 31. As Nove Magníficas. Helena S. Cabral. «Apesar de algumas visões negativas, transmitidas sobretudo pelas crónicas escritas em defesa do filho, Afonso Henriques, e da criação do Reino de Portugal…»

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A Autonomista
«Tareja ou Tarásia, como também na época era chamada, foi, do meu ponto de vista, uma das mais curiosas personalidades da História de Portugal. Quebrou com a tradição de poder que prevalecia até então e que o colocava apenas nas mãos dos homens, relegando para as mulheres o papel de rainha consorte e mãe de herdeiros varões. Ao contrário, Teresa foi mãe, mas não deixou de exercer o poder que entendeu lhe devia competir. Foi com astúcia, determinação, inteligência e orgulho que defendeu a autonomia das terras portuguesas durante dezasseis anos. Com efeito, e por muito que isto possa escandalizar os historiadores, quanto mais leio sobre o nascimento da nação, mais me convenço de que ele só foi possível devido ao projecto autonómico conjunto do conde Henrique e de sua mulher. E entendo dever sobressair o papel desta última, que, ao sobreviver ao marido, continuou a sua obra quer no plano estratégico, quer no plano territorial. Será a busca da emancipação e da liberdade, conduzida por dona Teresa, que irá permitir a Afonso Henriques passar ao estádio seguinte e transformar a autonomia em independência.
Apesar de algumas visões negativas, transmitidas sobretudo pelas crónicas escritas em defesa do filho, Afonso Henriques, e da criação do Reino de Portugal, a maioria dos historiadores é unânime na sua admiração pela actuação da condessa. Ela é, aliás, e para azar nosso, uma das personagens menos estudadas da História de Portugal, o que, creio, se deverá ao facto de se tratar de um tempo em que a documentação é escassa e a que existe se torna, a muitos títulos, contraditória. Admite-se que tenha nascido por volta de1075, embora haja quem alegue que tal possa ter acontecido cerca de 1071, como é o caso de Fonseca Benevides. Porém, os autores mais recentes defendem o ano de 1081. Opto pela última data por me parecer a mais conforme com acontecimentos posteriores, nomeadamente o seu casamento. Ignora-se, igualmente, o local em que terá vindo ao mundo. A alvorada da nossa nação está envolta em mistério e, desculpem-me a expressão, numa enorme confusão. Os seus pais foram Afonso VI de Castela e a asturiana Ximena Nunes Gusmão Moniz, uma mui nobre senhora por quem o rei se apaixonou. Há quem argumente que, nessa altura, o rei já estaria viúvo. Porém, outros autores acreditam na versão de que dona Constança Borgonha estaria doente, mas ainda viva. E, se me permitem, inclino-me mais para a última hipótese.
A segunda mulher de Afonso VI, consta que terá tido cinco ou seis, foi dona Constança, e com ela começa o enredo político, religioso e sentimental que marca o início da nossa existência como país. Onde, aliás, figuram, além do casal, outras personagens, entre as quais se destacam o papa, o legado romano cardeal Ricardo, um falso frade de nome Roberto e, finalmente, os monges cluniacenses e os beneditinos de Sahagún. O papa Gregório VII terá escrito uma carta de protesto a Afonso VI na qual lhe exige que se separe da mulher incestuosa, e há quem defenda que se referia a Ximena, mãe de Teresa. Com efeito, naMemórla de São Luís pode ler-se: Afonso VI foi obrigado a separar-se de dona Ximena, mãe de dona Elvira e de dona Teresa, por uma bula do papa São Gregório VII, que vem nos Anais de Baronio do ano 1080 e em Sandoval e em Aguirre. E diz o papa que o matrimónio era nulo por se haver contraído sem dispensa do parentesco que havia entre a actual e a precedente mulher de Afonso. No entanto, a maioria dos historiadores garante que a cólera do pontífice se destinava a Constança, que era parente em quarto grau da primeira mulher do rei, de seu nome Inês de Aquitânia». In Helena S. Cabral, As Nove Magníficas, 2008, Clube do Autor, 2017, ISBN 978-989-724-330-1.

Cortesia de CdoAutor/JDACT

quarta-feira, 30 de agosto de 2017

Rumo ao Farol. Virgínia Woolf. «Cercava-a de alegria. O carrinho de mão, o cortador de relva, o som dos álamos, folhas branqueando antes da chuva, gralhas grasnando, o raspar de vassouras…»


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A Janela
«É claro que amanhã fará um dia bonito, disse a sra.Ramsay. Mas vocês terão que madrugar, acrescentou. Essas palavras trouxeram uma extraordinária alegria a seu filho, como se a excursão já estivesse definitivamente marcada. Após a escuridão de uma noite e a travessia de um dia, o desejo, por tantos anos aspirado, era agora tangível. James Ramsay, sentado no chão, enquanto a mãe falava, recortava gravuras do catálogo das Lojas do Exército e da Marinha. Mesmo aos seis anos de idade, pertencia ao número daqueles que não conseguem separar um sentimento do outro mas, ao contrário, deixam que as expectativas futuras, com as suas alegrias e tristezas, toldem o que no momento está ao alcance da mão. Para tais pessoas, ainda na mais tenra idade, qualquer oscilação de sensações tem o poder de cristalizar e fixar o momento em que repousam, misturadas, alegria e tristeza: assim é que James Ramsay emprestava à fotografia de um frigorífico uma felicidade beatífica. Cercava-a de alegria. O carrinho de mão, o cortador de relva, o som dos álamos, folhas branqueando antes da chuva, gralhas grasnando, o raspar de vassouras, vestidos roçando, tudo isso era tão colorido e distinto na sua mente que ele já tinha o seu código particular, a sua linguagem secreta, embora fosse a imagem da mais pura e inflexível severidade: testa alta, arrogantes olhos azuis, impecavelmente cândido, recriminativo ao deparar com alguma fraqueza humana. Observando-o assim a guiar a tesoura com precisão em torno do frigorífico, a sua mãe imaginou-o num tribunal com uma rútila toga de arminho, ou talvez dirigindo uma empresa durante uma crise financeira.
Mas o dia não ficará bom, disse o pai, parando em frente à janela da sala de visitas. Se houvesse um machado, um atiçador, ou qualquer outra arma à mão que abrisse uma fenda no peito do pai e por onde a vida se escoasse, James a teria empunhado naquele instante. Tais eram os extremos de emoção que o sr. Ramsay despertava no íntimo dos filhos, apenas com a sua presença. Ali estava: de pé, o perfil agudo como uma faca e estreito como a sua lâmina, sorrindo sarcasticamente, não apenas pelo prazer de desiludir o filho e lançar a sua mulher (que era mil vezes melhor do que ele, pensou James) no ridículo, mas sobretudo por causa da certeza íntima que tinha da exactidão de seus julgamentos. O que ele dizia era verdade. Era incapaz de mentir: nunca interferia em alguma coisa ou se pronunciava de modo a dar um pouco de prazer a qualquer mortal, e muito menos a seus filhos, que, desde a infância, ficavam sabendo que a vida é árdua, os factos inflexíveis, e que a passagem para essa terra fabulosa onde as nossas esperanças mais brilhantes se extinguem e as nossas frágeis críticas caem na escuridão exige, acima de tudo,  concluiria o sr. Ramsay, empertigando-se e franzindo os olhos azuis na direcção do horizonte, coragem, lealdade e perseverança.
Mas talvez fique bom, pelo menos espero, disse a sra. Ramsay impacientemente, ao dar um ponto na meia castanha que tricotava. Se a terminasse nessa mesma noite, e afinal fossem mesmo ao Farol, seria dada ao filho do faroleiro, que estava ameaçado de tuberculose, além de uma pilha de revistas velhas e um pouco de fumo. Tudo que encontrassem atirado pelo chão, desarrumando a sala, e que realmente ninguém quisesse para si, seria dado àquela pobre gente que devia morrer de tédio, sentada o dia inteiro, sem nada para fazer, a não ser limpar a lâmpada, acender o lume e revolver um pequeno jardim. Faria qualquer coisa para alegrá-los, pois como poderia alguém gostar de ficar trancado um mês inteiro, num rochedo perdido no meio do ma, e ainda mais, se o tempo estivesse ruim?, perguntou ela. Não receber cartas ou jornais, não ver ninguém; sendo casado, não ver a mulher, não saber como estão os filhos: se adoeceram, se caíram e quebraram a perna ou o braço. Ver sempre as mesmas ondas quebrando tristemente semana após semana, interrompidas no seu ritmo monótono apenas pela tempestade que se aproxima, cobrindo as janelas de espuma, atirando os pássaros de encontro ao Farol, estremecendo tudo, impedindo as pessoas de saírem, com medo de serem varridas para o mar. Como se poderia gostar disso?, perguntou, dirigindo-se principalmente às filhas. Acrescentou, então, num tom bastante diferente, que as pessoas precisavam de levar-lhes todo o conforto possível. É justamente o oeste, disse Tansley. o ateu, que compartilhava do passeio nocturno do sr. Ramsay pelo terraço, mantendo os dedos ossudos afastados para que o vento soprasse por entre eles. Isso significava que o vento soprava da pior direcção possível para se atracar no Farol. Era detestável da sua parte trazer isso à baila e desapontar James ainda mais, admitiu a sra. Ramsay. Realmente ele dizia coisas desagradáveis, mas ela não permitiria que rissem dele». In Virgínia Wollf, Rumo ao Farol, 1920, Publicações Europa-América, 1992, ISBN: 978-972-103-456-3.

