terça-feira, 30 de abril de 2013

Narração da Inquisição de Goa. Charles Dellon. «Mal tinha proferido esta sentença, que este bom padre se ausentou, sem nada me responder sobre a minha instância, como se fora levado por algum negócio urgente, e foi, segundo me parece, denunciar-me…»

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Causas aparentes da minha prisão
«Fixara eu a minha residência em Damão, cidade da Índia oriental e possessão portuguesa, para descansar um pouco das fadigas que tivera nas minhas viagens e reganhar as forças perdidas que me habilitassem a nelas continuar; porém justamente aonde fora procurar o remanso, começaram-me novos trabalhos, muito maiores dos que até então experimentara. A verdadeira causa por que me tornei vítima de todas as perseguições dos ministros da Inquisição (maldita) foi um ciúme mal cabido do governador de Damão. É, fácil de se calcular que esta razão não foi alegada em parte alguma do meu processo, mas foi indubitável que para se cevar a paixão daquele funcionário é que se procuraram vários pretextos e se achou finalmente um, para me prenderem e afastarem para sempre da Índia, onde porventura passaria os restantes dias da minha vida.
Cumpre aqui notar que embora fossem fraquíssimos os pretextos de que se serviram os meus inimigos, na consideração das pessoas instruídas na fé e no direito, todavia foram eles mais que suficientes para homens como os portugueses, pelo motivo de suas máximas e prevenções; de sorte que por este lado eu mesmo os achei tão plausíveis que só pude descobrir a verdadeira causa da minha prisão no decurso do meu processo. A primeira ocasião que dei a meus adversários, para me lançarem na Inquisição (maldita) e me botarem a perder, foi uma conversa que tive com um religioso indígena, teólogo e dominicano; mas antes de passar avante, devo mencionar neste lugar que se os meus costumes não têm sido sempre conformes com a santidade da religião em que fui baptizado, tenho contudo sido constante na fé dos meus pais, que é a da Igreja católica, apostólica, romana, e por mercê de Deus tenho-me afeiçoado mais às doutrinas que nela se recebem do que ordinariamente é a maior parte dos cristãos. Gostei pois sempre de ouvir e de ler; e nada li com tanto aferro como a escritura do Novo e Velho Testamento, cujo volume eu quase sempre levava comigo.
Tinha também aprendido alguma coisa da teologia escolástica, porque nas longas viagens se topa continuamente com toda a espécie de gente, entre a qual se acham pessoas de todas as religiões e seitas; e de mui boa vontade entrava em argumentação com os hereges e cismáticos que encontrava nas mesmas viagens; levava comigo livros apropriados para, isto, e entre outros um compêndio de teologia, obra do padre Pedro de S. José, religioso de S. Bernardo, da ordem de Cister, feuillant, [era da ordem de Cister reformada, assim chamada do convento daquele nome, junto da cidade de Toulouse de França, casa principal dessa congregação reformada] e tinha ganho muito conhecimento pela leitura e práticas durante o longo ócio do mar, e da assistência que fizera em várias partes da Índia; julgava-me pois habilitado a entrar em conversações e mesmo em disputa com teólogos de profissão, e mui inocentemente caí no laço que me armou esse religioso.
Havia tomado aposento nos dominicanos, cedendo às instâncias que eles me fizeram, e vivia nessa congregação com a melhor harmonia e familiaridade, fazendo-lhes em muitas ocasiões os obséquios possíveis, reconhecido à honra da boa aceitação e amizade com que me trataram: entretínhamo-nos várias vezes em conversas, e a que tive com o religioso, de quem acabo de falar, foi sobre os efeitos do baptismo. Conviemos que a Igreja católica reconhece três espécies deste sacramento, e não porque duvidasse mas como passatempo quis eu negar o efeito do baptismo, que se chama flaminis, e para sustentar a minha opinião aleguei a passagem que reza Nisi quis renatus fuerit ex aqua, et spiritu sancto, etc.
Mal tinha proferido esta sentença, que este bom padre se ausentou, sem nada me responder sobre a minha instância, como se fora levado por algum negócio urgente, e foi, segundo me parece, denunciar-me ao comissário do Santo Ofício (maldito). Tornei a falar depois muitas vezes com este religioso, e não achando nele nenhuma frieza no trato, estava bem longe de pensar que me tivesse pregado uma tão má peça. Achara-me muitas vezes em assembleias, onde trazem pequenas caixas de esmolas nas quais está pintada a imagem da Santa Virgem ou a de algum santo. Os portugueses costumam beijar a imagem pintada nestas caixas, onde os devotos dessas confrarias deitam os seus óbolos, querendo; mas não podem dispensar-se de beijar as imagens sem escândalo dos assistentes». In Charles Dellon (1649-1709?), Relation de L’Inquisition de Goa, 1687, Leyden, Holanda, Narração da Inquisição de Goa, tradução e notas de Miguel Vicente Abreu (1827-1883), Nova Goa, 1866, Edições Antígona, Lisboa, 1996, ISBN 972-608-075-4.

