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domingo, 22 de fevereiro de 2015

O assassínio dos Medici. The History Channel. «Houve um tempo em que a República de Florença era o pulsar cultural do mundo e o seu coração foram os jovens irmãos Médici, Lourenço e Julião. A sua influência na banca, na religião e na política espalhava-se por toda a península Itálica»

Cortesia de wikipedia

«Os Médici foram uma das famílias mais importantes do Renascimento italiano. De extraordinária influência na arte, no comércio e na religião, as suas desapiedadas redes de influência e alianças trouxeram-lhes muitos inimigos que os quiseram afastar do poder. Em 1478, os seus rivais uniram-se para matar os irmãos Lourenço e Julião de Médici na catedral de Florença, conhecida por Duomo. Durante quinhentos anos, a a versão popular da conjura interpretou o que se passou como uma disputa entre duas poderosas famílias: os Médici e os seus rivais, os Pazzi. Não há dúvida de que membros da família Pazzi mataram Julião, e também quase conseguiram eliminar Lourenço, mas, na realidade, o crime de há quinhentos anos ainda é um caso por resolver. Foram realmente os Pazzi os cérebros desta tentativa de assassínio e foi apenas uma luta entre famílias? No ano 2000, um estudante da Universidade de Yale, Marcello Simonetta, encontrou uma carta secreta nos arquivos de Urbino que indica as forças impulsionadoras daquele acto sangrento, descrevendo-o como uma complexa conspiração com tentáculos que chegavam até ao papado.
Houve um tempo em que a República de Florença era o pulsar cultural do mundo e o seu coração foram os jovens irmãos Médici, Lourenço e Julião. A sua influência na banca, na religião e na política espalhava-se por toda a península Itálica, uma força que Lourenço entendia muito bem, apesar de ter apenas 20 anos quando chegou ao poder. Culto, refinado, brilhante e audaz, muito seguro de si e dotado de grande inteligência, Lourenço de Médici, digno neto de Cosme, realizou durante o seu principado (1469-1492) o ideal do Renascimento italiano: poeta, filósofo, mecenas e diplomata, era muito consciente do poder da cultura florentina como ferramenta diplomática, assegura a historiadora Melissa Bullard, da Universidade da Carolina do Norte. O seu irmão mais novo, Julião, aberto, atraente e nada político, era seu assessor. O trabalho dos dois irmãos era muito diversificado: proteger artistas como Miguel Ângelo, atribuir cargos, ser a importantíssima banca do papado, conquistar novos territórios... Porém, pela sua juventude, davam a impressão de vulnerabilidade e a inexperiência criava-lhes inimigos.
Em 1470, Lourenço cometeu muitos erros políticos. Distanciou-se de muita gente. Os irmãos enfrentavam adversários em todas as esferas de influência, explica o historiador Niccolò Capponi. Na banca, a família Pazzi receava o poder e a riqueza deles. Na Igreja, o papa Sisto IV ofendeu-se com a recusa de Lourenço em lhe conceder um empréstimo. E, na política, outros senhores, como o duque de Urbino, mudaram a sua lealdade da Florença de Lourenço para outras cidades, procurando sempre unir forças com quem possuísse o maior poder na península naquele momento. Os ingredientes desta poção de rancor eram sobejamente conhecidos mas, ao longo dos séculos, prevaleceu uma história sobre a conspiração dos Pazzi, baseada na tentativa de matar os dois irmãos durante a missa pascal no Duomo de Florença. No entanto, culpabilizar só os Pazzi simplifica demasiado o assassínio, fazendo que pareça que a família dos banqueiros foi a única responsável. O historiador Marcello Simonetta começou a investigar o acontecido após o descobrimento de uma carta escrita em 1478 por Frederico II de Montefeltro,9.º conde e primeiro duque de Urbino, suposto amigo dos Médici, a Cicco Simonetta, regente de Milão e importante aliado de Lourenço de Médici, além de antepassado renascentista do historiador. Investigando a vida do seu antepassado, encontrou essa carta, num achado que aumentou a sua curiosidade. Marcello Simonetta começou então uma pesquisa para reconstruir os acontecimentos anteriores à conspiração e encontrar pistas sobre o artífice da trama. A pista seguinte foi-lhe trazida por uma segunda carta do duque de Urbino, indicando a Cicco que tivesse cuidado com Lourenço e advertindo-o de que não era um aliado seguro. A carta descrevia Lourenço como inimigo secreto de Cicco Simonetta, explica Marcello Simonetta, actual historiador e professor da Universidade Wesleyan. O duque de Urbino tinha capitaneado operações militares de Lourenço e actuava dos dois lados, pondo Cicco contra Lourenço. Esta contradição fez Marcello Simonetta pensar que o duque tinha a chave do mistério sobre o artífice da chamada conspiração dos Pazzi. Mas uma coisa eram as suas suposições e outra muito diferente seria conseguir as provas da conjura». In The History Channel, Los Grandes Misterios de la Historia, Randon House Mondadori, 2008, O assassínio dos Medici, tradução de Maria Irene Carvalho, Clube do Autor, Lisboa, 2010, ISBN 978-989-845-206-1.

Cortesia de CdoAutor/JDACT

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

A Atlântida. O Continente Perdido. The History Channel. «No entanto, a Estrada de Bimini é uma estrutura que parece construída pedra a pedra, com blocos rectangulares e quadrados, como se seguisse um plano previamente desenhado. … que a ‘Estrada de Bimini’ pode ter sido um quebra-mar»

Cortesia de wikipedia

«(…) De outros lugares considerados míticos, como a Tróia de Homero, concluiu-se terem uma localização real, como Schliemann demonstrou em finas do século XIX. Descobriu a verdadeira Tróia e cinco níveis de construção com milhares de anos de antiguidade. Claro que todos troçaram dele e o criticaram, mas no final demonstrou que tinha razão, assinala o antropólogo Erikson, autor da obra Atlantis in America. Poderia ser este o caso da Atlântida? Nos seus escritos, e embora possa tratar-se de um velho truque literário, Platão sublinhou que o seu relato era verdadeiro, que não era ficção. Depois da condenação à morte do seu mestre Sócrates, Platão abandonou Atenas. Não se conhece com precisão por onde andou, mas é muito provável que tenha ido para o Egipto pois que a cultura deste país exercia uma enorme atracção nos gregos. É possível que ali tenha ouvido o relato da Atlântida, como história ou como mito, pelo que então não se trataria propriamente de uma invenção sua. Por outro lado, a forma como Platão afasta de si a fonte, um velho sacerdote egípcio que conta a história a uma personalidade histórica do passado como Sólon, que a conta ao avô de Crítias, que com a provecta idade de noventa anos a conta ao seu neto, que a conta a Sócrates já morto quando Platão escreve, indica uma pretensão de distanciamento a respeito da história que está a contar... Embora também se possa interpretar ao contrário, como um recurso para dar credibilidade à história que se relata, pondo-a na boca de prestigiados transmissores antigos como Sólon.

Em busca de uma civilização lendária
Os investigadores que tomam os relatos de Platão à letra afirmam que o que seria mais lógico era procurar na Grécia e na área mediterrânea, onde o filósofo viveu entre 428 e 347 a. C.. Todavia, um grupo importante de cientistas centrou a sua atenção no corredor caribenho do Iucatão, seguindo a pista dada por Platão de que a Atlântida se situava no oceano Atlântico. Os cientistas Greg e Lora Little formam um dos grupos que tentam encontrar vestígios arqueológicos do continente perdido, segundo eles, afundado na América, exactamente nas Baamas. Já há quase quarenta anos que este casal, ambos psicólogos e escritores, exploram a zona em busca de vestígios dos atlantes. Até ao momento, o indício que mais se aproxima daquela realidade é a chamada Estrada de Bimini, uma formação rochosa com 480 metros de comprimento, que se encontra debaixo do mar na costa da ilha do mesmo nome. Descoberta em 1968 por um piloto, foi analisada nos anos sessenta por um geólogo que, depois de colher amostras das rochas concluiu , para decepção dos pesquisadores da Atlântida, tratar-se apenas de rochas naturais. No entanto, a Estrada de Bimini é uma estrutura que parece construída pedra a pedra, com blocos rectangulares e quadrados, como se seguisse um plano previamente desenhado. Os citados cientistas pensam que a Estrada de Bimini pode ter sido um quebra-mar que fechava um porto da capital, Poseidópolis, onde os atlantes atracavam os barcos no intervalo das suas viagens pelo mundo.
Além das rochas de Bimini, os exploradores fizeram várias descobertas nas Baamas: colunas de mármore, blocos de rocha semelhantes aos de Stonehenge e ruínas de muros, assim como formações submarinas, com 150 a 300 metros de diâmetro, geométricas ou formando letras. O casal Little também se interessou por uma destas formações, mas quando começaram a estudá-la descobriram que não passava de um conjunto de algas e de esponjas, pasto de tartarugas...» In The History Channel, Los Grandes Misterios de la Historia, Randon House Mondadori, 2008, A Atlântida, O Continente Perdido, tradução de Maria Irene Carvalho, Clube do Autor, Lisboa, 2010, ISBN 978-989-845-206-1.