Cortesia de PEAmérica/JDACT

terça-feira, 29 de agosto de 2017

O Bosque da Noite. Djuna Barnes. «O desenho fora executado sob a supervisão de Guido, que, cedendo a um impulso de momento, o reivindicou como brasão dos Volkbein, apesar de se tratar de um motivo heráldico há muito declinante»

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Prosterna-te
«(…) Três maciços pianos (Hedvig tocara as valsas do seu tempo com a mestria de um homem, no movimento rápido e acelerado do seu sangue, com a enérgica delicadeza de toque dos vienenses que, apesar de aguilhoados pelo amor ao ritmo, satisfazem tal necessidade à maneira dos duelistas) alongavam-se sobre a espessa amálgama sangue-de-dragão das tapeçarias madrilenas. O escritório abrigava duas secretárias desconexas, de uma preciosa madeira cor de sangue. Hedvig gostava de coisas aos pares ou em trios. No meio arco que existia nas secretárias haviam sido pregadas tachas com cabeças em prata, de modo a desenhar um leão, um urso, um carneiro, uma pomba e, ao centro, uma tocha a arder. O desenho fora executado sob a supervisão de Guido, que, cedendo a um impulso de momento, o reivindicou como brasão dos Volkbein, apesar de se tratar de um motivo heráldico há muito declinante sob o severo olhar papal. As janelas abertas até ao chão (um toque francês que Guido considerava elegante) davam, através das cortinas de veludo nativo ou estofos tunisinos, para o parque e as persianas tinham aquele tom de vermelho particularmente sombrio de que os austríacos tanto gostam. Nos painéis de carvalho, que se elevavam acima da longa mesa até ao tecto arqueado, estavam suspensos os retratos em tamanho natural dos pretensos pai e mãe de Guido. A senhora era uma majestosa florentina de olhos brilhantes e astuciosos e boca peremptória. Compridas mangas com tufos e pérolas subiam quase até às eriçadas pontas da renda engomada que lhe rodeavam a cabeça, cónica e entrançada. A massa profunda das roupas caía à sua volta em arestas sombrias; a cauda do vestido, que se perdia numa perspectiva de árvores primitivas, tinha a espessura de um tapete. Parecia esperar uma ave. O cavalheiro estava precariamente empoleirado num cavalo de batalha. Parecia menos montado no cavalo do que prestes a baixar sobre ele. O azul de um céu italiano estendia-se entre a sela e as nádegas do cavaleiro. O cavalo fora captado pelo pintor a descrever a parte final de um arco, a crina erguida numa ondulação agonizante, e a cauda apontada para a frente, por entre as finas pernas chanfradas. A sua roupa era uma confusa mistura de romanesco e religioso, e na dobra do braço esquerdo trazia um chapéu emplumado, com a copa voltada para fora. No conjunto, a composição poderia ter sido um capricho de terça-feira de Carnaval. A cabeça do cavalheiro colocada a três quartos oferecia uma notável semelhança com Guido Volkbein, a mesma curva de nariz cabalístico e os mesmos traços curtidos e ardentes, excepto no local em que o azul virginal dos olhos arqueava as pálpebras como se um outro órgão que não o da visão estivesse situado sob aquela carne. Não havia qualquer quebra na actividade desse olhar fixo, infinito e objectivo. A semelhança era acidental. Se alguém se desse ao trabalho de tirar as coisas a limpo, teria descoberto que estes quadros eram os retratos de dois intrépidos actores antigos. Guido tinha-os encontrado num qualquer recanto esquecido e poeirento e comprou-os quando se convenceu de que iria necessitar de um álibi para o seu sangue.
Era neste ponto que a história exacta parava para Felix que, trinta anos mais tarde, fizera a sua aparição no mundo com estes factos, os dois retratos e nada mais. A sua tia, sem deixar de pentear as longas tranças com um pente de âmbar, contou-lhe o que sabia, e era tudo o que conhecia do passado de Felix. O modo como Felix crescera, desde o nascimento até aos trinta anos, era por todos desconhecido, pois os passos do judeu errante reproduzem-se em cada um dos filhos. Em qualquer local ou tempo em que o encontremos, sentimos que vem de qualquer lado, pouco importa qual, de um país que devorou mais do que habitou, de uma terra desconhecida que o alimentou mas que ele não pôde receber como herança, pois o judeu em todo o lado parece não ser de parte alguma. Quando se mencionava o nome de Felix, logo três ou quatro pessoas juravam que o tinham visto simultaneamente, na semana anterior, em três países diferentes». In Djuna Barnes, O Bosque da Noite, 1936, 1950, Relógio D’Água Editores, 2010, ISBN 978-989-641-161-9.

Cortesia de Relógiod’águaE/JDACT

A Guerra da Duquesa. Courtney Milan. «Não o viu nem sequer então. Fez-se uma bola, envolvendo o vestido ao redor do seu corpo por trás da barreira do sofá. A sua respiração era ofegante»

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Leicester, Novembro de 1863
«(…) A mulher adiantou um passo e depois outro. A seguir colocou a mão na bolsinha de seda que trazia pendurada no punho e tirou uns óculos. As lentes deveriam ter acentuado o seu ar severo, mas produziram o efeito contrário, suavizaram o seu olhar. Robert a tinha julgado mal. A mulher não apertava os olhos com desdém, entreabria-os para ver melhor. Não era severidade o que via em seu olhar a não ser algo muito diferente, algo que não conseguia identificar de tudo. Ela tomou um cavalo negro do tabuleiro e o virou na mão uma e outra vez. Robert não via nada na peça que merecesse tanta atenção. Era de madeira sólida, sem nada especial. Entretanto, ela a estudava com olhos grandes e luminosos. Logo, inexplicavelmente, levou-a aos lábios e a beijou. Robert olhou-a petrificado. Quase tinha a sensação de interromper um encontro amoroso entre uma mulher e seu amante. Aquela mulher tinha segredos e não queria compartilhá-los. A porta da sala voltou a ranger de novo.
A mulher abriu muito os olhos como se estivesse com medo. Olhou frenética ao seu redor e lançou-se para o sofá; na pressa por esconder-se, aterrou no chão a dois pés de distância de Robert. Não o viu nem sequer então. Fez-se uma bola, envolvendo o vestido ao redor do seu corpo por trás da barreira do sofá. A sua respiração era ofegante e superficial. Menos mal que Robert tinha movido um pouco o sofá ou a mulher jamais teria conseguido esconder atrás dele a ela e ao vestido! Seguia apertando o cavalo na mão; empurrou-o com violência debaixo do sofá. Nessa ocasião ouviram-se passos pesados na estadia. Minnie?, chamou uma voz de homem. Senhorita Pursling? Está aqui? Ela enrugou o nariz e apertou-se contra a parede. Não respondeu. Uau!,disse outra voz que Robert não reconheceu. Uma voz jovem e meio pastosa pela bebida. Não invejo a essa mulher. Não fale mal da minha quase prometida, respondeu a primeira voz. Sabe que é perfeita para mim. Essa ratinha tímida? Cuidará bem de casa. Se ocupará do meu conforto. Encarregar-se-á dos meninos e não se queixará das minhas amantes, se ouviu um ranger de dobradiças, o som inconfundível de alguém que abria uma das portas de cristal que protegiam as estantes de livros.
O que faz, Gardley?, perguntou o homem bêbado. A procura entre os volumes em alemão? Não acredito que caiba aí, terminou com uma gargalhada. Gardley. Podia ser o ancião senhor Gardley, dono de uma destilaria, mas a voz soava jovem, assim devia ser o senhor Gardley filho. Robert tinha-o visto à distância: um indivíduo apagado de estatura média, cabelo castanho e traços que lhe recordavam vagamente os de cinco pessoas mais. Ao contrário, dizia o Gardley jovem. Acredito que caberia muito bem. No que se refere a esposas, a senhorita Pursling será igual a esses livros. Quando queira lê-la, ela estará aí. Quando não, esperará pacientemente, no mesmo lugar onde a deixei. Será uma esposa cómoda para mim, Ames. Além disso, a minha mãe aprova. Robert não acreditava conhecer Ames. Encolheu os ombros e olhou a que supunha ser a senhorita Pursling para ver como reagia a essa revelação. Ela não se mostrava nem surpreendida nem escandalizada pelos comentários pouco românticos do seu quase prometido. Parecia mais era resignada.
Terá que se deitar com ela, sabe?, perguntou Ame. Certo. Mas, graças a Deus, não muito frequentemente. É como um camundongo. E como todos os ratos, é claro que chiará quando nela se enterrar. Houve um ruído surdo. O que?, protestou Ames. Está falando de minha futura esposa. Robert pensou que possivelmente Gardley não fosse tão mau depois de tudo. Até que o ouviu continuar: eu sou o único que pode pensar em se enterrar nesse camundongo. A senhorita Pursling apertou os lábios e ergueu a vista como se implorasse ao céu. Mas dentro da biblioteca não havia céu ao que implorar. E quando ergueu a vista e olhou através da separação das cortinas… Seu olhar encontrou-se com o de Robert. A mulher abriu muito os olhos. Não gritou nem lançou um coice. Nem mesmo se moveu. Simplesmente lançou-lhe um olhar terrivelmente acusador e lhe tremeram as ventas do nariz». In Courtney Milan, A Guerra da Duquesa, Edições ASA, 2017, ISBN 978-989-233-743-2.