A saudade do Álvaro José (onde quer que estejas!)
Cortesia de E. Antígona/JDACT

Clara Haskil. Janos Starker. Piano e Violoncelo. «A mulher e o homem são os construtores do mundo novo, obreiros do mundo a fazer. A cidade é a sua casa terrena, onde não súbditos, mas donos. A política terá de reflectir esta dignidade transcendente do humano na pobreza da sua existência»



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Memorial do Convento. José Saramago. «… e esta que é filha, e amada como se viu pelo modo como a olhava a mãe, não teve mais dizer senão, Ali vai, e depois voltou-se para um homem a quem nunca vira e perguntou, Que nome é o seu, como se contasse mais sabê-lo que o tormento dos açoites»

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«E tendo ouvido as sentenças, as minhas e mais de quem comigo vai nesta procissão, não ouvi que se falasse da minha filha, é seu nome Blimunda, onde estará, onde estás Blimunda, se não foste presa depois de mim, aqui hás-de vir saber da tua mãe, e eu te verei se no meio dessa multidão estiveres, que só para te ver quero agora os olhos, a boca me amordaçaram, não os olhos, olhos que não te viram, coração que sente e sentiu, ó coração meu, salta-me no peito se Blimunda aí estiver, entre aquela gente que está cuspindo para mim e atirando cascas de melancia e imundícies, ai como estão enganados, só eu sei que todos poderiam ser santos, assim o quisessem, e não posso gritá-lo, enfim o peito me deu sinal, gemeu profundamente o coração, vou ver Blimunda, vou vê-la, ai, ali está, Blimunda, Blimunda, Blimunda, filha minha, e já me viu, e não pode falar, tem de fingir que me não conhece ou me despreza, mãe feiticeira e marrana ainda que apenas um quarto, já me viu, e ao lado dela está o padre Bartolomeu Lourenço, não fales, Blimunda, olha só, olha com esses teus olhos que tudo são capazes de ver, e aquele homem quem será, tão alto, que está perto de Blimunda e não sabe, ai não sabe não, quem é ele, donde vem, que vai ser deles, poder meu, pelas roupas soldado, pelo rosto castigado, pelo pulso cortado, adeus Blimunda que não te verei mais, e Blimunda disse ao padre, Ali vai minha mãe, e depois, voltando-se para o homem alto que lhe estava perto, perguntou, Que nome é o seu, e o homem disse, naturalmente, assim reconhecendo o direito de esta mulher lhe fazer perguntas, Baltasar Mateus, também me chamam Sete-Sóis.
