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quarta-feira, 31 de agosto de 2011
César de Frias. A Afronta António Nobre. Parte I. «Tarefa agradável e consoladora? Ou, antes, safara de gozo e mortificante? Uma e outra coisa, simultaneamente, com a dupla face, risonha e carrancuda, que todos os aspectos do mundo apresentam a olhos mortais. Se agradabilidade e consolo me ungiram a alma enquanto nela, esquecido do seu motivo nodal…»
«Saibam quantos estas laudas virem que eu não quis fazer com elas uma obra de estrondo, que me pusesse repentinamente em foco, dado que o sr. Albino Forjaz de Sampaio já alcançou foros de consagrado e o autor é praça recente na milícia das letras. Demais, é óbvio que, nestas circunstâncias, o que eu teria a fazer, no interesse do meu futuro literário, em vez de hostilizar aquele sr., que pontifica para aí em coisas de pseudo-crítica e anda na roda dos imortais num tu cá, tu lá familiar, era dirigir-lhe vários e curvadíssimos salamaleques, no intento de lhe captar as simpatias, para quando saísse a lume ter sempre sua eminência a benzer-me magnanimamente com o seu hissope. Digo-o de começo para murchar bastardas insinuações dos punitivos vesgos, seus acólitos e panegiristas.
Não amo a literatura petardo. Não. Pelo contrário. Tendo as faculdades gustativas, não sei se por excessivo requinte ou por embotamento mórbido, nada afeitas ao sabor de iguarias condimentadas de escândalo, pesa-me bastante sentir que, de facto e contra a minha vontade, algum cheiro a escândalo daqui tresanda, roçando e açulando o olfacto e o apetite do público ledo gulosamente ávido de escritos em que tal excêntrico tempero seja certo e bravo. E muito hesitei mesmo antes de acometer esta faina, cuja índole, pela sua tonalidade crítica, fica destoando no plano de trabalhos, que, obedecendo a um forte e actual pendor do meu espírito, eu estabelecera para o decurso do ciclo inicial da minha vida escritural, plano quase de todo em todo entretecido apenas de obras de ficção artística. A emergência, pois, que me atirou para a tarefa presente constituiu para mim, primeiro do que para ninguém, a maior das surpresas.
Cortesia de emicles e rascunhosemvida
Tarefa agradável e consoladora? Ou, antes, safara de gozo e mortificante?
Uma e outra coisa, simultaneamente, com a dupla face, risonha e carrancuda, que todos os aspectos do mundo apresentam a olhos mortais. Se agradabilidade e consolo me ungiram a alma enquanto nela, esquecido do seu motivo nodal, o da réplica ao desajeitado comentador do Poeta, falei de António Nobre, esse alto e diligentíssimo astro do lirismo português dos últimos tempos, a que devoto a mais enraizada e velha admiração, velha da velhice capaz de caber nuns vinte e tantos anos, tédio e mágoa me toldaram breve as doces emoções hauridas naquela primeira parte da minha faina, ao lembrar-me de que a executava somente como alicerce duma outra mais áspera e para a qual, já o disse, não só me escasseia propensão, como até se levanta dentro de mim invencível repulsa:
- A de impugnar quem cometeu o desacato contra a memória do infeliz Poeta, não pela pessoa atacada, que isso nada me importa, mas apenas porque um ataque não se leva a cabo sem ferimentos e sem estridor, nem se compadece do melindre dos espíritos contemplativos e tolerantes, que só a custo consentem em amarrotar a túnica branca da serenidade que os veste sob a chispante e pesada cota de armas, forçosa de envergar para entrar em combate, sempre febril e sem tréguas, bastas vezes injusto e sem nobreza.