Cortesia de EASA/JDACT

A Guerra da Duquesa. Courtney Milan. «A luz da rua lançava sombras imóveis sobre o pavimento. Alguém tinha empilhado um montão de folhetos contra a porta, mas a brisa outonal os tinha espalhado pela rua»

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Leicester, Novembro de 1863
«Robert Blaisdell, nono duque de Clermont, não se escondia. Era certo que tinha subido à biblioteca da Casa do Conselho, que se tinha afastado bastante da multidão em baixo, de modo que o ruído tinha-se convertido num retumbar distante. E era certo que não havia mais ninguém por ali. E que estava de pé atrás de grossas cortinas de veludo azul cinzento que o ocultavam da vista. Como também era certo que, para chegar ali, tinha tido que mover o velho sofá de couro marrom.  Mas não tinha feito tudo isso para se esconder, mas sim porque, e isso era um ponto chave na sua linha de pensamento lógico, naquela sala centenária de madeira e gesso apenas uma das folhas da janela se abria e, casualmente, era a que ficava escondida atrás do sofá. Ali estava, cigarro em mãos, com a fumaça elevando-se no frio ar outonal. Não se escondia, só tentava preservar da fumaça os livros antigos.
Uma desculpa na qual possivelmente ele mesmo teria acreditado... Se fosse fumante. Através do cristal velho podia distinguir a pedra escurecida da igreja situada justo em frente. A luz da rua lançava sombras imóveis sobre o pavimento. Alguém tinha empilhado um montão de folhetos contra a porta, mas a brisa outonal os tinha espalhado pela rua e jogados nas poças d'água. Aquilo era um desastre. Um condenado desastre. Robert sorriu e golpeou a ponta do cigarro contra a janela, lançando cinzas nas pedras em baixo. O fraco rangido de uma porta, abrindo-se, sobressaltou-o. Voltou-se ao ouvir o ruído das tábuas de madeira do chão. Alguém tinha subido as escadas e tinha entrado na biblioteca. Os passos eram leves…, de mulher, possivelmente, ou de um menino. Também eram estranhamente hesitantes. A maioria das pessoas que subia à biblioteca no meio de um sarau musical tinha um motivo para fazê-lo. Um encontro clandestino, talvez, ou a busca por um parente perdido.
De seu lugar privilegiado atrás das cortinas, Robert podia ver apenas uma parte da sala. A pessoa em questão se aproximou mais, com passos ainda hesitantes. Não podia vê-la, mas a ouvia deter-se frequentemente para examinar o que a rodeava. Não chamava a ninguém nem fazia uma busca decidida. Não parecia estar à procura de um amante oculto. Mas os seus passos davam a volta em torno da sala. Robert demorou meio minuto em dar-se conta de que tinha esperado muito para anunciar a sua presença. Oh!, podia dizer. Estava admirando o gesso. Está muito bem posto neste lado, não lhe parece? A mulher, pois Robert estava seguro de que era uma mulher, o tomaria por louco. E até ao momento, ninguém tinha chegado ainda a essa conclusão. Assim, em vez de falar, jogou o cigarro pela janela e este caiu com a ponta laranja brilhante para o chão até que aterrou numa poça e se apagou.
Quão único via do cómodo era meia estante de livros, a parte traseira do sofá e, ao lado, uma mesa com um jogo de xadrez em cima. O jogo estava iniciado. Pelo pouco que recordava Robert das regras, estavam a ganhar as negras. A visitante se aproximou e Robert encostou-se mais à janela. Ela entrou no seu campo de visão. Não era uma das jovens às quais tinha visto antes no salão. Essas eram todas belezas que esperavam que prestassem atenção nelas. E a visitante, quem quer que fosse, não era uma beleza. Levava o cabelo moreno recolhido num rolo na nuca. Os seus lábios eram finos; e o seu nariz, afilado e um pouco grande. Usava um vestido azul-escuro com cós de cor de marfim, sem rendas nem laços, só de tecido singelo. Até o corte do vestido parecia severo: uma cintura tão apertada que Robert não sabia como podia respirar e umas mangas que caíam dos ombros até aos pulsos sem nenhuma sobra de tecido de enfeite que suavizasse a imagem. Não viu Robert atrás da cortina. Tinha inclinado a cabeça de lado e contemplava o jogo de xadrez com a mesma expressão com a qual um membro da Liga da Moderação olharia uma garrafa de brandy, como se fosse um diabo ao qual teria que espantar com orações e hinos. Ou, na sua falta, com a lei marcial». In Courtney Milan, A Guerra da Duquesa, Edições ASA, 2017, ISBN 978-989-233-743-2.

Cortesia de EASA/JDACT

segunda-feira, 28 de agosto de 2017

O Baile de Máscaras. Joanna Taylor. «Ando pelos corredores estreitos e descubro o meu vendedor favorito. É um homem velho com uma roupa mal-amanhada feita de retalhos»

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«(…) Kitty deve estar na taberna de gin. Ainda não suporto vê-la lá. Por isso caminho até ao mercado de aves, a algumas ruas de distância. Piccadilly, onde arrendámos o nosso quarto, tem passeios de um bom tamanho, o que significa que nós, mulheres da rua, podemos manter os nossos sapatos limpos sem termos de pagar por uma liteira. A nossa zona não é tão elegante como Mayfair, onde mrs. Wilkes tem a sua famosa casa. Mas a rua atrai um fluxo decente de aristocratas mais jovens, à procura de qualquer diversão que o dinheiro lhes possa proporcionar. A noite cai e os vendedores aglomeram-se na rua para anunciar os seus produtos. Raparigas com cestas de fruta ou de camarão à cabeça andam por ali. Homens empurram carroças com quinquilharia para vender às gentes embriagadas da cidade. O mercado das aves está a fechar quando eu chego, e os vendedores cobrem as gaiolas maiores com panos. As gaiolas mais pequenas para venda ainda estão penduradas num varal, ou dispostas no chão de terra. Há gaiolas de vime em forma de lágrima, criações caóticas de arame e o ocasional aviário elaboradamente trabalhado. Gaiolas ainda mais estranhas abrigam os próprios pássaros.
Ando pelos corredores estreitos e descubro o meu vendedor favorito. É um homem velho com uma roupa mal-amanhada feita de retalhos. Mas os seus olhos azuis são felizes, como se ele não se desse conta do ambiente baixo que o rodeia. Bom dia para ti, Queenie, cumprimenta ele, tirando um boné imaginário e sorrindo. Queenie foi um apelido que me fora dado porque alguns clientes da taberna de gin achavam que eu me comportava como uma rainha. É geralmente usado como insulto. Mas não me importo que o homem dos pássaros o utilize. Acho que ele lhe dá um significado diferente. Vens comprar um pássaro?, pergunta. Eu aceno com a cabeça. As suas velhas mãos já procuram uma ave na grande gaiola das aves. Vejo os seus dedos vermelhuscos moverem-se a toda a velocidade e apanharem um estorninho. Tira o pássaro assustado pela abertura com todo o cuidado, fecha a gaiola e apresenta-mo num movimento hábil. Gostas deste amiguinho?, pergunta, segurando o estorninho, que pipila. Examino a criatura que o homem dos pássaros prende com uma delicadeza notável. Aceno com a cabeça em concordância e sorrio. Vai juntar-se aos outros? Pergunta o homem dos pássaros, com uma piscadela de olho». In Joanna Taylor, O Baile de Máscaras, 2015, Edições ASA II, 2016, ISBN 978-989-233-518-6.