Cortesia de CdoAutor/JDACT

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Os Segredos de Stonehenge. The History Channel. «Se compararmos os dois conjuntos pré-históricos, Woodhenge será o equivalente à ermida da aldeia ou à igreja local, enquanto Stonehenge, com a sua estrutura de pedra, seria a catedral»

Cortesia de wikipedia

O sílex e o novo estilo de vida
«(…) Ao contrário do que pode parecer, o talhe lítico é um processo muito técnico e preciso. É imprescindível ter alguns conhecimentos e perícia para converter um pedaço de sílex num machado. Mas, além disto, nos finais da Idade da Pedra estas ferramentas serviram ainda para cortar árvores de grande porte, de modo que os povos nómadas que tinham sido caçadores e recolectores formaram comunidades e dedicaram-se à agricultura e à criação de animais, dado que os bosques já podiam converter-se em quintas. Ao mesmo tempo que os homens do Neolítico mudavam o seu estilo de vida, em Stonehenge, que até então não passava de um fosso primitivo cavado com picaretas de corno de animal, outra etapa se iniciava. A nova tecnologia do sílex permitiu erguer uma estrutura do lado de dentro do talude composta por 56 postes de madeira que seguiam a mesma forma circular. Não existe nenhuma de pé, mas os arqueólogos analisaram o tipo de terra que enche os 56 buracos nos quais assentavam, também eles escavados no solo calcário do local, e conseguiram perceber que em cada um se fixava um poste de madeira. O que já não é possível adivinhar é se, à semelhança do modelo de pedra posterior, estes postes suportariam outros troncos, em cima, à maneira dos lintéis. Não se trataria do único monumento pré-histórico construído principalmente com este material, assegura Julian Richards.
A uns escassos três Km dos blocos megalíticos de Stonehenge encontra-se Woodhenge, henge é o nome que os arqueólogos dão a este tipo de construções pré-históricas de forma circular. Ambas as ruínas pré-históricas seguem um plano de círculos concêntricos muito semelhante. Até ao ano de 1920, acreditou tratar-se das ruínas de um enorme túmulo funerário que fora despojado da terra. No entanto, assim que foram tiradas as primeiras fotografias aéreas, descobriu-se que cada um dos pontos escuros que apareciam marcados no terreno, indicava a posição de um poste de madeira e que todos juntos formavam um círculo. Mas este lugar tem algo mais do que a simples semelhança arquitectónica com Stonehenge. No decorrer das escavações no centro do círculo de Woodhenge, foi desenterrado o cadáver de uma criança trepanada, fruto, possivelmente, de um sacrifício ritual cujo desenvolvimento apenas podemos imaginar mas que não conhecemos de fonte segura. Em redor dos seis anéis concêntricos que o compõem, explica Julian Richards, foram encontrados diversos objectos, desde ossos de animais a cerâmica muito ornamentada e, mesmo no centro, a sepultura da criança. Woodhenge contava com uma estrutura de madeira com uma função de tipo claramente religioso e, apesar da sua construção ter requerido um enorme esforço, o facto é que não passava de uma simples estrutura feita de troncos. Se compararmos os dois conjuntos pré-históricos, Woodhenge será o equivalente à ermida da aldeia ou à igreja local, enquanto Stonehenge, com a sua estrutura de pedra, seria a catedral. Em Stonehenge, esclarece Richards, não se encontram vestígios de sacrifícios humanos, mas inúmeros vestígios de incinerações dentro dos buracos onde assentavam os primitivos postes de madeira. Portanto, durante quatrocentos anos, antes de as árvores serem cortadas, antes de os povos neolíticos que habitavam a zona substituírem a madeira pelos gigantescos blocos de pedra que hoje conhecemos, Stonehenge foi, antes de tudo, um cemitério do qual a própria cinza das piras funerárias chegou aos nossos dias». In The History Channel, Los Grandes Misterios de la Historia, Randon House Mondadori, 2008, Os Segredos de Stonehenge,  tradução de Maria Irene Carvalho, Clube do Autor, Lisboa, 2010, ISBN 978-989-845-206-1.

Cortesia de CdoAutor/JDACT

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Matéria. Aquecimento global. Problemas ambientais. Manuel Ansede. «La temperatura media de la superficie del planeta fue "0,69 grados superior a la media del siglo XX", cuatro centésimas de grado más que los anteriores récords observados en 2005 y 2010. Este es el último de una serie de años calurosos, de una serie de décadas calorosas»

Cortesia de el país

Com a devida vénia ao jornal El País

El 2014 fue el año más cálido desde que comenzaron los registros históricos en 1880 «Según dos análisis independientes de la NASA y la Administración Nacional Oceánica y Atmosférica de EE UU publicados este viernes. La temperatura media de la superficie del planeta fue 0,69 grados superior a la media del siglo XX, cuatro centésimas de grado más que los anteriores récords observados en 2005 y 2010. Este es el último de una serie de años calurosos, de una serie de décadas calurosas. Mientras que un año por separado puede verse afectado por patrones meteorológicos caóticos, las tendencias a largo plazo se pueden atribuir a causantes del cambio climático, dominados, ahora mismo, por las emisiones humanas de gases de efecto invernadero, ha recalcado Gavin Schmidt, director del Instituto Goddard de Estudios Espaciales de la NASA, con sede en Nueva York. La temperatura media de la superficie del planeta ha subido 0,8 grados desde 1880, en gran parte impulsada por el aumento del CO2 y otras emisiones humanas en la atmósfera, destaca de manera inequívoca la NASA. La mayor parte del calentamiento ha ocurrido en las tres últimas décadas y, con la excepción de 1998, los 10 años más calurosos han ocurrido desde 2000.

Los 10 años más calurosos han ocurrido desde 2000, con la excepción de 1998
Los nuevos datos confirman las predicciones de la Organización Meteorológica Mundial (OMM) que, a comienzos del pasado diciembre, advirtió de que 2014 iba camino de batir el récord de temperatura.
La NASA señala que sus científicos esperan ver fluctuaciones de temperatura en los próximos años, causadas por los fenómenos El Niño y La Niña, que calientan o enfrían la región tropical del océano Pacífico. Presuntamente, ambos son parcialmente responsables de que la subida de la temperatura se haya ralentizado en los últimos 15 años. El análisis de la agencia espacial estadounidense incluye datos tomados por 6.300 estaciones meteorológicas en tierra, en barcos y en boyas, además de registros en la Antártida. Su algoritmo, detallan, tiene en cuenta la distribución geográfica de las estaciones y el efecto del calentamiento propio de las ciudades. Los 6.300 termómetros han detectado altas temperaturas sin precedentes en la superficie del mar, 0,57 grados por encima de la media del siglo XX. En la superficie terrestre, el calentamiento ha sido de un grado, el cuarto más alto desde 1880.
La NASA subraya las grandes diferencias regionales observadas en 2014. En EE UU, algunas partes de la costa este vivieron temperaturas anormalmente frías, mientras que Alaska, California, Arizona y Nevada registraron su año más cálido.

En el hemisferio norte, la cobertura de nieve fue la mitad de lo habitual en el registro histórico
En el hemisferio norte, la cobertura de nieve fue de casi 65 millones de kilómetros cuadrados, aproximadamente la mitad de lo habitual en el registro histórico. En el Ártico, la capa de hielo, con 28 millones de kilómetros cuadrados en promedio, fue la sexta más pequeña de los últimos 36 años, cuando empezaron los registros. En la Antártida, por el contrario, la extensión del hielo marino superó el récord por segundo año consecutivo, acercándose a los 34 millones de kilómetros cuadrados. Desde hace años, los científicos intentan comprender por qué la Antártida se comporta de manera diferente a las tendencias globales, aunque insisten en que la rápida pérdida de hielo marino en el Ártico triplica la magnitude de las ganancias en la Antártida». In Manuel Ansede, Matéria, Aquecimento global Problemas ambientais, Cámbiate a la Cuenta Nónima de Ing Direct, Periódico El País, Espanha, 16 de Janeiro de 2015.