Mas o sr. Albino Forjaz de Sampaio assim o quis, publicando o seu último inferior e revoltante livro, e assim o quiseram também os meus irmãos mais velhos nas letras, que egoistamente se quedaram, silenciosos e neutrais, perante a afronta que ele comporta, não vindo, arrancar a carcaça infantil e delicada do Poeta àquelas mãos profanadoras, já reincidentes e velhuscas no crime de violar túmulos de mortos ilustres. E ficar-me-á sempre a mágoa de que outras penas, mais autorizadas, mais idosas e mais hábeis do que a minha, humilde entre as humildes, outras penas, dizia, como por exemplo, as de Justino de Montalvão, António Patrício, Antero de Figueiredo e Alberto de Oliveira, quatro Mestres da prosa portuguesa contemporânea e, para mais, quatro ferventes admiradores do Poeta do «Só», ou por anquilosado desdém pelo seu detractor ou por simples desconhecimento do desacato, não tivessem tido o arranco de indignação esperado, para morderem, sulcarem, vaticinarem no papel, no cometimento da empresa justiceira a que eu me arrojei, mas só quando vi que um silêncio demasiadamente longo, e possivelmente suspeito de cumplicidade, envolvia o delito, como se nada houvesse a objectar ao ignominioso «veridictum» e só depois de ter averiguado que ninguém mais trazia entre mãos obra similar, que, a publicar-se, me libertaria do encargo que penosamente ia tomar sobre os ombros.
Casa de António Nobre, Av. do Brasil no Porto
Cortesia de wikipedia
Não alimento a ingenuidade de supor que em todos os espíritos esta defesa de António Nobre vá suscitar unânime e intenso entusiasmo e trazer-me a força da sua solidariedade. Demais sei que bastantes miopemente o consideram um Poeta de ordem menor, olhando mais para o continente pequeno da sua curta obra, curta como a sua vida, do que para o âmago rico de potência lírica do seu conteúdo.
Eles terão sorrido, quem sabe se com prazer?, da heresia do sr. Forjaz, como sorrirão amanhã da minha réplica, achando que exagero e que o assunto não merece tanta importância e tanto alarme. Pois até para esses eu julgo que este caso não deve ser alvo de tão gelada apatia.
O que o sr. Forjaz fez hoje com «Anto», fá-lo-á amanhã, como já prometeu claramente, e usando decerto de igual, se não maior, violência iconoclasta, com outras individualidades, que mais alto e florido altar disfrutem no culto da gente desdenhadora do géniode Nobre. Sobre a pedra de alicerce desta defesa restrita e actual poderá ser erguido o arcaboiço largo do edifício da generalidade, em que tenham asilo outros casos que a todos importam.
Bem sabem: ontem, mal tinham entrado na Morte os cadáveres, ainda quentes, de Silva Pinto, Ramalho, Bulhão Pato, correu logo, numa fúria irreverente, a cuspir-lhe sem cima. Agora, em nova sortida, sacou do sepulcrosito de António Nobre e revolveu-lhe as cinzas brancas com os estos raivosos que a mediocridade costuma ranger à vista da grandeza. E, enquanto bolsa insultos contra o Poeta do «Só», que não pode ter culpa de que o Destino lhe tivesse dado, e para seu mal, o que recusou ao desajeitado crítico, declara não ficar por ali. Voltará amanhã a quebrar as lousas das campas de Camilo, de Fialho, de Eça, de Cesário Verde, de José Duro, e de muitos mais, no propósito evidente de apenumbrar, enferrujar, amachucar a auréola duns, e a outros na intenção esconsa e hipócrita, manhosa e ridícula, de lhes pôr os méritos em melhor destaque, de os sacudir do pó do esquecimento, em que a sua alma, boa e piedosa da última hora, não consente que vão cair. Como se os talentos raiados de génio de Camilo, do Fialho ou do Eça, necessitassem para circular no nosso entusiasmo admirativo da apresentação gaguejada dum sr. Albino Forjaz de Sampaio!... Armou o homem em porteiro cicerone do Panteon, salte a nomeação no «Diário do Governo» e dêem-lhe a farda agaloada!». In César de Frias, A Afronta a António Nobre, Livraria Central, Editora, Lisboa, PQ9261N6Z67, Library University of Toronto 15 de Setembro de 1967.
(Continua)
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A Infanta D. Maria de Portugal (1521-1577). As suas Damas: «A despeito d'esta clausula D. João III oppos-se, não á partida de D. Leonor, mas á da filha, a qual o clamor da capital, excitada por tres annos de intrigas e calumnias, reclamava, perguntando com vivo rigor, “onde mandaes a nossa. infanta, nascida como em nossos braços, filha legitima do nosso natural rey, successora e herdeira en seu grau, nossa paz presente, alliança futura, riqueza certa?»