Cortesia de EASA/JDACT

A Sétima Praga. James Rollins. «A alta sacerdotisa ajoelhou-se nua na areia e soube que o momento havia chegado. Os presságios tinham-se acumulado, cada vez mais prementes»

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«As coisas têm aquecido ultimamente, não só as temperaturas globais, mas também o próprio debate em torno das alterações climáticas. Nos últimos anos, a discussão evoluiu de será que o aquecimento global é real?, para as quais as causas e o que poderemos fazer para o evitar? A verdade é que os antigos cépticos se viram obrigados a reconhecer que o planeta está a mudar, seja pelo degelo de glaciares por toda a parte, pelo desaparecimento acelerado da placa de gelo da Gronelândia ou pela subida progressiva das temperaturas dos oceanos. O próprio clima tornou-se mais extremo, com períodos de seca persistentes e inundações maciças. Tal como foi anunciado em Fevereiro de 2016, o território do Alasca registou o segundo Inverno mais quente de sempre, tendo-se verificado valores na ordem dos 12 graus Celsius acima da temperatura média habitual. Em Maio do mesmo ano, medições via satélite deram conta de uma diminuição do gelo ártico para novos níveis mínimos. Porém, a questão mais assustadora, é esta: para onde estamos a caminhar? Pouco discutida, a resposta é surpreendente, embora baseada em dados concretos e científicos. Mais chocante, ainda, já aconteceu no passado. Cépticos ou crentes, estarmos avisados significa estarmos preparados para o que aí vem. Está na altura de conhecer a verdade assombrosa sobre o futuro do nosso planeta.

Primavera, 1324 a.C.
Deserto da Núbia, sul do Egipto
A alta sacerdotisa ajoelhou-se nua na areia e soube que o momento havia chegado. Os presságios tinham-se acumulado, cada vez mais prementes, tornando-se uma certeza. A oeste, levantou-se uma tempestade de areia em direcção ao sol, transformando o céu azul num manto negro empoeirado, entrecortado pelo clarão de relâmpagos. O inimigo encontrava-se cada vez mais perto. Em preparação, Sabah rapara todos os pelos do corpo, incluindo as sobrancelhas por cima dos olhos pintados. Banhara-se nas águas à esquerda e à direita, dois afluentes que saíam do deserto profundo e corriam para norte, para depois se juntarem nessa sagrada confluência que dava origem ao poderoso rio a que os antigos reis dos heqa khasewet chamavam Nahal. Imaginou o seu curso sinuoso que banhava as cidades de Luxor, Tebas e Mênfis, a caminho do grande mar azul que se estendia para lá das terras férteis do delta. Apesar de nunca ter visto a região com os próprios olhos, ouvira histórias.
Essas eram as terras que os antepassados de Sabah tinham abandonado há mais de um século, para escaparem ao período das pragas, fome e morte, acossados por um faraó entretanto desaparecido. À maioria das outras tribos do delta procurara refúgio nos desertos a leste, conquistando essas terras e erguendo um reino que fosse deles, mas o povo de Sabah vivera numa área mais a sul ao longo do rio, perto de Djeba, no distrito egípcio de Wetjes-Hor, conhecido como o Trono de Hórus. Durante o período das trevas e morte, a tribo cortara as raízes que os ligavam àquele lugar, fugindo rio acima, para lá dos domínios do reino egípcio, rumo ao deserto núbio. Eram uma tribo de estudiosos, escribas, sacerdotes e sacerdotisas, guardiões de grande conhecimento. Tinham-se refugiado na vastidão do deserto com o propósito de protegerem esse saber durante os tempos turbulentos que se seguiram às pragas, quando o Egipto fora invadido por um inimigo a leste, um povo de guerreiros com bigas velozes e armas de bronze superiores, que logo conquistaram as cidades egípcias enfraquecidas, quase sem disparar uma única flecha». In James Rollins, A Sétima Praga, 2016, Bertrand Editora, 2017, ISBN 978-972-253-415-4.

Cortesia de BertrandE/JDACT

domingo, 27 de agosto de 2017

Melancia. Marian Keyes. «Boa noite, cavalheiros, desejam uma bebida? Isso os deixava tão agradecidos, entende? Depois, não fazia a mínima…»

Cortesia de wikipedia e jdact


«(…) Como eu sempre digo, há tempo e lugar para a espontaneidade.
De qualquer modo, dei um jeito de arrumar um trabalho para mim como garçonete naquele badalado restaurante de Londres, com música alta, telões e pequenas celebridades. Bem, para ser honesta, havia mais pequenas celebridades entre os empregados do que na clientela, já que a maior parte dos funcionários era composta de actores e modelos desempregados. Nunca cheguei a entender como consegui um emprego ali. Talvez tenha sido contratada como símbolo da Garçonete Saudável. Antes de mais nada, eu era a única garçonete mais baixinha e gordinha. E, embora pudesse não ser uma modelo em potencial, acho que tinha um certo tipo, digamos, de encanto natural, sabe, cabelo curto e brilhante, olhos azuis, sardas, belo sorriso, esse tipo de coisa. E era tão inexperiente e ingénua. Nunca percebia quando entrava um rostinho bem maquilhado de alguma estrela do teatro ou da televisão. Mais de uma vez, eu estava servindo (e uso a palavra no seu sentido mais livre possível) alguma mesa com algumas pessoas (e também uso essa outra palavra no seu sentido mais livre possível), quando uma das outras garçonetes me dava uma cotovelada (derramando molho de churrasco escaldante na virilha de um infeliz cliente) e sussurrava algo como: esse sujeito que está servindo não é fulano de tal, daquela banda? E geralmente eu respondia: que sujeito? Aquele com roupa de couro? (Lembre-se, eram os anos 80.).
Não, sussurrava ela, em resposta. Aquele com cachos louros e usando o batom Chanel. Não é aquele cantor? Ah, é?, gaguejava eu, sentindo-me por fora e tola, por não saber quem era aquela pessoa. De qualquer jeito, eu adorava trabalhar. Emocionava-me até à medula de classe média dos meus ossos burgueses. Parecia tão charmoso e excitante acordar todos os dias à uma da tarde, ir trabalhar às seis, terminar à meia-noite, embriagar-me em seguida com o barman e, mais tarde, com os ajudantes de garçom. Enquanto estava lá na Irlanda, a minha pobre mãe chorava lágrimas amargas ao pensar na sua filha, com educação universitária e servindo hambúrgueres a estrelas pop. E nem sequer estrelas pop lá muito famosas, para piorar as coisas. Trabalhava ali há cerca de seis meses, na noite em que conheci James. Foi uma sexta, tradicionalmente a ocasião em que os BE frequentavam o nosso restaurante. BE, claro, queria dizer babacas-de-escritório.
Toda a sexta-feira, às cinco horas, qual túmulos expelindo seus mortos, os escritórios em todo o centro de Londres liberam o seu pessoal para o fim de semana, e então hordas de funcionários pálidos, com espinhas, mal vestidos, caem em cima de garçonetes, todos de olhos arregalados e cheios de ansiedade, procurando as estrelas e querendo encher a cara, qualquer das duas coisas em primeiro lugar. Era norma para nós, garçonetes, ficarmos ao largo, com um ar de desdém para a clientela desse tipo, sacudindo as nossas cabeças com piedade descrente diante dos trajes, cortes de cabelo etc. dos pobres clientes, ignorando-os durante os primeiros cerca de quinze minutos da sua visita, passando por eles às pressas, com brincos e braceletes tilintando, obviamente fazendo alguma coisa mais importante do que atender às suas patéticas necessidades e, afinal, após reduzi-los até quase às lágrimas de frustração e fome, seguir requebrando até as mesas com um imenso sorriso, caneta e um bloco de pedido. Boa noite, cavalheiros, desejam uma bebida?
Isso os deixava tão agradecidos, entende? Depois, não fazia a mínima diferença se os pedidos de bebidas estavam completamente errados ou se a comida jamais aparecia; mesmo assim, deixavam uma gorjeta enorme, a tal ponto se sentiam com sorte por receber a nossa atenção. O nosso lema era: não apenas o cliente está sempre errado, como provavelmente estará muito mal vestido para ganhar a discussão. Na noite em questão, James e três dos seus colegas sentaram-se no meu sector e atendi os seus pedidos da minha maneira normal, ou seja, irresponsável e avoada. Não lhes dei a menor atenção, mal ouvindo o que diziam ao anotar o pedido, e não os olhei directamente sequer uma vez. Se tivesse feito isso, talvez notasse que um deles (sim, James, claro) era muito simpático, com o seu jeito, cabelos negros, olhos verdes, um metro e oitenta. Eu deveria olhar para além do terno e ver a alma do homem. Ah, superficialidade, vosso nome é Claire. Mas eu queria ficar lá nos fundos com as outras garçonetes, bebendo cerveja, fumando e falando de sexo. Clientes eram uma interferência mal recebida. Será que a carne pode vir mal passada, por favor?» In Marian Keyes, Melancia, 1995, Edição Bertrand Brasil, 2003, ISBN 978-852-860-916-5.