Mónica López, dando o tempo para 10 de Agosto de 2050

«Buenos días, 10 de agosto de 2050 y seguimos con temperaturas muy altas: ya van 10 días en gran parte del país con valores por encima de la media. Las temperaturas van a seguir siendo elevadas durante las próximas horas porque la masa de aire sahariana se va a mantener sobre España". Así, con estas palabras de Mónica López que se pueden escuchar en el vídeo, arrancará la información del tiempo del Telediario dentro de 36 veranos, según el trabajo conjunto de la Organización Meteorológica Mundial (OMM), la Agencia Estatal de Meteorología (AEMET) y TVE. Basado en proyecciones científicas, sirve para poner sobre aviso a la población de los riesgos que corre el planeta de seguir por esta vereda de emisiones de gases con efecto invernadero y cambio climático global. Según el pronóstico del tiempo que presenta López, jefa de Información Meteorológica de TVE, durante las noches de ese verano no habrá quien logre conciliar el sueño: entre las 22.00 horas y las 8.00 horas se darán temperaturas de más de 40 grados con una mínima de 29 grados. Según explica López, en los 30 años que preceden a 2050 la temperatura media de España habrá aumentado de media 3 grados. Este vídeo forma parte de una serie que ha lanzado la OMM en el marco de la Cumbre del Clima que estos dias se celebra em Lima, para concienciar a distintos países del mundo de las consecuencias de la inacción. Aunque noticias como la conocida ayer, que 2014 será el más caluroso de la historia, ya podrían servir para ese propósito». In El País, 4 de Dezembro de 2014.

Cortesia de El País

JDACT

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

O Mistério dos Anasazi. The History Channel. «… os anasazi poderiam ter tido acesso a verdadeiros mananciais sem necessidade de viver nas paredes destes alcantilados onde a aridez era uma característica da maior parte da zona. O que os terá levado a expor toda urna comunidade a semelhante risco?»

Cortesia de wikipedia

«Mesa Verde, no sudoeste do Colorado, é uma terra de canyons escarpados e mesetas elevadas onde se localizam algumas das ruínas pré-históricas mais impressionantes dos Estados Unidos e alguns dos maiores mistérios da arqueologia norte-americana. Desde que foram descobertas, em finais do século XIX, estas povoações abandonadas não deixaram de causar surpresa a visitantes e arqueólogos. No entanto, ninguém conseguiu ainda explicar a razão que terá levado os índios anasazi, antigos habitantes do sudoeste dos Estados Unidos, a construir estes povoamentos incríveis em alcantilados para os abandonarem décadas depois e nunca mais regressarem. Porque terá esta civilização desaparecido de repente? Muitos arqueólogos pensam que os antigos anasazi tinham um lado obscuro que se manifestou na forma de morticínios e até de canibalismo. Será que estes actos violentos podem explicar a mudança para os alcantilados? Actualmente, arqueólogos e índios norte-americanos continuam a discutir este mistério. Na região existem centenas de povoações semelhantes às da Mesa Verde. A história continua rodeada em mistério devido à ausência de vestígios escritos. No entanto, a arqueologia permitiu concluir que o povo conhecido como os anasazi começou a colonizar esta zorta do sudoeste norte-americano no ano I d. C.. Durante a maior parte da sua história, viveram em pequenas comunidades que se espalhavam pelas mesetas e pelos vales. A partir do século X, estas aldeias chegaram a albergar várias centenas de habitantes. Localizavam-se em mesetas como o Chaco Canyon (anos 950-1100). Mas em meados do século XIII aconteceu algo que levou os anasazi a juntar-se. Construíram muros altos em redor dos seus povoamentos e tomaram a surpreendente decisão de mudar aldeias inteiras para os alcantilados dos grandes canyons do Colorado, lugares de uma imensa beleza, mas onde as condições naturais, tornavam a vida humana muito difícil. A sua retirada para as povoações trogloditas rudimentares da Mesa Verde marcou o declínio da sua cultura. Passados apenas cinquenta anos, também abandonaram estas casas, deixando atrás de si a maior parte das suas possessões como se planeassem voltar. Em vez disso, desapareceram da História.

Êxodo para os alcantilados
Existem várias teorias para explicar a razão que levou os anasazi a estabelecerem-se sob estes impressionantes alcantilados, no século XIII. A primeira defende que tal se terá devido a uma mudança climática que ameaçava as colheitas ou uma deterioração das condições ambientais que reduziu as terras cultiváveis disponíveis. Segundo Lorisa Qumawuun, guarda-florestal do Parque Nacional de Mesa Verde, declarado Património da Humanidade pela UNESCO em 1978 e pertencente à tribo hopi, que se autoproclama descendente dos anasazi, a razão deste êxodo para os alcantilados foi a procura de água na sequência de uma seca cruel. Outros peritos, porém, não partilham desta ideia, já que os anasazi poderiam ter tido acesso a verdadeiros mananciais sem necessidade de viver nas paredes destes alcantilados onde a aridez era uma característica da maior parte da zona. O que os terá levado a expor toda urna comunidade a semelhante risco? Foi na zona conhecida por Four Comers (Quatro Cantos), na qual convergem os estados do Arizona, Colorado, Utah e Novo México, que os anasazi viveram durante mais de cem anos. Toda a meseta está repleta de canyons escarpados, remotos e inóspitos, bem dissimulados por entre as rochas. Os dois rios mais importantes que atravessam estas terras são o rio Grande e o Colorado. Actualmente a maior parte da região está coberta de florestas de pinheiros mansos e de zimbros. Mas há novecentos anos cobria-se de campos de milho, de abóboras e de feijão. Os arqueólogos acreditam que com as culturas desta zorta, os anasazi abasteciam quarenta mil ou cinquenta mil pessoas.
A arqueologia deu-nos a conhecer uma grande variedade de povoações anasazi. Vaughn Hadenfeldt, alpinista experiente e guia local, tem explorado, nos últimos vinte anos, as ruínas anasazi do sudeste do Utah, na zona de Cedar Mesa, e teve um papel importante na conservação e na descoberta de muitos dos povoamentos mais interessantes, na perspectiva dos arqueólogos. Em Cedar Mesa foram encontradas as primeiras provas convincentes de que o medo terá sido o grande motivo que levou os anasazi a mudar para os alcantilados. A teoria de Vaughn Hadenfeldt é que procuravam protecção e começararam a estabelecer-se nestes lugarejos onde dispunham de água. A orientação destas povoações protegia-os da chuva e da neve no Inverno e do calor no Verão. Além disso, tinham a vantagem de ser uma protecção natural face aos ataques. Como pode observar-se, nas povoações há várias torres, o que demonstra que podiam vigiar tanto a sua pequena fonte natural como o inimigo, explica. Pelo contrário, a localização nos canyons afastava-os das culturas, tornando-as menos acessíveis aos habitantes». In The History Channel, Los Grandes Misterios de la Historia, Randon House Mondadori, 2008, O Mistério dos Anasazi, tradução de Maria Irene Carvalho, Clube do Autor, Lisboa, 2010, ISBN 978-989-845-206-1.