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NOTA: Texto na versão original
A Infanta D. Maria
«Em outra occasião, ao receber em seus aposentos, cercada de quatro matronas, quatro damas e tres donzellas que pareciam três graças, a um legado pontificio, ella apresentou-se com o mesmo recato: toda de velludo preto, e corpo afogado. É verdade que nesse ensejo contava vinte annos a mais. Mas tendo herdado joias esplendidas da mãe enfeitara-se d'esta vez com ricos adornos de ouro, e uma corôa de rubis e diamantes. Não falta, porém, quem a descreva em galas vistosas. Quando na côrte festejavam, n'um dos ultimos momentos de gloria e regosijo de D. João III, a puberdade do Principe D.João que ensaiava armas no novellesco torneio de Xabregas (1552), a Infanta brilhava em setim encarnado com recamado d'ouro e prata, e dianteira de trança de ouro e perolas. E essas galas tornaram-na tão bella que o poeta que assim descreve as roupagens, um moço da camara do Infante D. Duarte, não se aventura a devassar-lhe os encantos do rosto. Por circumloquios num simile feliz, comquanto pouco novo, diz apenas:
- «para a eu desenhar vou-me com o pintor que cobriu o rosto de Agamenon no sacrifricio de Iphigenea, porque cousas em que a natureza abalisa seu extremo não lhe chega engenho humano para entendê-las».
Do mesmo modo procedeu o auctor das Decadas. Tocando vagamente na sua graça natural cita o prolóquio:
- «a quem Deus quer bem, no rosto lhe vem».
Evidentemente entre os eruditos da côrte constava que a Infanta, bizarra, e na consciência da dignidade do seu estado, admittia que ao vulgo profano se fallasse das linhas do seu rosto, ou da elegancia das suas esplendidas formas esculpturaes. Apenas o velho Resende, ao tributar-lhe homenagens, adiantava-se até tocar em alguns pormenores: os cabellos ruivos, o andar divino, «incessu dea», lembrando a Venus de Lucrecio:
- «incessu patuii dea».
Mas esse... fallava latim.
Para findar, mais uma observação. Parece que graças á robustez da sua constituição, D. Maria conservou longamente certa frescura juvenil. Venturino, o secretario do cardeal Alexandrino, opinava, ao vêla em 1571, que nenhum desprevenido lhe teria dado os cincoenta annos já decorridos.
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Era fructo ultimo do terceiro matrimonio do rei Venturoso com a joven D. Leonor d'Austria, irman mais velha do Imperador Carlos V. Meio anno depois do nascimento da Infanta D. Maria (a 8 de Junho de 1521) o monarca fallecia, deixando ambas, mãe e filha, numa situação melindrosa e anormal, embora legalmente constituida.
D. Leonor fôra promettida primeiramente ao principe D. João (III), quando ninguem podia prever o fim da boa e prolifica rainha D. Maria, e menos ainda a pressa com que o desolado viuvo quasi quinquagenario, convolaria a terceiras nupcias, por conselho de poucos, quasi a furto, e exactamente com a noiva do seu primogenito e herdeiro. «Es este el bovo? havia perguntado, ao entrar em Portugal, fitando surprehendida e com curiosidade o enteado, rapaz viçoso de dezasete annos, dando assim a conhecer os meios illicitos e manhosos que os enviados de D. Manoel haviam empregado, para a fazer mudar de proposito, a ella e seu irmão. Era todavia voz publica que d'esses planos contrariados havia surgido uma verdadeira e violenta afeição que não se extinguira, mas antes medrára no curto prazo de tres annos de consorcio com D. Manoel. Depois do advento ao throno do successor. um partido numeroso de cortesãos e populares, julgando comprazer-lhe advogava o consorcio dos dois namorados, emquanto outros o impugnavam, acreditando na opposição da curia contra o casamento do enteado com a madrasta. Boatos calumniosos corriam. O Imperador para evitar escandalos, cortou o nó, decidindo que D. Leonor regressasse sem delongas.
A Infantinha havia de acompanhá-la pois no contracto, como em previsão do caso, fôra estipulado que D. Leonor podesse, enviuvando, sahir do reino, com seus filhos e creados, sem precisar de licença especial do soberano português.