Cortesia de EBertrandB/JDACT

A Princesa Traída por Pedro e Inês. Isabel Machado. «… desfez o tratado, quebrando a honra da palavra dada e o juramento perante as Cortes. E assim fez. Repudiou-me…»

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Constança
Castelo de Toro, Castela, 1328
«(…) A magnificência era o mundo que me rodeava. Para o Castelo de Toro, um importante centro de defesa da corte de Castela e do rei, Afonso XI, convergiam embaixadas do papa e dos monarcas de toda a Península e dos reinos cristãos europeus. À minha mesa serviam-se bandejas com as melhores viandas e manjares. Faziam-se de vénias fundas os cumprimentos que me eram dirigidos. Não era surpreendente esta postura. Eu fora rainha de Castela desde os 7 anos, mulher de Afonso XI, com esponsais ratificados nas Cortes de Valladolid, onde houve dias de pompa e festa de rua. Eram-me devidas todas as honrarias como esposa de um dos mais poderosos e temidos reis da Ibéria. Mas estes factos, verdadeiros, não tinham quaisquer direitos sobre a realidade. Porque eu era refém do rei, prisioneira no castelo. Carregava uma coroa que nunca vira e desposara um homem que jamais me faria mulher. Afonso XI congeminara este casamento para travar a revolta de meu pai, Juan Manuel, neto, sobrinho e primo de reis de Castela, príncipe de Vilhena e senhor de Peñafiel, o nobre e académico mais prestigiado do reino, primo e tutor do monarca, que o afastara mal atingira a maioridade e se sentara no trono.
O logro do matrimónio ludibriou meu pai algum tempo, tão grato lhe era o poder. Acreditou, como um principiante, que alastraria ainda mais o seu já imenso domínio nas terras de Castela, com a filha sentada no trono. Mas o desengano foi terrível, e não tardou a ser conhecida a verdadeira intenção do rei castelhano, meu marido: obter a mão da sua prima direita, a infanta Maria de Portugal, filha do rei Afonso IV e de Beatriz de Castela, uma aliança muito mais proveitosa para consolidar o seu poder na Ibéria e perante as facções da nobreza castelhana que o queriam fora do trono. Afonso XI era familiar dos reis de Portugal pelos dois lados da família; filho da irmã de Afonso IV, dona Constança e do irmão de dona Beatriz, o rei Fernando IV de Castela. A ligação com Portugal também o auxiliaria no combate aos mouros, que ainda permaneciam no reino de Granada, uma ameaça latente. Era esta, pelo menos, a sua convicção quando desfez o tratado, quebrando a honra da palavra dada e o juramento perante as Cortes. E assim fez. Repudiou-me, casou com a infanta de Portugal, atirando-me como refém para o Castelo de Toro, para impedir a retaliação de meu pai.
Se o orgulho de Juan Manuel ficou ferido, jamais o mostrou, mas o desejo de vingança foi bem perceptível, com o ódio visceral como só os laços familiares alcançavam. Guardei para mim a minha humilhação, calando que não existe maior vexame para uma mulher do que o repúdio do seu esposo, mesmo que não o seja ainda pela carne. O que se manteve intacta foi a minha determinação de vir a libertar-me desta existência atormentada. O meu curto passado narrava ainda o assassínio do meu primeiro noivo, aliado de meu pai contra o rei, por ordem de Afonso XI. Não me tornei ainda mulher, mas a minha aprendizagem ensinou-me a encobrir os pensamentos, mal aprendi a falar. O poder costumava cegar, e aquela vez não foi uma excepção. Afonso XI avaliara mal o alcance da influência de Juan Manuel, o único homem, em toda a Ibéria, com poder para arrancar do trono o monarca castelhano.
A ira de meu pai tornara-se mais funda pela traição do rei de Portugal. Mais violenta. Afastado e ludibriado pelo rei castelhano, que ajudara a criar, e pelo velho amigo português dos tempos da juventude, meu pai seria agora capaz de tudo. E sabia que podia contar com o meu auxílio. Eu não lhe falharia, apesar do medo que me provocava o ódio que lhe passava pelos olhos. Mas só ele me poderia salvar. Eu intuíra cedo que nada é impossível quando a ambição tomava conta de alguém. Meu pai precisava apenas de um novo aliado. Mas não de um aliado qualquer». In Isabel Machado, Constança, A Princesa Traída por Pedro e Inês, A Esfera dos Livros, 2015, ISBN 978-989-626-718-6.

Cortesia de EdosLivros/JDACT

As Grandes Sociedades Secretas. Davis V. Barrett. «Nem todos os soldados seguiam o Mitraísmo, mas os que a ele pertenciam partilhavam uma camaradagem no mundo exterior, reconhecendo-se, porventura, através de sinais secretos»

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Zoroastrismo
«(…) Embora monoteísta, o Zoroastrismo também ensinava o princípio de um poder bom e de um poder mau. Este, o Angra Mainyu, com os seus demónios e o controlo do mundo através do homem, com o seu conhecimento da lei de Deus, consegue desviar-se das trevas para a luz. Será esta, provavelmente, a origem das crenças dualistas dos gnósticos. Os Reis Magos do Evangelho de Mateus e de cada representação da natividade eram zoroastrianos; havia muito comércio entre persas, judeus, gregos e egípcios, sendo a capital síria Antioquia, onde Mateus terá escrito o seu Evangelho, um movimentado porto comercial. Alguns zoroastrianos dos nossos dias são conhecidos como Parses ou Pársis (Persas), sobretudo na Índia, ou como Mazda-yasnianos (que veneram Ahura Mazda).

Mitraísmo
Mitra foi um dos Deuses persas incorporado no Zoroastrismo; era a divindade dos contratos e dos acordos, e estava associada ao Sol. O Mitraísmo foi uma religião popular no Império Romano entre os séculos II e V sobretudo entre os soldados e os agentes do Império. Enquanto no Zoroastrismo havia alguma igualdade de tratamento entre homens e mulheres, o Mitraísmo era uma religião exclusivamente masculina. Vestígios arqueológicos romanos na Grã-Bretanha mostram que o Mitraísmo era uma religião muito mais disseminada e importante entre os romanos do que o Cristianismo, tendo esta ido beber muito àquela durante o seu desenvolvimento. Mitra era, a um tempo, um Deus do Sol (o termo persa Mihr significa Sol) e um Deus salvador; Plutarco referia-se a ele como sendo o Mediador entre o homem e o Deus supremo. É provável que o dia de louvor a Mitra fosse o domingo; um dos principais festivais realizava-se no solstício de Inverno, celebrado a 25 de Dezembro. Existem ainda indícios de que os seguidores de Mitra celebravam uma refeição ritual, embora com pão e água, em vez de vinho.
Os rituais eram realizados em grutas, caves ou templos decorados que para parecerem grutas, representando a gruta cósmica ou universo. Havia sete níveis de iniciação: Corvus (Corvo), Nymphus (Noiva), Miles (Soldado), Leo (Leão), Perses (Persa), Heliodromus (Mensageiro do Sol) e Pater (Pai). Não era invulgar, por exemplo, que um soldado de patente média chegasse a um nível mais elevado de iniciação do que um superior militar. Pouco se sabe acerca dos rituais, salvo que eram realizados em segredo, contando apenas com a presença do iniciado. Julga-se que os novos iniciados teriam de encontrar o caminho através de passagens escuras até chegarem à luz: um simbolismo óbvio. Aparentemente, o ritual também incluía uma representação simbólica da morte e da ressurreição. Nem todos os soldados seguiam o Mitraísmo, mas os que a ele pertenciam partilhavam uma sensação especial de camaradagem no mundo exterior, reconhecendo-se, porventura, através de sinais secretos.
Embora, a nível histórico, possa não haver grandes ligações entre eles, quando as há de todo, existem paralelos óbvios com a estrutura, o secretismo, os rituais e a camaradagem e apoio mútuo exclusivamente masculinos da Maçonaria e outras sociedades iniciáticas posteriores. O Mitraísmo foi apenas uma das várias religiões de mistério nos séculos imediatamente antes e depois de Cristo. Uma religião de mistério era um culto, ou sociedade religioso-mágica, que só revelava os seus segredos, ensinamentos e rituais aos iniciados; o termo mistério tem raízes gregas que significam coisa ou cerimónia secreta» e iniciado. A iniciação envolve amiúde a morte e o renascimento simbólicos, marcando esse simbolismo uma presença acentuada nos outros rituais. Os segredos da religião eram ainda revelados progressivamente, através de uma série de iniciações, a cada vez menos pessoas à medida que os iniciados subiam os degraus da carreira espiritual. Outras religiões de mistério baseavam-se, entre outros Deuses, em Dioniso, Ísis e Osíris, Cibele e Átis, Deméter e Perséfone (os mistérios eleusinos), e Orfeu; este último, o movimento órfico, ensinava que existe uma centelha do divino no fundo da natureza material de cada pessoa». In David V. Barrett, As Grandes Sociedades Secretas, 1997, 2007, Clube do Autor, 2016, ISBN 978-989-724-333-2.