Cortesia de CdoAutor/JDACT

A Atlântida. O Continente Perdido. The History Channel. «Pelo facto de Platão não ter concluído o seu relato, a Atlântida aguçou durante séculos a curiosidade e a imaginação de todo o tipo de investigadores, de cientistas a farsantes. Actualmente, ‘há cinco expedições científicas em curso em cinco zonas distintas do globo’»

Cortesia de wikipedia

«Há dois mil e quatrocentos anos, o filósofo Platão mencionou pela primeira vez a história da Atlântida e dos seus fabulosos povoadores. No diálogo intitulado Timeu, considerado pela própria Academia de Platão como o mais representativo do platonismo, Crítias relata ao seu amigo Sócrates a história que lhe fora contada pelo seu avô que dela tivera conhecimento através do grande sábio e legislador Sólon que, por sua vez, a ouvira da boca de um velho sacerdote egípcio. Segundo este: … os nossos escritos referem que a vossa cidade numa determinada ocasião deteve a marcha insolente de um grande império, que avançava do exterior, a partir do oceano Atlântico, sobre toda a Europa e a Ásia. Nessa época era possível atravessar aquele oceano dado que havia uma ilha em frente da desembocadura a que vós, como dizeis, chamais colunas de Héracles. As colunas de Héracles ou de Hércules, se empregarmos o nome latino que nos é mais familiar, são o estreito de Gibraltar pois, como conta Baltasar Vitoria no seu Teatro de los dioses de la gentilidad, Hércules praticou aqui uma das suas façanhas que foi dividir aquele grande monte ao meio, para que os mares, o oceano Atlântico e o Mediterrâneo, se juntassem.
Depois de situada geograficamente, o sacerdote egípcio precisava as características da Atlântida: Esta ilha era maior do que a Líbia e a Ásia juntas e dela os de então podiam passar para as outras ilhas e das ilhas a toda a terra firme. (...) Na dita ilha, a Atlântida, surgira uma confederação de reis grande e maravilhosa que a governava e a muitas outras ilhas, assim como a partes da terra firme. A partir deste continente também dominavam os povos, da Líbia, até ao Egipto e Europa até Tirrenia. Depois de se referir a um conflito entre atlantes e gregos, o velho sacerdote revelava a chave para o desaparecimento da Atlântida: … posteriormente, na sequência de um violento terramoto e de um dilúvio extraordinário, num dia e numa noite terríveis, a classe guerreira afundou-se toda de uma vez por debaixo da terra e a ilha de Atlântida desapareceu da mesma maneira afundando-se no mar. Por isso, ainda hoje, naquele lugar, o oceano é intransitável e inescrutável, impedido pela argila que a ilha produziu ao assentar nesse lugar e que se encontra a muito pouca profundidade. Porém, noutro diálogo, Crítias, Platão espraia-se descrevendo as maravilhas da Atlântida que na repartição da Terra que os deuses haviam feito coubera em sorte a Posídon que a povoou com os descendentes que teve de uma mulher mortal.
Um deles era, por certo, o rei Gadiro de onde viria o nome de Gades (Cádiz),pois reinava na região contígua ao estreito de Gibraltar. Em Crítias fala-nos dos palácios, das riquezas, dos minerais, das plantas e dos animais da Atlântida, dizendo, entre outros pormenores fabulosos, que em especial a raça dos elefantes era muito numerosa, o que ao que veremos, deu motivo para certas teorias. No entanto, os atlantes chegaram a estar cheios de injusta soberba e de poder, pelo que Zeus, o pai dos deuses, decidiu aplicar-lhes um castigo para que se tornassem mais obedientes e alcançassem a prudência. Reuniu todos os deuses na sua mansão mais importante, a qual, instalada no centro do universo, tem vista para tudo o que participa da criação e, depois de os reunir, disse... Aí termina bruscamente o Crítias; o resto ter-se-á perdido ou então Platão abandonou simplesmente a sua redacção, o caso é que ficamos sem conhecer os pormenores do castigo que mergulhou os atlantes no mar. Pelo facto de Platão não ter concluído o seu relato, a Atlântida aguçou durante séculos a curiosidade e a imaginação de todo o tipo de investigadores, de cientistas a farsantes.
Actualmente, passados mais de dois mil e quatrocentos anos, há cinco expedições científicas em curso em cinco zonas distintas do globo, empenhadas em descobrir os vestígios que confirmem a existência deste continente mítico. Enquanto essas provas irrefutáveis não aparecem, a maior parte dos cientistas mostram-se cépticos. No entanto, outros investigadores acreditam que há novos indícios da sua existência e que o relato de Platão  fornece pistas que não só nos conduzem ao continente desaparecido como aos segredos de urna civilização lendária e também aos seus descendentes. A maior parte dos cientistas convencionais concluíram há algum tempo que a Atlântida não passa de um mito criado pela imaginação fértil de Platão. Consideram o seu relato uma ficção, urna fábula moral destinada a advertir os atenienses do seu mau comportamento como cidadãos. Por sua vez, os especialistas em Platão advertem que os discípulos mais próximos do filósofo tomaram como certa a história da Atlântida e que a tinham como autêntica; já na época helenística, a escola alexandrina via, em geral, na narrativa de Platão, urna alegoria, coisa que, por outro lado, não os impedia de acreditar na existência do lendário continente». In The History Channel, Los Grandes Misterios de la Historia, Randon House Mondadori, 2008, A Atlântida, O Continente Perdido, tradução de Maria Irene Carvalho, Clube do Autor, Lisboa, 2010, ISBN 978-989-845-206-1.

Cortesia de CdoAutor/JDACT

Os Segredos de Stonehenge. The History Channel. «Do céu conseguimos ver que não se trata de simples ruínas mas que elas representam toda uma cultura, afirma Julian Richards. Num perímetro de vários quilómetros quadrados, encontrámos, por exemplo, o Cursus, uma calçada…»

Cortesia de wikipedia

«Stonehenge é o monumento pré-histórico mais famoso da Terra e uma das ruínas de pedra mais misteriosas no mundo. Nunca foi descoberto. Antes da chegada dos anglo-saxões, antes dos romanos, antes mesmo do aparecimento da linguagem escrita, Stonehenge já existia, já estava ali. Há milhares de anos e de gerações que estes gigantescos blocos megalíticos se mantêm ali, repletos de segredos. Desconhece-se com exactidão a finalidade de uma construção tão monumental, mas investigações arqueológicas recentes forneceram algumas explicações científicas sobre a forma como terá sido edificado, a razão que levou à sua construção e ainda sobre aqueles que, há mais de cinco mil anos, iniciaram as obras deste incomparável e valioso testemunho da cultura pré-histórica.
Situadas no condado de Wiltshire,43 quilómetros a norte do canal da Mancha e a 13 quilómetros a noroeste de Salisbury, no meio das suaves ondulações da planície inglesa, estas ruínas deram origem a inúmeras histórias e lendas sobre grandiosas cerimónias e rituais. Pelo seu carácter misterioso foram reivindicadas tanto por místicos modernos que asseguram tratar-se do centro de uma incrível fonte de energia, como por adoradores locais ou até por brincalhões paranormais que, ainda não há muito tempo, traçaram, nos terrenos circundantes, com a ajuda de uma corda e de um pedaço de madeira, enormes círculos nas searas, à maneira de estranhos sinais, vindo posteriormente a explicar a toda a gente a sua farsa... Mas a verdadeira história de Stonehenge teve início há mais de cinco mil anos e engloba muito mais do que o monumento que chegou até aos nossos dias. Os trabalhos arqueológicos tiveram início em 1901 e realizaram-se periodicamente até 1964. Decidiu-se então deixar tudo como estava, com o fim de preservar o que ainda se mantinha intacto pelo que as escavações foram proibidas pelas autoridades. Os cientistas ainda hoje tentam encontrar resposta para vários dos seus enigmas.
O arqueólogo inglês Julian Richards, autor de um dos estudos mais exaustivos sobre o tema, destaca, nas suas investigações, a importância dos montículos funerários ou sepulturas espalhadas pelos arredores de Stonehenge, algo que só pôde comprovar-se com uma perspectiva aérea. Sobrevoando a zona, a vista a partir de cima permitiu observar a extensão da paisagem que o rodeia. É a área que possui a mais elevada concentração de ruínas pré-históricas de todo o Reino Unido, algumas ainda mais antigas do que o próprio Stonehenge. Do céu conseguimos ver que não se trata de simples ruínas mas que elas representam toda uma cultura, afirma Julian Richards. Num perímetro de vários quilómetros quadrados, encontrámos, por exemplo, o Cursus, uma calçada que até há pouco se acreditava ser parte de um hipódromo romano até se ter descoberto que, na realidade, datava de há dois mil anos antes da invasão romana, e os Barrows, um campo de túmulos funerários onde as escavações trouxeram à luz esqueletos humanos e jóias de cobre e de bronze. A parte mais antiga de Stonehenge é formada por um fosso e a sua terraplanagem, abertos num solo calcário que logo após ser escavado, brilharia com uma intensa cor branca. Tem forma circular aberta a noroeste e uns trinta metros de diâmetro. Graças aos testes com carbono 14 realizados às ferramentas que os construtores deixaram no fundo do fosso primitivo, sabemos hoje que as primeiras obras foram levadas a cabo entre os anos 3000 e 2920 a. C.. As ferramentas que se utilizaram durante a Idade da Pedra e no período Neolítico, foram pontas aguçadas feitas de corno de veado. O fosso de Stonehenge não é especialmente profundo, pelo que não deveria ser demasiado complicado escavá-lo com um instrumento tão rudimentar, mas em Grimes Graves,320 quilómetros a noroeste de Stonehenge, estas mesmas pontas de corno de animal foram utilizadas para escavar algo muito diferente. Poços de minério. Nesta mina, os arqueólogos descobriram passagens estreitas com cerca de nove metros de profundidade, através das quais o material recolhido vem à superfície. Nalgumas galerias ainda se vêem as marcas que cada golpe deixava na pedra e até dedadas que datam de há mais de cinco mil anos.
Grimes Graves conta quatrocentos poços neolíticos onde, durante mais de mil anos, trabalharam duramente servindo-se destes simples cornos de veado, equipas de mineiros em busca do recurso mineral mais apreciado na época, uma variedade de rocha de silício denominada sílex que encontravam formando nódulos de cor preta brilhante que hoje conhecemos como pederneira. O sílex era, na época, o recurso mineral mais valioso, a matéria-prima de uma nova economia. A extracção e o comércio desta pedra converteu-se numa das forças motrizes do universo de Stonehenge, pelo facto de com o sílex, convenientemente talhado, se construírem machados e outras ferramentas. O que significou um enorme salto tecnológico e social». In The History Channel, Los Grandes Misterios de la Historia, Randon House Mondadori, 2008, Os Segredos de Stonehenge,  tradução de Maria Irene Carvalho, Clube do Autor, Lisboa, 2010, ISBN 978-989-845-206-1.