- «Si Dios ordenase que el dicho señor Rei de Portugal fallezca d'esta vida presente primero que la dicha Señora lnfanta, que ella, sus hjos y creados se puedan partir de los dichos reinos y señorios de Portugal, queriendo-lo fazer, y se puedan venir a Castella o a otra parte, para donde les pluguiere, sin le ser puesto embargo en ella ni a los que con ella vinieren… sin ser obligado de aver licencia del Rey de Portugal, que en aquel tiempo fuere».
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A despeito d'esta clausula D. João III oppos-se, não á partida de D. Leonor, mas á da filha, a qual o clamor da capital, excitada por tres annos de intrigas e calumnias, reclamava, perguntando com vivo rigor:
- «onde mandaes a nossa. infanta, nascida como em nossos braços, filha legitima do nosso natural rey, successora e herdeira en seu grau, nossa paz presente, alliança futura, riqueza certa?»
E o soberano não achava prudente, nem sabia como restituir no curto prazo legal de quatro annos as avultadissimas quantias a que a Infanta tinha direito. Se D. Leonor podesse então prevêr o destino ulterior da filha, a sua vida entrecortada de desgostos, as tristes especulações, de que foi alvo por causa dos calculos e manejos profundamente egoistas do rei, seu irmão; se podesse prevêr com que facilidade Carlos V havia de sacrificar affeições pessoaes aos seu planos politicos; se adivinhasse, insistia com certeza com mais energia no cumprimento do contracto, reclamando os seus direitos! Partiu, porém (Maio de 1523), sem a filha, que não tornou mais a vêr, senão trinta e cinco annos depois, poucos dias antes de morrer (1558)!
Não vou devanear sobre o que aconteceria e qual teria sido a sorte da Infanta, uma vez passadas as fronteiras de Portugal. Assim, permaneceu orfan, com dois annos apenas, em poder del-Rei seu irmão entre «tres malicias coronadas» e desencontradas, que cubiçavam os seus bens. Sob a direcção immediata da Rainha D. Catharina, foi creada por D. Joanna de Blasfeldt, sua aia e depois camareira-mór, que viera de Castella com a rainha D. Leonor, com os desvelos que competiam á sua elevada gerarchia, cercada de fausto e com o apparato de uma grande côrte. Mas é impossivel affirmar que os tutores a trataram com carinho e amizade fraternal. Antes, ha razões de sobejo para crêr que D. João III, embora simulasse attender sempre com muito respeito as opiniões da rainha de França, sympathisava pouco com a meia-irman, fructo de um matrimonio de que sempre se dera por offendido». In Carolina Michaelis de Vasconcelos, A Infanta D. Maria de Portugal (1521-1577) e as suas Damas, edição fac-similada, Biblioteca Nacional, Lisboa, 1994, ISBN 972-565-198-7.
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Pedro Dufour. História da Prostituição em todos os Povos do Mundo: Parte V. «Judá apressou-se a cumprir a sua palavra, mandando-lhe por «um pastor o prometido cordeiro, e dando ordem ao seu emissário para receber da mulher com quem estivera os objectos que lhe deixara. Como o pastor não encontrasse, porém, no sítio indicado pelo amo aquela a quem procurava, perguntou aos que passavam…»
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«O dilúvio renovou a superfície da terra, mas as paixões e vícios, que Deus quisera afogar nas grandes águas, de novo apareceram e se multiplicaram com os homens. Nem a própria hospitalidade foi uma coisa respeitada e respeitável nas cidades malditas da Pentapole. Quando os dois anjos que haviam anunciado a Abrahão que Sara, a sua velha esposa, lhe havia de dar um filho, foram a Sodoma e se hospedaram em casa de Loth para ali passarem a noite, os habitantes da cidade, desde o mais novo até ao ancião, cercaram a casa, e chamando por Loth, disseram-lhe:
—Onde estão esses mancebos que vieram visitar-te? Obriga-os a sair, porque os queremos conhecer.
— Meus irmãos, rogo-vos que não ofendais os meus hóspedes. Tenho duas filhas que ainda não conheceram varão. Entregar-vol-as-hei para que façais delas o que quiserdes, contanto que respeiteis estes mancebos, que recebi debaixo do tecto da minha casa.
Loth, que assim fazia o sacrifício do pudor de suas filhas à hospitalidade, não leria concedido de boamente aos seus dois hospedes o que oferecia bem a seu pesar a uma populaça indigna?