Já passou Sebastiana Maria de Jesus, passaram todos os outros, deu volta inteira a procissão, foram açoitados os que esse castigo haviam tido por sentença, queimadas as duas mulheres, uma primeiramente garrotada por ter declarado que queria morrer na fé cristã, outra assada viva por perseverança contumaz até, na hora de morrer, diante das fogueiras armou-se um baile, dançam os homens e as mulheres, el-rei retirou-se, viu, comeu e andou, com ele os infantes, recolheu-se ao paço no seu coche puxado a seis cavalos, guardado pela sua guarda, a tarde desce depressa, mas o calor sufoca ainda, sol de garrote, sobre o Rossio caem as grandes sombras do convento do Carmo, as mulheres mortas são descidas sobre os tições para se acabarem de consumir, e quando já for noite serão as cinzas espalhadas, nem o Juízo Final as saberá juntar, e as pessoas voltarão às suas casas, refeitas na fé, levando agarrada à sola dos sapatos alguma fuligem, pegajosa poeira de carnes negras, sangue acaso ainda viscoso se nas brasas não se evaporou. Domingo é o dia do Senhor, verdade trivial, porque dele são todos os dias, e a nós nos vêm gastando os dias se em nome do mesmo Senhor não nos gastaram mais depressa as labaredas, por duplicada violência, que é, a de me queimarem quando por minha razão e vontade recusei ao dito Senhor ossos e carne, e o espírito que me sustenta o corpo, filho de mim e de mim, cópula directa de mim comigo mesmo, infuso do mundo sobre o rosto escondido, igual ao mostrado e por isso ignorado.
No entanto, é preciso morrer.
Frias hão-de ter parecido, a quem perto estivesse, as palavras ditas por Blimunda, Ali vai minha mãe, nenhum suspiro, lágrima nenhuma, nem sequer o rosto compadecido, que ainda assim não faltam estes no meio do povo apesar de tanto ódio, de tanto insulto e escárnio, e esta que é filha, e amada como se viu pelo modo como a olhava a mãe, não teve mais dizer senão, Ali vai, e depois voltou-se para um homem a quem nunca vira e perguntou, Que nome é o seu, como se contasse mais sabê-lo que o tormento dos açoites depois do tormento do cárcere e dos tratos, e que a certa certeza de ir Sebastiana Maria de Jesus, nem o nome a salvou, degredada para Angola e lá ficar, quem sabe se consolada espiritual e corporalmente pelo padre António Teixeira Sousa, que muita prática leva de cá, e ainda bem, para não ser tão infeliz o mundo, mesmo quando já tem garantida a condenação.
Porém, agora, em sua casa, choram os olhos de Blimunda como duas fontes de água, se tornar a ver sua mãe será no embarque, mas de longe, mais fácil é largar um capitão inglês mulheres de má vida que beijar uma filha sua mãe condenada, encostar a uma face outra face, a pele macia, a pele frouxa, tão perto, tão distante, onde estamos, quem somos, e o padre Bartolomeu Lourenço diz, Não somos nada perante os desígnios do Senhor, se ele sabe quem somos, conforma-te Blimunda, deixemos a Deus o campo de Deus, não atravessemos as suas fronteiras, adoremos deste lado de cá, e façamos o nosso campo, o campo dos homens, que estando feito há-de querer Deus visitar-nos, e então, sim, será o mundo criado». In José Saramago, Memorial do Convento, Editorial Caminho, O Campo da Palavra, 27ª Edição, 1998, ISBN 972-21-0026-2.