Cortesia de CdoAutor/JDACT

sábado, 26 de agosto de 2017

As Grandes Sociedades Secretas. Davis V. Barrett. «Um motivo para a desconfiança dos cristãos evangélicos em relação à Maçonaria, ao Rosacrucianismo e outras formas esotéricas de crença religiosa»

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«(…)
Entre o Tigre e o Eufrates
À 1uz da repressão política e religiosa de finais do século XX, talvez seja estranho recordar que o berço da civilização se situou no actual Iraque, na zona fértil entre os rios Tigre e Eufrates, e as cidades de Bagdade, a norte, e Baçorá, no topo do golfo Pérsico. Os Sumérios viveram à volta do Eufrates austral há mais de 6000 anos; os Acádios, o nome dado à raça semítica que se instalou na Suméria e na Acádia, especificamente a Babilónia, há 5000 anos. Estes povos dispunham de agricultura, de cidades e de uma sociedade sofisticada, com religião e sacerdócio organizados, e ergueram templos, os zigurates. As mitologias suméria, babilónica e assíria estão na base da mitologia da tribo de Abraão, Isaac e Jacob, de onde viria a desenvolver-se a religião judaica e, mais tarde, o Cristianismo. Já se provou que muitos dos mitos hebraicos remontam a versões babilónicas e sumérias muito anteriores a eles.
O Islão, que também reconhece os patriarcas e os profetas judaicos, desenvolveu-se, no início do século VII, naquela que é agora a costa sudoeste da Arábia Saudita e espalhou-se rapidamente, chegando aos actuais Iraque e Irão poucos anos depois da morte de Maomé, havendo uma grande influência persa sobre essa religião nos seus primeiros dias. Note-se que aqueles que hoje são conhecidos como Acádios se deslocaram para a Suméria, assimilando gradualmente os Sumérios sem os desalojar eles levaram a sua língua, embora tenham adoptado a escrita cuneiforme suméria. No entanto, continuaram a usar a língua suméria, e não a sua, para os rituais religiosos, acabando os segredos sacerdotais por passar a ser ditos na língua dos deuses, ficando ocultos do povo. Não nos cabe esboçar aqui todos os mitos mesopotâmicos, sumérios, babilónicos/acadianos e assírios, mas muitos são ainda hoje conhecidos: o mito da Criação e o mito do Dilúvio, a par das suas versões bíblicas, a descida de Inanna, ou Ishtar, ao Submundo, o mito de Gilgamesh, entre outros.
Um motivo para a desconfiança dos cristãos evangélicos em relação à Maçonaria, ao Rosacrucianismo e outras formas esotéricas de crença religiosa prende-se com a insistência por parte dos evangélicos na verdade literal e no carácter único das histórias bíblicas, e com a sua aceitação, bem como de outros mitos não bíblicos equivalentes, como sendo alegóricos e de igual valor, por parte dos movimentos esotéricos mais liberais. Todos os panteões (para usar o termo grego) apresentam relações familiares entre deuses, por vezes com famílias rivais, e regra geral com rivalidades no seio das famílias. Os deuses discutem, enganam, lutam e matam-se entre si, assemelhando-se aos humanos neste aspecto. Os mitos das disputas entre deuses, como Durnuzi e Enkimdu na mitologia suméria, ou entre homens, como Caim e Abel na mitologia hebraica, reflectem, amiúde, alterações sociais verificadas nos povos, como, por exemplo (nestes dois casos), a mudança de um estilo de vida nómada e de pastoreio para uma vida fixa e agrícola. Outros conflitos entre os deuses poderão ser as recordações populares de batalhas pela supremacia entre diferentes cidades, diferentes culturas, diferentes povos. Desde há muito que se observou que nos países celtas, quando um novo povo chegava e controlava os povos originais, regra geral, mais primitivos e próximos da terra, e com uma relação com os espíritos telúricos que era invejada e temida pelos recém-chegados, estes acabavam por se tornar as pessoas pequenas, na memória popular dos invasores.

Zoroastrismo
O Zoroastrismo, segundo o sacerdote persa Zoroastro ou Zaratustra, pode gabar-se de ser a primeira religião monoteísta de grande dimensão, com urna profunda influência sobre as Religiões do Livro (Judaísmo, Cristianismo e Islamismo) que a seguiram. (As crenças destas religiões num Deus único, céu e inferno, ressurreição dos mortos, julgamento final e vitória final do bem contra o mal derivam do Zoroastrismo). Viria a tornar-se a religião oficial do Império Persa, mantendo-se forte até às invasões muçulmanas do século VII.
Zaratustra, que terá vivido por volta de 660-583 a. C., ou possivelmente em 1000 ou até 1400 a. C., reformou o complexo politeísmo da Pérsia (actual Irão), pejado de rituais e sacrifícios, declarando a existência de um Deus único, Ahura Mazda, o Sábio; todos os outros deuses venerados pelos persas eram meros assistentes e servos do ser supremo. A pureza de Ahura Mazda era representada pela pureza do fogo, e os zoroastrianos rezavam junto de uma chama. Recordemos que o Deus judaico Aquele Que É falou a Moisés a partir de uma sarça ardente, e que muitos movimentos religiosos esotéricos actuais, incluindo os rosa-cruzes e a Igreja Universal e Triunfante inspirada por Aquele Que É, representam Deus, e a presença divina no interior do homem, como sendo uma chama». In David V. Barrett, As Grandes Sociedades Secretas, 1997, 2007, Clube do Autor, 2016, ISBN 978-989-724-333-2.

Cortesia de CdoAutor/JDACT

sexta-feira, 25 de agosto de 2017

As Ondas Virgínia Woolf. «O Louis escreve; a Susan escreve; o Neville escreve; a Jinny escreve; até mesmo o Bernard começou agora a escrever»

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«(…) Onde é que está o Bernard?, disse Neville. É ele quem tem a minha faca. Estávamos na arrecadação a fazer barcos, e foi então que a Susan passou. O Bernard deixou cair o barco e foi atrás dela com a minha faca, aquela que é muito afiada e serve para talhar as quilhas. Ele é como um fio muito esticado, sempre a estremecer. É como as algas que estão penduradas do lado de fora da janela, ora húmidas ora secas. Deixa-me sozinho, vai atrás da Susan; e, se ela gritar, ele pega na minha faca e conta-lhe histórias. A lâmina grande é um imperador; a lâmina quebrada um negro. Odeio coisas que estremecem; odeio coisas escorregadias. Odeio delírios e misturas. A campainha está a tocar e vamos chegar atrasados. Temos de poisar os brinquedos. Temos de entrar ao mesmo tempo. Os livros estão arrumados lado a lado, em cima da mesa forrada a baeta verde. Só conjugarei o verbo depois de o Bernard o ter dito, disse Louis. O meu pai é banqueiro em Brisbane e eu falo com sotaque australiano. Vou esperar e imitar o Bernard. Ele é inglês. Eles são todos ingleses. O pai da Susan é vigário. A Rhoda não tem pai. O Bernard e o Neville são filhos de cavalheiros. A Jinny vive em Londres com a avó. Estão todos a morder as canetas. Agora, estão a virar os livros, e, olhando de esguelha para miss Hudson, contam-lhe os botões vermelhos do corpete. O Bernard tem um raminho no cabelo. Os olhos da Susan estão vermelhos. Ambos estão corados. Mas eu estou pálido; estou limpo; e as minhas calças de golfe estão bem apertadas com um cinto com uma cobra de bronze. Sei a lição de cor. Sei mais do que aquilo que eles alguma vez saberão. Sei os casos e os gêneros; podia aprender tudo e mais alguma coisa se quisesse. Mas eu não quero emergir e dizer a lição. Tal como fibras num vaso de flores, as minhas raízes enrolam-se em torno do mundo. Não quero emergir e viver à luz deste enorme relógio amarelo que não pára de fazer tiquetaque-tiquetaque. A Jinny e a Susan, o Bernard e o Neville, juntam-se e transformam-se numa correia pronta para me chicotear. Riem-se por eu ser tão arrumado, por falar com sotaque australiano. Vou tentar imitar o Bernard com os seus ceceios em latim.
Tratam-se de palavras brancas, disse Susan, iguais às pedras que apanhamos à beira-mar. À medida que as pronuncio, batem como caudas, ora à esquerda ora à direita, disse Bernard. Abanam as caudas; fazem-nas estalar; movem-se em bandos pelo ar, agora nesta direcção, agora naquela, agora em conjunto, agora separando-se, agora voltando a juntar-se. São palavras que queimam, são palavras amarelas, disse Jinny. Gostava de ter um vestido quente, um vestido amarelo, para usar à noite. Cada forma verbal, disse Neville, tem um significado diferente. O mundo tem uma ordem; existem distinções; existem diferenças neste mundo em cuja margem tropeço. Trata-se apenas do começo. A Miss Hudson acabou de fechar o livro, disse Rhoda. Está a começar o terror. Agora, pega no giz e começa a desenhar números, seis, sete, oito, e depois uma cruz e só então uma linha. Está tudo no quadro. Qual é a resposta? Os outros olham, olham com ar de quem compreende. O Louis escreve; a Susan escreve; o Neville escreve; a Jinny escreve; até mesmo o Bernard começou agora a escrever. Todavia, eu não consigo. Apenas vejo números. Um a um, os outros vão entregando as respostas. Chegou a minha vez. Só que não tenho respostas. Os outros tiveram autorização para sair. Deixaram-me sozinha para que encontrasse resposta. Os números não têm qualquer sentido. O sentido desapareceu. O relógio faz tiquetaque. Os dois ponteiros são como caravanas a atravessar o deserto. As barras negras no mostrador são como oásis verdes. O ponteiro maior antecipou-se para ir buscar água. O outro, dolorosamente, vai tropeçando por entre as pedras quentes. Acabará por morrer no deserto. A porta da cozinha bate. Os cães vadios ladram lá longe. Reparem, a forma redonda do número começa a encher-se com o tempo; o mundo está todo lá contido. Comecei a traçar um número, o mundo está lá dentro e eu estou fora do laço. Acabo por o fechar, assim, selando-o, tornando-o inteiro. O mundo está completo e eu estou de fora, a gritar: oh, salvem-me, salvem-me de ser afastada para sempre do laço do tempo!». In Virgínia Woolf, 1931, colecção Mil Folhas, Relógio d’ Água, 2002, 2015, ISBN 978-989-641-526-6.