Enquanto às filhas deste patriarca, o espectáculo da chuva de fogo sobre Sodoma e Gomorra não lhes inspirou sentimentos de pudor e de continência. Ambas elas, uma após a outra, abusaram estranhamente da embriaguez de seu desgraçado pai. Temos neste caso a prostituição, apesar de que ela não seja ainda a legal, a que se realiza em virtude de um uso que a lei não condena. Esta espécie de prostituição manifesta-se entre os hebreus desde o tempo dos patriarcas, dezoito séculos antes de Cristo, na época em que o casto Joseph, escravo e intendente do eunuco Putiphar no Egipto, resistia às impúdicas provocações da mulher do seu senhor, deixando-lhe entre as mãos a capa, afim de poder salvaguardar a virtude.
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Um dos irmãos de Joseph, Judá, o quarto filho de Jacob, casara sucessivamente com uma rapariga chamada Thamar dois filhos que tinha tido de uma chananéa. Estes dois filhos, Her e Onan, morreram sem sucessão, e a viúva dispunha-se a contrair terceiro matrimónio com o último irmão, chamado Sela. Judá, porém, não quis consentir neste novo matrimónio, para o qual os precedentes, que haviam sido estéreis, eram de mau agouro. Thamar, descontente com esta oposição do sogro, imaginou um meio bem singular de lhe provar que não era ela a infecunda. Sabendo que Judá tinha de ir aos montes de Tinnath proceder à tosquia dos seus gados, despojou-se dos seus vestidos de viúva, ataviou-se com outros mais alegres, cobriu o rosto com um véu, e foi sentar-se na encruzilhada de um caminho por onde o velho tinha de passar.
Quando Judá a viu, julgou que aquela mulher era uma meretriz, e aproximando-se dela, disse-lhe:
— Queres que me detenha contigo?
— E que me darás em paga das minhas carícias?, perguntou-lhe Thamar.
— Mandar-te-ei o melhor cordeiro dos meus rebanhos.
— Faça-se em mim segundo o teu desejo, se me deixares uma prenda até que cumpras a tua promessa.
— E que prenda queres tu que te dê ?
— O teu anel, o teu bracelete e esse báculo que levas na mão.
Judá deteve-se com ela, e Thamar concebeu.
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Em seguida continuou o seu caminho, separando-se de Thamar, que voltou a casa e tornou a envergar a sua lutuosa túnica.
Judá apressou-se a cumprir a sua palavra, mandando-lhe por «um pastor o prometido cordeiro, e dando ordem ao seu emissário para receber da mulher com quem estivera os objectos que lhe deixara. Como o pastor não encontrasse, porém, no sítio indicado pelo amo aquela a quem procurava, perguntou aos que passavam:
— Sabeis para onde iria a meretriz que costumava estar sentada neste sitio ?
— Neste sítio, responderam-lhe, nunca houve meretriz nenhuma.
O rapaz, de volta a Tinnath, disse a seu amo:
— Não encontrei a mulher, e os passageiros a quem pedi informações disseram que não havia meretrizes naquele sítio.
Pouco tempo depois, anunciaram a Judá que Thamar estava grávida, e, ao saber de tal escândalo, o velho indignado ordenou que fosse imediatamente queimada como adúltera. Foi então que Thamar lhe fez reconhecer o autor do fruto que trazia nas entranhas, restituindo-lhe o anel, o bracelete e o báculo (21)». In Pedro Dufour, História da Prostituição em todos os Povos do Mundo, Typ da Empreza Litteraria Luso-Brazileira, Pateo do Aljube 5, 1885, Library University of Toronto, May 23 1968, Lisboa.
Com a amizade de PC.
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terça-feira, 30 de agosto de 2011
Alfredo Alves. D. Henrique o Infante. Memória Histórica: Parte V. «D. Henrique, esse, não tinha vocação poética; o seu espírito não adejava em devaneios de lirismo; ia-se tornando positivo e grave, calculista e reservado e seco. O pai idolatrava-o; era o filho que mais se parecia com ele, no aspecto e no carácter. E já ao sair da adolescência os três mais velhos dos Infantes de Avis iam revelando as linhas características intelectuais, que os distinguiriam»
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«Eram próprios da época os torneios; desde 1066, em que Godofredo de Pailly os idealizou, serviam eles de bom aprendizado nas armas aos mancebos que tinham por destino o combater. Assaltantes e manejadores giravam nas liças; altivos em suas armaduras, correctos em seus meneios, fuzilando raios de espadas e estrondeando em choques violentíssimos, com seus pendões ao vento e seus olhares na dama dos pensamentos, velavam a rudeza dos seus feitos com um sendal de poesia: o culto aryano do belo e do frágil, personificado na mulher. Nesses torneios, que se repetiam nas solenidades de mais importância, educaram-se também os Infantes de Avis.