Cortesia de CdoAutor/JDACT

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Lisboa. Encruzilhada de Muçulmanos Judeus e Cristãos. 850º Aniversário da Reconquista de Lisboa. Paulo Pereira. José Mattoso. «Em 1947 considerava-se que a conquista de Lisboa tinha sido como que um ponto zero. Um começo absoluto. Reduzia-se, assim, a nada, ou a aspectos puramente negativos o passado muçulmano»

Cortesia de wikipedia

Arqueologia na Grande Cidade. 850º Aniversário da reconquista de Lisboa
«(…) Quero começar a apresentação deste Encontro, confessando que tenho muita pena por não ter podido aqui apresentar nenhuma investigação original, juntando-me assim ao notável conjunto de especialistas de história medieval que aqui se reuniram para tratarem de vários temas relativos à conquista de Lisboa em 1147. Não preciso de explicar as razões da minha impossibilidade nem as da minha pena. Creio que elas se podem imaginar facilmente. Quis todavia dar o meu apoio a esta iniciativa, antes de mais pela amizade que me liga à maior parte dos seus participantes, mas também pelo inegável interesse do tema e sobretudo pela maneira como os organizadores lhe imprimiram uma determinada orientação. Creio, ir ao encontro dos seus objectivos fazendo nesta apresentação do Encontro uma breve reflexão sobre o significado daquilo mesmo que aqui se procura. A melhor maneira de o tomar evidente parece-se ser partindo de uma breve comparação da temática privilegiada pelos autores das comunicações com a maneira como se comemorou há 50 anos o 8º Centenário deste mesmo acontecimento. De facto, em natural que, sendo então um Centenário pleno e não apenas um aniversário, se tivesse dado a maior solenidade e o maior relevo às comemorações de então. E todavia, não ficou delas senão a lembrança de um grande cortejo histórico organizado, se não me engano, por Leitão de Barros. Não sei se houve também alguma iniciativa de carácter científico, mas, se existiu, deve ter ficado circunscrita às salas das Academias, e deve ter consistido antes em algum discurso de predominantemente laudatório ou meramente evocativo. Não me lembro de nessa altura se ter apresentado nenhum texto histórico inovador sobre o facto que então se comemorava. Era esse, de resto, o tom habitual das comemorações nacionalistas, como se tomou evidente em 1940 e nos anos seguintes: o trabalho científico produzido nessa época tem de se considerar quase insignificante face ao esforço do governo, que se concentrou, como se sabe, na Exposição do Mundo Português, na reconstrução de castelos e nas cerimónias comemorativas que deixaram dezenas de lápides evocativas por esse país fora. Como é evidente, o propósito de situar os factos históricos no seu contexto e para os compreender em si mesmos era muito menor do que para desenvolver em torno deles uma retórica exortatória centrada nas virtudes nacionais, para desenrolar rituais colectivos de que se esperava como efeito o reforço da coesão social e política, para explorar e popularizar mitos, muitas vezes de forma artificial e forçada. Hoje, os rituais e os mitos demasiado presos a glórias passadas perderam a sua eficácia social, entre outras razões porque o carácter propagandístico demasiado pronunciado lhes retirava credibilidade e revelava propósitos que não podem, hoje, deixar de se considerar alienantes. O uso e abuso dos mitos e glórias nacionais tomou-se assim um instrumento de degradação da sua própria eficácia social. Hoje deixou de ser possível falar do passado sem partir de uma análise objectiva historicamente fundamentada e desprendida de intenções ideológicas. Os mitos e rituais continuam, obviamente, a constituir uma componente fundamental da vida social, mas deixaram de se basear nas glórias passadas. Não sabemos bem quais são esses mitos: talvez um deles seja o de que a nossa salvação colectiva depende da integrarão na Europa comunitária. Seja como for, os sucessos do passado deixaram de ser penhor das vitórias que desejamos alcançar no momento presente. O presente impõe-se-nos como um desafio e obriga-nos a sermos racionais e realistas.
Nesta conjuntura, apercebemo-nos cada vez mais de que a compreensão do passado se tomou ela própria forma privilegiada de construir o presente. Parte-se do princípio de que a percepção dos factores de que dependeu outrora o desenrolar dos acontecimentos decisivos no devir histórico permitirá também orientar as nossas escolhas perante a complexa realidade que nos envolve. Apercebemo-nos de que há nela fenómenos e estruturas que só se podem compreender devidamente quando os colocamos num contexto histórico. Acontece isto mesmo, até para factos tão longínquos como a conquista de Lisboa em 1147. Trata-se, na verdade, de um acontecimento decisivo não só para a história nacional, mas também para a história europeia. É preciso analisá-lo e tentar compreendê-lo em todos os seus aspectos e condicionantes, assim como em todas as suas consequências.
Tal é a melhor justificação para o Encontro que hoje iniciamos. As comunicações previstas concentram-se na sua quase totalidade sobre o mundo e a época islâmicas. Também este facto é significativo de uma alteração fundamental em relação com o que aconteceu há cinquenta anos. Nessa altura, o que chamava a atenção era o ponto de vista dos conquistadores, e portanto a inclusão da cidade no espaço cristão, assim como o papel que passou a desempenhar na construção do País. Em 1947 considerava-se que a conquista de Lisboa tinha sido como que um ponto zero. Um começo absoluto. Reduzia-se, assim, a nada, ou a aspectos puramente negativos o passado muçulmano. A vitória sobre os mouros teria esmagado por completo o passado islâmico. Portugal não devia nada à civilização árabe. Pelo contrário, a construção da nação só teria sido possível devido ao esmagamento da barbárie sarracena.
Hoje considera-se, com razão, que esta interpretação da conquista de Lisboa é puramente absurda. Em História não há começos absolutos. A ignorância histórica acerca do passado muçulmano, que se verifica na historiografia portuguesa é, portanto, demasiado gritante para que não se considere urgente preenchê-la. Mas a quase total ausência de uma tradição científica nesta área tomou a tarefa especialmente difícil e morosa. Foram necessário passarem mais de vinte anos depois do 25 de Abril, ou seja depois da data em que desapareceu a opressão política, consciente ou inconsciente, sobre a investigação universitária, para que finalmente se pudesse reunir um número considerável de conhecedores capazes de trabalharem sobre esta área. Esperamos, pois, que este Encontro constitua um importante contributo para se desenvolverem os estudos e os conhecimentos nesta área tão carenciada». In Paulo Pereira, José Mattoso, Arqueologia na Grande Cidade, Lisboa, Encruzilhada de Muçulmanos, Judeus e Cristãos (850º aniversário da reconquista de Lisboa), Projectos Portos Antigos do Mediterrâneo, Acção Piloto Portugal/Espanha/Marrocos, FEDER, Edições Afrontamento, Porto, 2001, ISSN 0872-2250.