Cortesia de Caminho/JDACT

segunda-feira, 29 de abril de 2013

O Infante Pedro das Sete Partidas. José Ermitão. «Nunca choraremos bastante nem com pranto assaz amargo e forte aquele que fundou glória e grandeza e recebeu em paga insulto e morte. Figura histórica portuguesa que desperta, se não paixões, pelo menos posicionamentos controversos e contraditórios em relação ao alcance da sua acção política»

Cortesia de wikipedia

Pranto pelo infante dom Pedro das sete partidas
Nunca choraremos bastante nem com pranto
assaz amargo e forte
aquele que fundou glória e grandeza
e recebeu em paga insulto e morte.
In Sophia de Mello Breyner Andresen, 1961.

Vida e Obra
«O Infante Pedro é, para muitos historiadores, uma personalidade axial da história portuguesa (ponto de vista de Duarte Leite, José de Bragança, Júlio Gonçalves, Veiga Simões, Magalhães Godinho, Baquero Moreno, Marques da Silva e outros). Personalidade axial mas mal tratada: caído em desgraça, a sua memória foi deliberadamente apagada ou distorcida. Não recebeu só insulto e morte, recebeu também esquecimento. Só nos séculos XIX e XX a sua figura e actuação política foram reavaliadas e historicamente valorizadas, ainda que continue a ser, por vezes, julgado à luz de sectarismos ineptos (o infante Pedro é a primeira figura histórica portuguesa que desperta, se não paixões, pelo menos posicionamentos controversos e contraditórios em relação ao alcance da sua acção política; impossibilitadores de um julgamento justo. O infante, quarto filho do rei João I e da rainha D. Filipa de Lencastre, nasceu em Lisboa, a 9 de Dezembro de 1392. Da sua educação sabemos que foi muito dedicado ao estudo desde a infância e versado em ciências e letras. Participou nos preparativos para a conquista de Ceuta, tendo presidido ao levantamento das tropas na região de Lisboa e Sul do país, e comandou um dos corpos militares que conquistaram a referida cidade em 1415. Nesta data foi nomeado duque de Coimbra, tendo-lhe sido atribuídas terras e povoações na região do Baixo Mondego e a faixa litoral até Aveiro.
Entre 1425 e 1428 viajou pela Europa, visitando os grandes centros políticos, económicos e culturais de então, Londres, Bruges, Veneza, Roma, a Alemanha, a Hungria e a Espanha. Pessoa esclarecida e atenta às necessidades do país, aproveitou o contacto internacional para se actualizar, dinamizar as relações económicas com a Flandres, recolher informações e propor soluções inovadoras para os problemas nacionais. Neste sentido, escreveu ao irmão, o futuro rei Duarte, uma notável carta, a carta de Bruges (1526), em que sugere um conjunto de reformas para solucionar os problemas da sociedade portuguesa de então. Em Veneza, o maior centro económico do século XV, visitou os arsenais, informou-se sobre o comércio oriental, adquiriu o livro de Marco Pólo, com notícias da China e das suas riquezas, e provavelmente um mapa-mundi com o traçado das rotas comerciais com o Oriente. Destas suas viagens ficou-lhe o cognome de Infante das Sete Partidas.
Entre 1429 e 1439 fixou-se no seu ducado, dedicando-se ao desenvolvimento económico e social das terras e habitantes. Durante este período impulsionou a tradução para português de diversas obras de autores latinos, tendo ele próprio traduzido e adaptado algumas e finalizou, com a colaboração de frei João Verba, a composição do livro Da Virtuosa Benfeitoria. Esta obra é uma importante por dois motivos:
  • O infante Pedro foi não só o primeiro autor de prosa doutrinal em língua portuguesa como também um dos criadores da própria língua, pela maneira como escreve e pelos vocábulos novos que utiliza, de origem latina e grega.
Por exemplo, é o primeiro autor a usar a palavra poesia, dando dela uma definição magistral, poesia é mais sabor do que saber. Como homem de cultura há ainda a mencionar três outros aspectos:
  • o impulso que deu, quando Regente, à continuação das obras do Mosteiro da Batalha;
  • a chamada dos primeiros humanistas italianos a Portugal, como Mateus Pisano, para servir de professor ao futuro rei;
  • o apoio à escultura e pintura, com destaque para os pintores Afonso Gonçalves e João Gonçalves, este último, autor das pinturas do claustro da Abadia de Florença.
Em 1436, numa intervenção fortemente critica no Conselho Real, bem demonstrativa da sua lucidez e visão política, tentou contrariar a conquista de Tânger e a expansão em Marrocos, considerando-a como ruinosa para os recursos do país. Já antes, na Carta de Bruges, analisara a questão de Ceuta em termos de muy bom sumidouro de gente da vossa terra e de armas e de dinheiro. Mais tarde, como Regente, não abandonará Ceuta, mas também não dará qualquer seguimento a conquistas em Marrocos. Na sequência da morte prematura do rei Duarte I, 1438, e sendo menor o futuro rei Afonso V, a rainha D. Leonor assumiu as funções de regente do reino com o apoio da grande nobreza senhorial. Mas esta regência foi contestada particularmente pelos povos dos concelhos, com Lisboa e o Porto à frente do movimento. Gerou-se um clima de tensão política de que resultou o infante Pedro ter sido aclamado Regente do reino nas cortes de Lisboa de 1439 com o apoio expresso dos concelhos e em detrimento dos interesses do partido da grande nobreza que apoiava a rainha viúva». In José Ermitão, O Infante Pedro das Sete Partidas, Wikipédia.

Cortesia de Wikipédia/JDACT

Nas Origens de Portugal. Séculos IX a XII. Reconquista Cristã. Pedro G. Barbosa. «A história da Cultura e o estudo das mentalidades fornecem-nos preciosas informações, tanto no que diz respeito às motivações dos combatentes quanto à capacidade de liderança e às escolhas tácticas e estratégicas»