A época era ainda de Cavalarias; havia pouco tempo que aos nove «preux» já consagrados:
- Machabeu,
- Josué,
- David,
- Alexandre Magno,
- Heitor,
- Júlio César,
- Karl, o Magno,
- Godofredo de Bouillon e Beltram, se acrescentara um décimo, Duguesclin.
A Cavalaria ainda era um sacerdócio da guerra; aureolava-se com a generosidade e as suas armas deviam defender todo o que se afundasse na tristeza do desamparo. O espírito cavalheiresco caía no fervido tumultuar das paixões como uma aspersão de água benta na fronte de um réprobo; era como uma aragem que descesse do céu a varrer os miasmas que ao de cima de um pântano se alastravam, nas almas. O seu móbil não seria todo ideal, contudo ele foi um protesto reabilitador da Humanidade. E nesse espírito que vem acolher-se as correntes de tradições indo-europeias, que se transfundem nas almas, de geração a geração, como o sangue de organismo a organismo; e essas tradições combinadas com a Ideia Cristã, que por assim dizer criou uma nova raça humana, desenvolvem-se gradualmente nas Epopeias. Aquelas começam no mar dos povos a surgir assim como, longe da costa, afloram à superfície do Oceano as espumas precursoras das vagas, que se formam depois e rolam na praia com estampido formidável.
Pois da mesma forma, nos tempos medievos, uma ou outra palavra revelava, aqui e ali, o assunto que de longe vinha na asa da tradição; acolhia-o qualquer espírito que o desenvolvia em uma cantilena ou «chacone», assimilava-se esta com outras idênticas, enleavam-se todas como ramos de florestas ou como raízes vigorosas, e essas cantilenas, sons isolados, constituíam, enlaçando-se, as «canções de gesta».
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Assim, a «Busca do Santo Graal», com todas as suas aspirações religiosas e todo o seu ideal de pureza:
- Merlim, o encantador, o magico, uma personificação do dualismo oriental;
- Artur, a valentia de um rei como que sintetizando num símbolo a valentia de uma geração;
- e todos os mais romances do ciclo dos da Távola Redonda, fragmentos assimiláveis a que Roberto Wace, Boron e Luc du Gast deram tipo, trazem em si o mesmo pensamento que inspirou os «slohas» ou dísticos das «Itihasas» sagradas dos indianos, isto e, a luta do Bem e do Mal, luta sempre viva e sempre evidente.
O ideal de Justiça esboçado nessas concepções remotas do espírito humano, torna-se mais nítido nas produções que a aspiração cavalheiresca assimilara. O Bem tenta suplantar o Mal; a Pureza faz por dissipar as manchas da Corrupção; mas, embora essas tradições lendárias se combinem com o Cristianismo, a felicidade, contudo, não fica consistindo na suavidade dos prazeres simples, na paz e no amor universal, mas sim ainda no gozo cruel dos combates sem tréguas.
- a «canção de gesta de Rolando» é vibrante como um clarim de guerra;
- a «Durendal», a boa espada do herói, sulca como um arado vasta gleba de muçulmanos; «Ganelon» é a personificação do Mal;
- «Alda, o eterno feminino»;
- o cunho ariano de Justiça lá vem impresso nessa primeira compilação de cantilenas, e também o Cristianismo vai chamando a si e absorvendo a composição, tornando-a uma epopeia sua.