Cortesia de EAfrontamento/JDACT

sábado, 8 de novembro de 2014

Semeador de Cultura e Cidadania. Inéditos e dispersos. Bento de Jesus Caraça. Alberto Pedroso. «Conhecia como aos dedos da mão o estado a que tinham chegado a instrução e a cultura no Portugal do segundo quartel do século XX, um dos períodos de maior obscurantismo vividos pelo nosso povo. Conhecia-o…»

jdact

Uma Constante - a Cultura
«(…) Está por escrever ainda a memória que nos dê conta do que foi em toda a sua extensão o percurso da acção cultural feito por Bento Caraça ao longo de trinta anos, desde aquele distante 24 de Agosto de 1919 em que integrou os primeiros corpos gerentes da Universidade Popular Portuguesa, nesse dia eleitos, até ao último alento de vida, a partir do qual foi interrompida para sempre a publicação da Biblioteca Cosmos. De todo esse imenso labor cultural (até hoje tão pouco investigado com o pormenor que tanto merece, apesar de mais de meio século já ter passado sobre a sua morte), queremos evocar aqui, embora de relance, as fases essenciais desse percurso. Mas antes devemos sublinhar que tal labor foi levado a cabo nas condições políticas, económicas, sociais e culturais mais adversas, num tempo em que o nosso país contava com mais de 52% de cidadãos maiores de 7 anos que não sabiam ler e a cultura, à boa maneira nazi-fascista, era tratada por quantos usurpavam o poder, do topo à base do aparelho do Estado, como um luxo e coisa mais que suspeita. Num tempo em que os produtores de cultura e aqueles que procuravam difundi-la erem tidos como perigosos agitadores, a quem era imperioso vigiar os passos. Bento Caraça foi um desses (perigosos agitadores) e um dos primeiros que pôs a nu a ignomínia que o analfabetismo representava para o nosso país. Fê-lo com elevação e desassombro na sessão do MUD realizada em 30 de Novembro de 1946, no salão d’A Voz do Operário: Procuremos, portanto, no censo da população, aqueles que possuem ao menos a instrução primária ou a frequentam ainda. Esses constituem apenas 19,5% da população maior de 7 anos. Um índice mais expressivo ainda nos é dado pelo estudo do grupo da população dos maiores de 20 anos. Num total de 4 milhões e 500 mil maiores de 20 anos há apenas 630 mil que possuem instrução primária completa, ou seja uma percentagem de l4%, o que nos dá a taxa de iletrados reais para a casa dos 36%.
Conhecia como aos dedos da mão o estado a que tinham chegado a instrução e a cultura no Portugal do segundo quartel do século XX, um dos períodos de maior obscurantismo vividos pelo nosso povo. Conhecia-o, além do mais, por ter feito parte das comissões oficiais já referidas atrás, nomeadamente daquela que em 1928 foi incumbida do estudo das medidas destinadas a extinguir o analfabetismo. Nada surpreende, pois, que tão insistentemente tenha proclamado a inadiabilidade de todos para viverem o seu partido em relação a este problema crucial, ser por uma viragem total no sentido do nosso apetrechamento cultural e técnico, ou ser pelo prolongamento do abismo de ignorância e obscurantismo em que se estava fazendo mergulhar o povo português. A acção cultural realizada por Bento Caraça foi intensa e multifacetada, mas talvez não seja limitativo dividi-la em três vectores principais, ainda que correndo o risco de deixar na sombra outras intervenções, ignoradas ou ainda mal conhecidas, entre as quais o projecto de uma revista, Litoral; a edição de um suplemento de O Diabo e ainda o lançamento de uma vasta colecção, Temas. São três esses vectores principais: a Universidade Popular Portuguesa, as várias conferências que proferiu ao longo dos anos e, por último, a Biblioteca Cosmos. Na Universidade Popular Portuguesa irá ter uma intervenção relevante, sobretudo a partir de Dezembro de 1928, momento em que assumiu as funções de presidente do Conselho Administrativo. Mas a sua chegada à Universidade Popular acontecera nove anos antes, em Agosto de 1919, quando foi eleito para os primeiros corpos gerentes da instituição. Muito jovem ainda, recém-chegado ao Instituto Superior de Comércio, Caraça subiu ao modesto 1.º andar da Rua Particular à Rua Almeida e Sousa (onde a universidade Popular tinha a sua sede), pela mão do seu antigo reitor do Liceu Pedro Nunes, A. J. Sá Oliveira e de A. A. Ferreira Macedo, professor do mesmo liceu. Vogal efectivo do Conselho Administrativo, pouco se conhece, no entanto, desta primeira passagem de Bento Caraça pela vida quotidiana da UPP, nem as tarefas que teria a seu cargo, nem tão-pouco as suas intervenções nas iniciativas por ela promovidas. Dessa época apenas nos ficou a notícia de uma conferência que aí fez em 1922, Comércio e Finânças, provavelmente aquela com que iniciou o seu percurso de conferencista. Infelizmente, dela restou somente o sumário, impresso em folha solta e encontrado no seu espólio». In Alberto Pedroso, Bento de Jesus Caraça, Semeador de Cultura e Cidadania. Inéditos e dispersos, Campo das Letras Editores, Porto, colecção Cultura Portuguesa, 2007, ISBN 978-989-625-128-4.

Cortesia de Campo das Letras/JDACT

domingo, 15 de junho de 2014

Lisboa. Encruzilhada de Muçulmanos Judeus e Cristãos. 850º Aniversário da Reconquista de Lisboa. Paulo Pereira. «Preservar por preservar pode ser prejudicial para a homogeneidade de um conjunto arquitectónico, e pode prejudicar a própria leitura de um determinado conjunto patrimonial»

Cortesia de wikipedia

Arqueologia na Grande Cidade
«(…) A criação de empresas de arqueologia tem sido, também, um suporte importante e corrente para a contratação e adjudicação de trabalhos arqueológicos, entendidos não já como uma excepção ou um capricho, mas como uma componente indissociável da preservação do património e dos próprios empreendimentos que os possam afectar. E a disponibilidade destas equipas tem igualmente contribuído para a profissionalização da arqueologia, entendida esta, cada vez, mais como uma função operatória no âmbito mais vasto do urbanismo e do território. Outras acções de caracter pedagógico são outros tantos exemplos de como a arqueologia urbana, longe de se ser um obstáculo, se pode constituir como uma mais-valia na intervenção na cidade, encontrando-se neste caso as experiências bem sucedidas de musealização in situ de vestígios importantes. Mas também aqui há que agir com cautela. Uma intervenção arqueológica é, pela sua natureza, fracturante, indutora de falhas e interrupções no tecido urbano consolidado ou de nexos coerentes pré-existentes, pelo que a musealização à outrance só deve ser encarada caso não prejudique a qualidade do ambiente urbano. Preservar por preservar pode ser prejudicial para a homogeneidade de um conjunto arquitectónico, e pode prejudicar a própria leitura de um determinado conjunto patrimonial. O mesmo é dizer que o fundamentalismo (como qualquer fundamentalismo, aliás...) pode ser prejudicial caso seja essa a via escolhida, sendo que a criação de conhecimento através do registo arqueológico pode também, em boa medida, ser uma posição legítima, desde que, claro está, resulte de uma intervenção preventiva e não de um mero e precipitado salvamento motivado por desleixo ou laxismo.
Uma das formas de ultrapassar as dificuldades crescentes que os ciclos de obras públicas nas grandes cidades tem criado decorre de um novo regime de conceptualização do espaço urbano. De facto, através dos instrumentos administrativos das urbes, passam a existir parcelas de cidade consideradas em si mesmas um monumento. Assim acontece, por exemplo, com a Baixa de Lisboa a qual, independentemente da sua variabilidade e da sua dinâmica própria se encontra classificada como Imóvel de Interesse Público. Ora, da mesma forma que num monumento homogéneo e solidário fisicamente, como um conjunto monástico, por exemplo, é impensável proceder a qualquer intervenção que não seja precedida de investigação arqueológica, o mesmo deverá acontecer nos conjuntos urbanos classificados, que devem ser entendidos como monumentos eles-mesmo, unos e indivisíveis. Então será possível conceber todo esse conjunto como uma área de intervenção delicada (e dedicada), com pressupostos arqueológicos determinantes e condicionantes da suas alterações eventuais. E, este esforço de conceptualização deve estender-se não apenas ao aparente, mas também ao inaparente e ao que existe em potência, não revelada.
Nesta conformidade, será possível promover cartas de património arqueológico urbano, para além de dispositivos já contemplados em alguns PDM’s, com maior ou menor eficácia, como seja a classificação funcional de áreas. Tais cartas terão o mesmo valor que uma planta de redes soterradas, nas quais qualquer alteração é cuidadosamente estudada. E terão outra consequência: a de levar a assumir que determinadas partes da cidade não são pura e simplesmente passíveis de qualquer intervenção em obra, ou seja, deverão ser consideradas reservas absolutas de informação arqueológica. Eis o que poderia contornar com muito maior felicidade, os problemas causados pelo ciclo, sensível nos anos 90, da criação de parques subterrâneos e do alargamento da rede do metro. A inscrição da arqueologia na história das cidades e na sua dinâmica não é, por isso mesmo, coisa fácil. Em permanente mutação, a cidade convive mal com os estaleiros arqueológicos. Mas a experiência acumulada, a atenção dos meios de comunicação da arqueologia, permite afirmar que a arqueologia passou a ocupar um lugar incontornável no desenvolvimento da memória das cidades antigas e modernas, sobretudo se se tiver em conta que a arqueologia não se restringe a uma esfera disciplinar hermética e impenetrável.
A arqueologia, especialmente em ambiente urbano, é hoje entendida de uma forma integrada, sendo o testemunho arqueológico não apenas o que jaz soterrado mas também tudo aquilo que, acima da cota 0, como se costuma dizer na gíria patrimonial, é informação arqueológica, e histórica e arquitectónica, ou seja, um modo de enriquecer o conhecimento do nosso habitat e das suas múltiplas dimensões, incluindo, entre estas, uma quarta dimensão, a da memória, imaterial». In Paulo Pereira, Arqueologia na Grande Cidade, Lisboa, Encruzilhada de Muçulmanos, Judeus e Cristãos (850º aniversário da reconquista de Lisboa), Projectos Portos Antigos do Mediterrâneo, Acção Piloto Portugal/Espanha/Marrocos, FEDER, Edições Afrontamento, Porto, 2001, ISSN 0872-2250.