Cortesia de Relógiod’Água/JDACT

Os Anos. Virgínia Woolf. «As pessoas regressavam a Londres. Instalavam-se para a estação. Para ele, contudo, não haveria estação. Só ele não tinha nada que fazer»

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1880
«Era uma primavera instável. O tempo, perpetuamente em mudança, mandava nuvens azuis e púrpura por sobre a terra. No campo, os fazendeiros, olhando para a plantação, ficavam apreensivos. Em Londres, as pessoas olhavam para o céu, abrindo e logo fechando os guarda-chuvas. Em Abril, porém, um tempo assim era de esperar. Milhares de caixeiros de lojas diziam isso mesmo, ao entregarem embrulhos bem feitos a senhoras de vestido estampado do outro lado do balcão, no Whiteley’s ou nas Army and Navy Stores. Intermináveis procissões de fregueses no West End, de homens de negócios no East, marchavam pela rua, como caravanas sempre em movimento, ou era o que parecia aos que tinham algum motivo para se deter, digamos, afim de pôr uma carta no correio ou olhar uma vitrine em Piccadilly. A procissão de landaus, vitórias e fiacres era incessante, pois a estação acabava de começar. Nas ruas mais tranquilas, músicos ofereciam parcimoniosamente um fio de som dos seus frágeis e quase sempre melancólicos instrumentos, reproduzidos, ou parodiados, aqui e ali, no Hyde Parkcomo em St. James, pelo pipilar dos pardais e as súbitas explosões do amoroso, mas intermitente tordo. Os pombos nas praças agitavam-se nos ramos das árvores, deixando tombar um galhinho ou outro, entoando repetidamente o mesmo acalanto sempre interrompido. Os portões, em Marble Arch e Apsley House, ficavam bloqueados à tardinha por senhoras em vestidos multicores com anquinhas e por cavalheiros de fraque e bengala, com cravos na lapela. A princesa surgia e, à sua passagem, os chapéus saudavam. Nos porões das longas avenidas dos bairros residenciais, empregadas de touca e avental preparavam chá.
Ascendendo por tortuosos caminhos, o bule de prata era finalmente colocado em cima da mesa, e donzelas e solteironas com mãos que haviam pensado as feridas de Bermondsey e Hoxton mediam cuidadosamente uma, duas, três, quatro colheres de chá. Quando o sol se punha, um milhão de pequenas luzes de gás, com a forma dos olhos as penas do pavão, abriam-se nas suas gaiolas de vidro. Mesmo assim, restavam largas áreas de sombra nas calçadas. A claridade mista dos bicos de gás e do crepúsculo reflectia-se igualmente nas plácidas águas do Round Pond e da Serpentine. Gente que saíra para jantar fora trotando pela ponte em cabriolés, demorava os olhos por um momento na encantadora vista. Por fim, a lua aparecia, e a sua moeda polida, embora escondida de espaço em espaço por fiapos de nuvens, brilhava serenamente, com severidade ou talvez completa indiferença. Girando devagar, como os raios de um holofote, os dias, as semanas e os anos passavam um após outro, projectados contra o céu.
O coronel Abel Pargiter estava sentado à mesa no seu clube, conversando depois do almoço. E como os seus companheiros, nas suas poltronas de couro, eram homens da sua mesma espécie, que haviam sido soldados, funcionários públicos, homens já àquela altura aposentados, reviviam, com velhas pilhérias e casos, o seu passado na Índia, na África, no Egipto. Numa transição natural, voltavam-se depois para o presente. Tratava-se de uma nomeação, de alguma possível nomeação. De repente o mais jovem e mais lépido dos três curvou-se para a frente. Na véspera tinha almoçado com... Aí a voz do orador baixou. Os outros se curvaram para ele.Com um breve gesto da mão, o coronel Abel dispensou o garçom que retirava as xícaras do café. As três cabeças grisalhas em que a calvície avançava permaneceram juntas por alguns minutos. Então o coronel Abel recostou-se na sua cadeira. O curioso brilho que luzira nos olhos deles, todos, quando o major Elkin começara sua história, já se apagara completamente do rosto do coronel Pargiter. Olhava em frente, espremendo os olhos azuis muito brilhantes, como se o fulgor do Oriente ainda estivesse neles, e franzidos nos cantos, como se o pó do Oriente também tivesse ficado ali. Um pensamento qualquer lhe ocorrera, tornando sem interesse o que os outros estavam dizendo; era-lhe, aliás, desagradável. Ergueu-se e ficou a contemplar Piccadilly pela janela. Com o charuto parado no ar, olhava em baixo as cobertas de autocarros, fiacres, vitórias, carroções fechados, landaus. Estava longe daquilo tudo, era o que sua atitude sugeria. Já não tinha a mão naquela massa. E, à medida que contemplava, a tristeza tomava conta de seu rosto vermelho e simpático. De repente, veio-lhe uma ideia. Tinha algo a perguntar. Voltou-se para formulá-lo. Mas os seus amigos já não estavam ali. O pequeno grupo se desfizera. Elkins já se afastava às pressas, rumo à porta; Brand falava com outro homem. O coronel Pargiter fechou a boca que tinha aberto e engoliu o que estivera a ponto de dizer. Depois, virou-se outra vez para a janela que abria sobre Piccadilly. Todo mundo, na rua cheia de gente, parecia ter destino certo. Todos se apressavam para algum encontro marcado. Até as damas nas suas vitórias e berlindas trotavam celeremente Piccadilly abaixo, com algum propósito em mente. As pessoas regressavam a Londres. Instalavam-se para a estação. Para ele, contudo, não haveria estação. Só ele não tinha nada que fazer. A sua mulher estava à morte. Mas não morria. Hoje mesmo mostrara-se melhor. Pioraria amanhã. Uma nova enfermeira chegaria. E as coisas continuariam nesse ramerrão. Apanhou um jornal, folheou-o a esmo. Deu com uma foto do frontão oeste da catedral de Colónia. Pôs o jornal de volta no lugar, entre os demais jornais». ». In Virgínia Woolf, Os Anos, 1937, Relógio D'Água, 1992, ISBN-978-972-708-154-7.

Cortesia de Relógiod’Água/JDACT

Trópico de Capricórnio. Henry Miller. «Ainda usava cueiros e já era filósofo. Era contra a vida por princípio. Que princípio? O princípio da inutilidade. À minha volta toda a gente lutava e se debatia»