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«Quais as tácticas usadas no campo de batalha? Quais as variações, tendo em conta a proporção das forças em presença e a conformação do terreno? Como se comportam, ou como são utilizadas as diferentes armas que compõem os exércitos? Qual a preparação estratégica e táctica dos generais? Como se desenvolvia a guerra de cerco? Estes são apenas alguns dos temas, e as respostas às questões têm que ser procuradas em documentos tão diversos como as crónicas, cristãs e muçulmanas, em textos de poetas ou prosadores, em documentação avulsa, em forais, em materiais fornecidos pela História da Arte e pela Arqueologia, e ainda em fontes tão insuspeitas quanto sermões e outros textos litúrgicos.
O nosso propósito é estudar o homem combatente e os sistemas bélicos. Mas tal propósito não nos deve fazer esquecer que eles não aparecem por acaso, sem a mínima relação com os outros campos da História. Estaríamos, então, a estudar uma matéria fictícia, sem relação com a realidade histórica. Não podemos perceber a composição de um exército e a sua cadeia de comando sem levarmos em conta a estrutura social do grupo estudado, as relações de dependência entre os vários estratos sociais, a sua força ou a sua fraqueza demográfica. Não nos podemos alhear da história política, não reduzindo, contudo, a guerra à política por meios violentos. As motivações que comandam as actividades bélicas não dependem do desejo de um chefe ou de um grupo de caudilhos. É uma verdade óbvia, mas que foi no passado muitas vezes esquecida, pelos mais variados motivos.
O estudo do armamento usado pelas forças em presença não pode ser levado a cabo sem termos sempre em mente as influências externas, por imitação, importação ou migração de guerreiros, a tecnologia à disposição dessas sociedades, as matérias-primas a que tinham acesso. Quanto às armadas, não só é importante ter-se informação sobre os tipos de embarcações usadas, e as possíveis influências estrangeiras como as técnicas de construção naval e os conhecimentos náuticos, mas também sobre os portos de abrigo, militares ou de conveniência, e as teracenas onde eram feitos e consertados os barcos. Acresce a tudo isso percebermos como eram as guarnições dos vários vasos de guerra, nos vários momentos, e o seu armamento ofensivo. Por quem eram tripulados? Quais as tácticas usadas em cada momento, em cada teatro de operações e por cada tipo de embarcações?
A história da Cultura e o estudo das mentalidades fornecem-nos preciosas informações, tanto no que diz respeito às motivações dos combatentes quanto à capacidade de liderança e às escolhas tácticas e estratégicas. O objectivo deste estudo é exactamenre o tratar de temas militares específicos. Estes aspectos serão chamados apenas quando forem indispensáveis para um melhor esclarecimento de determinados pontos, remetendo para estudos já existentes, nos restantes casos. Existe um vasto conjunto de obras, entre livros e artigos, que tratam dos aspectos políticos, sociais, económicos e culturais da época. Uns excelentes, outros de menor qualidade, e ainda outros com cujas conclusões não estarei totalmente de acordo. É claro que, ao estudar o problema da guerra de fronteira terei que ter sempre em conta a estrutura dessas comunidades raianas, seja das cristãs, seja das muçulmanas, ou em território ocupado pelos muçulmanos. Mas o que não considerar essencial para o discurso será apenas aflorado, remetendo-se para obras onde o tema se encontra tratado com maior profundidade. O mesmo se diga em relação à questão do ermamento, já sobejamente tratado e explorado por medievalistas de grande prestígio, tanto nacionais quanto estrangeiros.
Por isso, a obra não é uma História da Arte da Guerra no Portugal Medieval, nos momentos da Reconquista. Encarámo-la como um conjunto de estudos, incompletos, mas que têm uma sequência que pensamos lógica, ponto de partida para completarmos o puzzle, encaixando parte das peças que faltam. Mas são em grande número os documentos, tanto particulares quanto régios, as Crónicas, as vidas, de Santos, as imagens, muitas delas só trabalhadas através de reproduções, algumas truncadas e sem relação com o texto de que são ilustração, esculturas de vário tipo, espalhadas pelo País, fortificações que tivemos que visitar para melhor conhecer a sua localização no terreno, mas de que não conhecemos a forma primitiva das suas defesas, ou mesmo os sistemas anexos, por vezes apenas referenciáveis pela toponímia, já que a arqueologia medieval começa apenas agora a dar os seus primeiros passos». In Pedro G. Barbosa, Reconquista Cristã, nas Origens de Portugal, Séculos IX a XII, Ésquilo, Lisboa, 2008, ISBN 978-989-8092-26-7.

continua
Cortesia de Ésquilo/JDACT

Astor Piazzolla. Gotan Project. Tango. «O mal é a necessidade, a aparência, a deficiência. O bem é a liberdade, a plenitude, a eficiência. A dor leva ao maior conhecimento. A dor é viver, conhecendo que ‘imos morrendo’»