Cortesia de EAfrontamento/JDACT

Lisboa. Encruzilhada de Muçulmanos Judeus e Cristãos. 850º Aniversário da Reconquista de Lisboa. Paulo Pereira. «Certo é que tudo isto se passou numa altura em que a maior parte das cidades europeias não despendiam ainda uma atenção preocupada e prioritária para com os vestígios arqueológicos…»

Cortesia de wikipedia

Arqueologia na Grande Cidade
«A percepção histórica do tecido urbano antigo não dispensa, hoje, os contributos da arqueologia urbana. O tema em si é vasto e complexo. Porque, de início, a arqueologia em cidade começa por ser uma espécie de mal menor, nascendo de intervenções de grande escala com impactes previsíveis nas estruturas de cuja presença se suspeita no subsolo da cidade ou de projectos de investigação motivados por iniciativas pontuais. Em Portugal, um dos primeiros exemplos de arqueologia urbana propriamente dita data de 1960, mais precisamente quando da abertura da estação de Metro do Rossio-Praça da Figueira, que interferiu com os testemunhos arqueológicos do pretérito Hospital de Todos-os-Santos e de uma necrópole romana. Este exemplo não foi esquecido e bem se pode dizer que através deste exemplo lisboeta, conduzido pioneiramente por Irisalva Moita, se entrou precocemente no ciclo da arqueologia urbana qualificada. Mas também, convém dizê-lo, a infra-estruturação do subsolo lisboeta foi tardia, fruto das conjunturas políticas e sociais da altura, ao contrário do que aconteceu nas outras grandes capitais europeias, que foram objecto de grande planos de fomento viário e de ampliação de redes durante os anos 60 e 70 mediante um grande boom desenvolvimentista que atingiu o seu termo quando da primeira crise petrolífera. Daí em diante, assistiu-se a um esfriamento destas iniciativas; e Portugal, país deprimido, não abriu frentes de trabalho em número suficiente ao ponto de se poder falar na consolidação daquela experiência precoce.
Certo é que tudo isto se passou numa altura em que a maior parte das cidades europeias (com a excepção de Londres que instituiu o seu Museu da Cidade impulsionado em grande medida pelos trabalhos levados a cabo no seu subsolo) não despendiam ainda uma atenção preocupada e prioritária para com os vestígios arqueológicos. Aliás, é ainda possível entrever (e rever) as passagens memoráveis desse filme de Fellini em que a cada passo os promotores do metro local se deparam com achados arqueológicos inestimáveis que logo se perdem ou tragicamente se esfumam, construindo assim uma mitologia moderna e urbana que acabaria por dar os seus frutos. Pelo menos desde meados dos anos 80, e acompanhando a implantação e consolidação dos estudos de impacte ambiental e as respectivas avaliações, mas também momentos de crispação bem situados no tempo e no espaço (quando se corria o risco de perder importantes testemunhos arqueológicos, como foi o caso de Bracara Augusta) as grandes intervenções nas cidades com reflexos no subsolo passam a ser sistematicamente condicionadas à realização de trabalhos arqueológicos, por via da aplicação dos dispositivos legais elementares (tais como a Lei 13/85) e através de um sistema de pareceres vinculativos devidamente estribado numa forte prática administrativa assegurada pelo IPPC e pelo IPPAR, que lhe sucedeu institucionalmente, e a que se juntou o IPA.
Mas estas actuações eram e continuam a ser em si mesmas problemáticas. A maior parte das vezes não se consegue ainda proceder a uma verdadeira actuação que privilegie uma filosofia de trabalhos arqueológicos preventivos que substituam e antecipem uma arqueologia de emergência e de salvamento, esta muito mais condicionada do ponto de vista científico e do ponto de vista dos seus resultados práticos. É evidente que a classificação de imóveis e de conjuntos com a respectiva instituição de servidões administrativas permite tomadas de posição que salvaguardam o património arqueológico, quer por parte da administração central, quer por parte das autarquias. Também, a cada vez maior qualificação do poder autárquico tem possibilitado o enquadramento de trabalhos arqueológicos, que acompanham o interesse que o poder local passou a dispensar ao património em geral. Naturalmente que a extensão desta práticas ao todo territorial exige uma pedagogia patrimonial mais activa, bem como a constituição, nos próprios municípios, de gabinetes apetrechados para acções deste tipo, o que só se tem verificado em grandes cidades. Os pequenos municípios, porém, podem igualmente atingir este desiderato através da sua associação mutual, criando bolsas de investigadores sustentados em regime de pareceria, e que possam responder em regime ambulatório a situações supervenientes. Uma política nacional de arqueologia deverá contemplar a forma de contratualização entre os municípios e a administração central de modo a assegurar a existência desta unidade de pesquisa e de acompanhamento». In Paulo Pereira, Arqueologia na Grande Cidade, Lisboa, Encruzilhada de Muçulmanos, Judeus e Cristãos (850º aniversário da reconquista de Lisboa), Projectos Portos Antigos do Mediterrâneo, Acção Piloto Portugal/Espanha/Marrocos, FEDER, Edições Afrontamento, Porto, 2001, ISSN 0872-2250.