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«Uma vez entregue a alma, segue-se tudo com uma certeza infalível, mesmo no meio do caos. Desde o princípio nunca foi outra coisa senão caos: era um fluido que me envolvia, que eu aspirava através das guelras. Nos substratos, onde a Lua brilhava firme e opaca, o ambiente era suave e fecundante; por cima disso, reinavam a selva e a desarmonia. Não tardei a ver em tudo o oposto, a contradicção, e entre o real e o irreal a ironia, o paradoxo. Era o meu próprio pior inimigo. Não havia nada que desejasse fazer que me importasse de não fazer. Já em criança, quando não me faltava nada, queria morrer: queria render-me porque não via sentido nenhum em lutar. Sentia que nada seria provado, comprovado, acrescentado ou subtraído pelo facto de continuar uma existência que não pedira. Todos quantos me cercavam eram falhados, ou, se não eram falhados, eram ridículos. Especialmente os bem-sucedidos. Os bem-sucedidos chateavam-me até às lágrimas. Era cornpreensivo até ao exagero, mas não era a compreensão que assim me tornava. Era uma qualidade puramente negativa, uma fraqueza que desabrochava à simples vista da miséria humana. Nunca ajudava ninguém com a esperança de que isso servisse para alguma coisa; ajudava porque não era capaz de proceder de outro modo. Querer mudar o estado das coisas parecia-me vão, inútil; estava convencido de que nada mudaria, a não ser que se verificasse uma mudança de intenções, e quem poderia modificar o coração dos homens? De vez em quando, um amigo convertia-se, o que me causava vómitos. Tinha tanta necessidade de Deus como Ele de mini, e costumava dizer para comigo que, se havia Deus, me encontraria com Ele calmamente e Lhe cuspiria na cara. O irritante era que, ao primeiro rubor, as pessoas costumavam tomar-me por bom, amável, generoso, leal e fiel. Talvez possuísse essas virtudes, mas se possuía era por ser indiferente: podia-me dar ao luxo de ser bom, amável, generoso, leal, etc., porque estava isento de inveja. A inveja era a única coisa de que nunca tinha sido vítima. Nunca invejei nada nem ninguém. Pelo contrário, só senti compaixão por tudo e todos.
Desde o princípio que me devo ter treinado para não querer nada com muita veemência. Desde o princípio que fui independente, de uma maneira falsa. Não tinha necessidade de ninguém porque queria ser livre, livre para fazer e para dar só de acordo com os meus caprichos. Mal esperavam ou exigiam alguma coisa de mim, recusava e daí não arrancava. Foi essa a forma que a minha independência assumiu. Por outras palavras, fui corrupto, fui corrupto desde o princípio. Dir-se-ia que a minha mãe me dera um veneno como leite, um veneno que nunca me abandonou o organismo, apesar de ter sido desmamado cedo. Parece que até mesmo quando ela me desmamou me mostrei completamente indiferente. A maioria das crianças revoltam-se, ou fingem que se revoltam, mas eu estive-me nas tintas. Ainda usava cueiros e já era filósofo. Era contra a vida por princípio. Que princípio? O princípio da inutilidade. À minha volta toda a gente lutava e se debatia. Pessoalmente, nunca fiz sequer um esforço. Se dava a impressão de que o fazia, era apenas para agradar a alguém; no fundo, estava-me marimbando. E se forem capazes de me dizer porque era assim, desmenti-los-ei, pois nasci com uma pecha má e nada a pode eliminar. Mais tarde, quando já era crescido, ouvi dizer que tiveram um trabalhão para me tirar do útero. Compreendo perfeitamente que assim fosse. Incomodar-me para quê? Para quê sair de um lugar agradável e quentinho, de um nicho acolhedor, onde tudo me era oferecido gratuitamente? A minha mais antiga recordação é do frio, da neve e do gelo nas valetas, da geada nos vidros das janelas e do suor gelado das paredes verdes da cozinha.
Porque vivem as pessoas em agrestes climas das zonas temperadas, como erradamente lhes chamam? Porque são naturalmente idiotas, preguiçosas, naturalmente cobardes. Até cerca dos dez anos nunca imaginei que existissem países quentes, lugares onde não era preciso suar para ganhar a vida nem tremer de frio e fingir que isso era tónico e revigorante. Onde há frio há pessoas que se esfalfam a trabalhar e que, quando têm filhos, lhes pregam o evangelho do trabalho, o que, no fundo, não é mais do que a doutrina da inércia. Os meus progenitores eram inteiramente nórdicos, o que equivale a dizer idiotas. Perfilhavam todas as ideias erradas que jamais têm sido expostas. Entre elas contava-se a doutrina do asseio, para já não falar da da honradez. Eram penosamente asseados, mas por dentro fediam. Nunca, nem uma única vez, tinham aberto a porta que conduz à alma; nunca, nem uma única vez, lhes passou pela cabeça dar um salto às cegas, no escuro. Depois do jantar, os pratos eram imediatamente lavados e arrumados no armário; o jornal, depois de lido, era muito bem dobrado e arrumado numa prateleira; a roupa, depois de lavada, era passada a ferro, dobrada e guardada em gavetas. Preparava-se tudo para amanhã, mas o amanhã nunca chegava. Õ presente era apenas uma ponte, e eles continuam a gemer, como o mundo geme, e não há um idiota que se lembre de atirar a ponte pelos ares». In Henry Miller, Trópico de Capricórnio, 1939, Editorial Presença, colecção Obras Literárias Escolhidas, 2009, ISBN 978-972-234-097-7

Cortesia de EPresença/JDACT

Um Estilo de Vida. Allan Pool. «Um estilo de vida mais liberal deve ser experimentado por pessoas bem centradas, que se amam, se aceitam e se respeitam»

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«A questão da identidade sexual está sendo extensamente discutida na teoria social. As velhas identidades que por tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em declínio e não conseguem mais segurar as relações. Com isso surgem novas identidades, novas atitudes, pensamentos e comportamentos fragmentando o individuo moderno até aqui visto como um sujeito unificado e imutável. Hoje em pleno século XXI onde a sociedade aceita complacentemente as uniões homossexuais, onde o bissexualismo é visto como um comportamento inteligente faz com que essa chamada crise de identidade seja vista como parte de um processo mais amplo de mudanças comportamentais que está deslocando as estruturas e processos mais arcaicos das sociedades modernas em prol de uma nova visão e nova modelagem a essa nova estrutura geracional no actual mundo social. Instituições como o actual e arcaico casamento tradicional, estão em crise e em acelerado processo de extinção. Aqueles que sustentam que as identidades modernas estão sendo fragmentadas argumentam que o que acontece à concepção do sujeito moderno não foi simplesmente a sua desagregação ou ruptura, mas o seu deslocamento para se adaptar ao modernismo de intenções. Alguns contestam esse comportamento, mas a verdade, é que temos que nos adaptar para não andarmos na contra mão do progresso social.
Faz parte da essência universal do homem alojada em cada ser humano por mais impacto que tenha sobre alguns ramos do pensamento iluminista a busca pelo melhor viver. Reconhecendo as tendências globais que mostram o colapso de identidades culturais arcaicas, a fragmentação de códigos culturais e multiplicidade de estilos, nos sentimos levados a uma urgente adaptação para podermos viver o momento feliz. Modificarmos o comportamento, a percepção na lida com os sentimentos e visão de mundo para melhor nos sintonizarmos com nosso parceiro(a). Estamos em eternas mudanças ao longo dos tempos. Somos metamorfoses ambulantes eternas, e precisamos deixar de lado velhas opiniões, conceitos e estilos e nos adaptarmos às mudanças geracionais que estão acontecendo para que não nos tornemos pessoas embutidas, obtusas e retrógadas. Sermos protagonistas de nossas vidas. Acreditar que, o trágico não é morrer, afinal a morte tem boa memória e nunca se esquece de ninguém. O trágico é desistir de viver. Para se estar satisfeita activa e sentir-se jovem e feliz é preciso namorar a vida. O mundo gira e gira para a frente.
As relações plurais surgem no casal como uma alternativa à monotonia da vida conjugal. Ou seja, o casal sente necessidade de algo estimulante, quer sair da mesmice, sente que seu casamento precisa de uma reciclagem. A primeira coisa a fazer é conversar a respeito dessa alternativa liberal. Deve ser uma decisão unânime. Os dois têm que concordar 100% em participar dessa descoberta. Ambos precisam perceber que esse é o momento de transgredirem certos conceitos e transpor alguns obstáculos. Se querem se transformar num casal liberal em relação ao sexo, confiam totalmente um no outro e têm vontade de experimentar coisas novas, frequentar um clube de casais pode ser uma boa opção para começar. Mas, devem ter em mente que, se o casal já tem complicações dentro do casamento, o relacionamento liberal não é uma muleta para resolver estes problemas.
Pelo contrário, apenas vai acelerar um conflito. Um estilo de vida mais liberal deve ser experimentado por pessoas bem centradas, que se amam, se aceitam e se respeitam, que têm a mesma sintonia de prazeres, o mesmo sincronismo de intenções e a mesma semelhança de valores. O swing, mais conhecido como troca de casais ou o ménage a trois também conhecido como sexo a três, é um jeito diferente de encarar o sexo e, para muitas pessoas, é um novo estilo de vida. Para muitos casais, ter outros parceiros(as) actualmente é mais comum do que se imagina e essa atitude deve ser realizada com muita discrição, respeito e, acima de tudo, cumplicidade. Segundo os praticantes, esse tipo de relação liberal é uma forma excitante de alterar a monogamia e acabar com a monotonia do casal. Muitas mulheres contam que sua relação pessoal ficou mais quente e íntima e, que com esta experiência, tornaram-se mais cúmplices dos maridos. Muitos também afirmam que o relacionamento se fortalece, já que a confiança e a cumplicidade entre eles têm que estar bem solidificadas. Os casais que praticam relações plurais acreditam que o que fazem nada mais é, que o desejo que a maioria reprime e que acaba se convertendo em relações extraconjugais. O swing ou o ménage admite qualquer coisa, menos traição. Os casais que experimentam essa prática o fazem de comum acordo, com um grande respeito mútuo e muito diálogo. Coisa que, muitas vezes, não vê num casal dito normal. As relações liberais, são uma alternativa ainda mais saudável para a mulher que acompanhada do marido ou namorado, experimenta novas sensações e fica livre de toda e qualquer dúvida em relação à sua fidelidade. Portanto, sem dúvida nenhuma das relações liberais, desde que o casal esteja em perfeita sintonia de intenções, é a melhor opção para a quebra de rotina e para apimentar a relação». In Allan Pool, Ménage, Um Estilo de Vida, 2015, Wikipedia.

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