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Monarcas Infelizes. Henrique III. França. Soberano Assassinado por um Fanático Religioso. Américo Faria. «Henrique de Guise, astucioso e ambicioso, sentia-se com um voraz desejo de sacudir o seu homónimo do trono e ocupá-lo ele»

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«Mas, se a questão religiosa era o motivo principal das constantes dissidências, que as armas só transitoriamente resolviam, mercê da força e nunca pela razão, havia outras causas, quiçá mais importantes, ou mais estimulantes, que as alimentavam, embora jamais fossem manifestadas nos primórdios do reinado. Henrique de Guise, astucioso e ambicioso, sentia-se com um voraz desejo de sacudir o seu homónimo do trono e ocupá-lo ele. Todos os seus esforços, pois, se orientavam sub-repticiamente em tal sentido, manejando para o efeito a força dos católicos fanáticos, que tudo sacrificavam a essa ideia.
A sua facção, constituída por numerosos elementos a rudo dispostos, exaltada pelos acontecimentos, era excelente veículo para as intrigas ambiciosas do chefe, o tortuoso Guise. Este desenvolve-se em actividade, não apenas dentro do território nacional, mas, indo muito para além, procura apoios e auxílios nos próprios meios estrangeiros. Consegue assim interessar nos seus planos o astuto monarca da Espanha, Filipe II, à custa de compromissos que afectariam o país no caso da sua vitória, recebendo em troca grandes somas de dinheiro. Do mesmo modo, também o Papa o encoraja à acção, tendo em vista, sobretudo, o extermínio das transviadas ovelhas que eram os Calvinistas. E só com o incitamento do Sumo Pontífice, Gregório XIII, foi possível a formação da Liga, associação criada para defender a ameaçada religião católica.
Em breve, esta organização atingia considerável poderio pelo número e pela qualidade dos-adeptos reunidos à sua sombra. Mesmo até dos católicos moderados da corrente do duque de Alençon, orientada pelo irmão e rei, foram numerosos os elementos que se acolheram ao programa da Liga, desgostosos pela falta de energia do soberano, que passava a vida rodeado dos favoritos e dos seus cãezinhos de luxo. Para tão acentuada defecção também muito contribuiu a drástica proclamação do duque de Guise, estabelecendo que todos os cidadãos deveriam inscrever-se nela, sob pena de serem considerados inimigos. Ameaçava com a excomunhão os que o não fizessem.
Convém frisar que os projectos de Henrique de Guise eram activamente secundados por seu irmão, Luís de Lorena, arcebispo de Reims. A finalidade ostensiva da Liga era a salvação do Catolicismo, pelo aniquilamento dos adversários mais directamente ameaçadores, os Huguenotes ou Calvinistas. Mas, aqui, transparecem já ou objectivos 'políticos da nova organização, que, desvelando os seus propósitos, se propunha fazer abdicar o rei e encerrá-lo num mosteiro, em face da sua tibieza de acção e da sua reconhecida falta de energia para satisfazer os desejos dos Católicos intolerantes, dando a coroa ao seu activo e esclarecido chefe, o duque de Guise.
Guise conquistara a posição de ídolo da população parisiense, à custa da profusa distribuição de prospectos de propaganda, nos quais estigmatizava os erros e a viciosa conduta íntima do rei e afirmava que, sendo descendente de Carlos Magno, era a ele que competia ocupar o trono da França. Henrique III, porém, revelou-se à altura das circunstâncias e, longe de perseguir a Liga, como outro qualquer menos perspicaz sem dúvida teria feito, permitiu abertamente a sua organização, sem a hostilizar.
Ao invés, a Liga não perdia o ensejo de atacar a autoridade real, promovendo a indisciplina cívica e outros desacatos, sempre inspirada pelo seu chefe. Henrique III, sem descurar a sua segurança própria, vivia bem guardado por uma guarda pessoal de confiança, pronta a defendê-lo de qualquer ataque». In Américo Faria, Dez Monarcas Infelizes, Livraria Clássica Editora, colecção 10, Lisboa, s/d.

Cortesia de Livraria Clássica Editora/JDACT

Vaya com Dios. Música. «Quando de homem predicamos algum predicado, no juízo manifesto em adjectivo ou forma verbal adjectivante, importa referir o predicado ao sujeito, isto é, a adjectivo ao substantivo, para que, tornando o adjectivo visível, ele não sirva de ocultação ao substantivo»



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