Cortesia de EAfrontamento/JDACT

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

As Mãos e o Espírito. Ensaio. Óscar Lopes. «…. o punho cerado faz de martelo, as unhas são como brocas ou puas, ganchos ou pregos, ou garfos, etc.; a palma da mão é o esboço de uma colher, de uma concha, de uma pá, de um copo, de um balde»

jdact e wikipedia

As mãos e o espírito
«A história do homem na terra pode dizer-se que principia com um diálogo entre a mão e o cérebro. O homem tem de comum com os antropóides superiores duas coisas importantes: a posição erecta e a capacidade de opor o dedo polegar aos outros dedos. Mas foi só com o homem que se produziram as consequências mais notáveis destes dois factores. A posição erecta, libertando da marcha os braços, perrnitiu que as mãos humanas se diferenciassem consideravelmente dos pés, tanto na sua anatomia como nas suas funções; por outro lado, a posição erecta permitiu que a massa encefálica se desenvolvesse em peso, equilibrando-se verticalmente ao alto da coluna vertebral, em vez de pender desequilibradamente numa extremidade horizontal da espinal-medula. Deste modo, as mãos puderam aperfeiçoar esse maravilhoso sistema complexo de manobra constituído pelas alavancas variadíssimas que são os ossos e os músculos dos dedos, e servido ainda pelos cinco ossos do carpo, os oito do metacarpo, os dois do antebraço, e o do braço. A mão é já'um esboço de todos os instrumentos imagináveis: o punho cerado faz de martelo, as unhas são como brocas ou puas, ganchos ou pregos, ou garfos, etc.; a palma da mão é o esboço de uma colher, de uma concha, de uma pá, de um copo, de um balde, etc.; entre os dedos dobrados pode correr uma corda como numa roldana; os dedos e o pulso podem ser accionados rotativamente a fazer de bobina, etc. Se continuássemos a examinar, encontraríamos ainda na mão funções comparáveis às de chaves, rolhas, torneiras, amortecedores de choque, molas, etc. Estas funções complicadas, que fazem da mão o primeiro e o mais importante de todos os instrumentos, e até o instrumento humano por excelêncía, dependem de sistemas especiais de controle em regiões determinadas do cérebro.
Por outro lado, o desenvolvimento das funções de relacionação no cérebro pode fazer-se porque o complicado poder de manobra da mão humana permitiu o aligeiramento da pesada mandíbula e da tremenda dentição que o homem primitivo herdara dos seus antepassados animalescos. Como a mandíbula passou a ser vantajosamente substituída pelas mãos em muitas funções, o seu peso e volume puderam diminuir, e diminuiu a musculatura que até então comprimia as paredes do crânio, impedindo o desenvolvimento do cérebro. O atrofiamento da mandíbula e da dentição acarretou, por isso, o encorpamento do lóbulo frontal do cérebro que é, digamos simplificadamente, a sede do pensamento superior e da linguagem. Como se vê, a mão e o cérebro, a acção e o pensamento, a prática e a teoria estão indissoluvelmente ligados desde que o homem é homem. Mas a mão não se limita a executar ordens; é também órgão fundamental de investigações. Ora vejamos. O espírito humano está continuamente a responder a perguntas que selecciona no mundo exterior através do complicado sistema telegráfico montado no seu corpo a que chamamos os sentidos, os cinco sentidos, como geralmente se diz, os onze sentidos, como se estuda nos manuais de Psicologia, ou, mais rigorosamente ainda, a inumerável quantidade de sentidos constituídos por inúmeras terminações nervosas diferentes, que transmitem impressões de frio, calor, peso, distância, as cores e intensidades da luz, as múltiplas qualidades dos sons, dos sabores, dos contactos, das pressões, etc., etc.
Algumas destas mensagens telegráficas captadas pelos sentidos vêm de emissores relativamente longínquos, como as que são transmitidas através da vista, do ouvido, ou do olfacto; outras vêm do interior do corpo, como a sede, o enjoo, o sono; outras necessitam de um contacto da pele, e lá estão as mãos, os dedos, como um aparelho de sondagem rigorosa, projectando-se a meio metro de distância do corpo em qualquer direcção, adaptando-se a qualquer superfície ou volume. Os dedos são os olhos de ver ao perto, e tão úteis aos outros olhos, propriamente ditos, de ver ao longe, que nos é impossível compreender uma cena distante sem adivinharrnos se se trata de coisas lisas ou rugosas, delgadas ou espessas, frias ou quentes; ao passo que um cego, e até um cego e surdo de nascença, pode compreender o mundo através, principalmente, das mãos. Mas aonde pretendo chegar com isto? Pretendo concretizar a tese desta palestra. Imaginemos que todo o ser humano se reduz a duas coisas: a mão que actua, que executa movimentos e também que tateia, sonda o mundo exterior e transmite sinais; e o espírito, relacionado sobretudo com o sistema nervoso central, especialmente com o cérebro, que coordena esses sinais e que dirige os movimentos da mão. Há entre os dois um diálogo permanente. Tudo o que a mão diz ao cérebro é, ao mesmo tempo, pergunta e resposta. E o cérebro também nunca responde definitivamente: em cada resposta que dá vai sempre também uma pergunta, para que a mão indague melhor». In Óscar Lopes, As Mãos e o Espírito, Uma Arte de Música e Outros Ensaios, Oficina Musical, Porto, 1986.

Cortesia de OMusical/JDACT

domingo, 22 de dezembro de 2013

Semeador de Cultura e Cidadania. Inéditos e dispersos. Bento de Jesus Caraça. Alberto Pedroso. «E nessa ponte de passagem chocam-se todas as correntes, coexistem todas as contradições, fazendo dela aparentemente uma feira de desvarios e, na realidade, um formidável laboratório de vida»

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«(…) Se nos recordarmos da afirmação tão firme por si feita um ano atrás, precisamente no dia 11 de Novembro de 1932 e no semanário Liberdade, de que nos momentos então vividos era a hora de falar claro e de cada um escolher a sua posição, sem esforço se verá que ele não só havia escolhido há muito o seu lugar na contenda, como também não perdera tempo a passar das palavras à acção. Certo de que a liberdade, a ciência e a cultura não sobrevivem nem se desenvolvem sob o império da guerra, corajosamente tomou o seu posto na barricada. O Globo surgiu num dos momentos mais dramáticos da História europeia e do nosso país, quando Hitler já chegara ao poder e tinha encenado a grande farsa do incêndio do Reichstag, acelerando a descida aos infernos, de que nos fala Bento Caraça. Na mesma altura, em Portugal, o fascismo salazarista consolidava o seu domínio, plebiscitava fraudulentamente uma nova constituição política e intensificava a repressão sobre o movimento operário e sindical, que a breve trecho iria destroçar com a promulgação do Estatuto do Trabalho Nacional e a fascização dos sindicatos.
É conhecido o texto publicado na última página do primeiro número do jornal, a sua declaração de princípios, a nosso ver saída da pena de Bento Caraça. O que até agora se ignorava é o texto intitulado Linha Geral, encontrado no espólio. Foi certamente o documento original definidor da linha de orientação aprovada pelo colectivo do jornal. Por razões que uma simples leitura torna óbvias, jamais foi divulgado, muito embora a declaração de princípios que foi publicada se tenha inspirado no texto Linha Geral, depois de o expurgar, claro está, das inconveniências que a censura veria com maus olhos e de lhe ter aprimorado a forma. Ao evocar-se a participação de Bento Caraça no amplo movimento internacional contra a guerra e o fascismo na Europa, não é possível deixar no esquecimento a conferência A Cultura Integral do IndivíduoProblema Central do Nosso Tempo, um dos marcos mais significativos do seu envolvimento nessa luta. Proferida em Maio de 1933, na Universidade Popular Portuguesa, a convite da novel União Cultural Mocidade Livre, a conferência antecedeu em alguns meses o lançamento do Globo, sendo proferida perante uma assistência predominantemente juvenil, perturbada mas ansiosa por compreender o curso inquietante dos acontecimentos políticos, económicos e sociais que sacudiam o mundo dos seus dias. Perante esses jovens, numa análise clara e objectiva, Bento Caraça traçou as linhas gerais da evolução do mundo ocidental nos últimos tempos, a matriz dos problemas e das inquietações então vividas, sublinhando que o que o mundo for amanhã, é o esforço de todos nós que o determinará. Há que resolver os problemas que estão postos à nossa geração. Para tal, era indispensável, antes de tudo, conhecer quais são esses problemas, quais as soluções que importa dar-lhes, saber donde vimos, onde estamos, para onde vamos. E mais adiante alertou: O que estamos actualmente vivendo e sofrendo não é apenas uma borbulhagem fugaz, destinada a passar como tantas coisas passam, sem deixar sinal; é, muito pelo contrário, uma época de transição, uma ponte de passagem entre aquilo que desaparece e o que vai surgir. E nessa ponte de passagem chocam-se todas as correntes, coexistem todas as contradições, fazendo dela aparentemente uma feira de desvarios e, na realidade, um formidável laboratório de vida.
A conferência, uma análise invulgarmente lúcida sobre os dias tormentosos da década de 30, representou para os jovens que então a escutaram uma mensagem de estímulo e de esperança. E não é muita ousadia admitir que essa mensagem permanece viva e actual, em muitas das suas páginas». In Alberto Pedroso, Bento de Jesus Caraça, Semeador de Cultura e Cidadania. Inéditos e dispersos, Campo das Letras Editores, Porto, colecção Cultura Portuguesa, 2007, ISBN 978-989-625-128-4.

Cortesia de Campo das Letras/JDACT