Na corte de D. João I liam-se os livros de Cavalaria. O mesmo rei os tinha em sua recâmara, formando um núcleo de biblioteca. Não era inteiramente desafeiçoado às letras o bastardo de D. Pedro I. Gostava de ler em serão com os da corte «O Regimento de Príncipes», de Gil de Roma; compilava ele mesmo as regras de «Monteria» em livro; tinha a «História Geral de Espanha», de Afonso, o Sábio; os «Evangelhos»; «Bíblias»; livros de orações; o «Manual da Cetraria»; «A Confissão do Amante», de John Gower; o livro de «Agricultura» (talvez o do árabe Abu-Zaccaria-Iahia-Aben-Mohamed ben-Ahmed-Ebu-el-Awan), o de «Bartholo», e o das «Partidas», bem como os «Comentários jurídicos» de Pino de Cistoia, as «Trovas» de D. Diniz e o livro da «Demanda do Santo Graal». Este último, principalmente, era o predilecto, como livro cavalheiresco que era. As lendas bretãs, vindas com a aliança e convivência inglesas, achavam eco e simpatia na corte de Portugal. O próprio rei comparava-se a Artur, o legendário, e aos seus bons cavaleiros chamava ele pelos nomes dos leais da Távola Redonda.
Cortesia de guerradarestauracao
O Condestável, todo espiritual, queria desde a adolescência ser puro como Galaaz. D. Filipa rejubilava-se com ouvir essas lendas, cantadas ou narradas nas salas do paço das Alcáçovas ou sob os castanheiros frondosos de Sintra; tinha assim uma evocação do seu país natal. Os Infantes escutavam, atentos, e queriam imitar os heróis. As donas e donzelas, sentadas em torno à rainha, ouviam também, sorridentes e interessadas, aquelas histórias de amores. Todos tomavam nomes de heróis e de heroínas:
- Artur e Tristão,
- Iseult e Oriana,
- Percival e Lançarote,
- Alda e Briolanja.
A «canção de gesta» ia para uma nova fase da evolução das tradições, resolvendo-se na prosa das novelas de «Amadis». Vasco de Lobeira foi um dos primeiros a historiar as aventuras desse «donzel do mar», filho de Perion e de Belizena.
E a leitura desses livros de Cavalaria ia suplantando os cantares trovadorescos da Provença. As cantigas de D. Diniz iam-se obliterando, na casa de D. João I; a numerosa corte do rei poeta desaparecera sem sucessores quase; ainda despertava alguma atenção a poesia galeciana de Macias e Villansandino; mas os livros de Cavalaria absorviam todos os espíritos, e talvez se ligasse mais interesse então a qualquer «goliardo» ou estudante vagabundo, sucessor de Walter Map, cantando um «chacone» fantástico, do que ao mais lírico trovador que viesse ali nas salas soluçar queixumes, ao som do alaúde. No entanto a poesia lírica não se extinguia, transformava-se. Dois dos filhos do Rei, D. Duarte e D. Pedro, cultivaram-na. O primeiro trovou à moda antiga, mas como era mais erudito do que poeta, não foi esse o género literário que mais se tornou do seu agrado e ate das suas trovas originais nenhuma conseguiu a posteridade ler. O segundo foi um poeta do tempo, um alegórico à maneira de Juan de Mena; poeta enfim, próprio do momento histórico dos primeiros alvores da Renascença clássica.
D. Henrique, esse, não tinha vocação poética; o seu espírito não adejava em devaneios de lirismo; ia-se tornando positivo e grave, calculista e reservado e seco. O pai idolatrava-o; era o filho que mais se parecia com ele, no aspecto e no carácter. E já ao sair da adolescência os três mais velhos dos Infantes de Avis iam revelando as linhas características intelectuais, que os distinguiriam:
- D. Duarte um humanista erudito;
- D. Pedro, um filósofo e politico;
- D. Henrique, um cosmógrafo e economista (19).
In Alfredo Alves, D. Henrique o Infante, Typografia do Commercio do Porto, 1894G 286, H5A53, Porto.
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Painel de São Vicente de Fora. Nuno Gonçalves: Parte V. Painel dos Cavaleiros (3). Dois cintos insólitos. Uma obra-prima da pintura portuguesa do século XV, pintada a óleo entre 1470 e 1480.« A impressão psicológica é de desordem, de contradição, e parece reforçar a significação da cruz partida»
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Painel dos Cavaleiros
Parte 3
Dois cintos insólitos
«A figura verde e a figura roxa não têm apenas em comum a raridade dos objectos que trazem ao pescoço. Ambas possuem também cintos invulgares e simbólicos. O observador que, a alguma distância, atente no segundo cinto (desapertado) do cavaleiro roxo, não pode deixar de sentir a intencionalidade da penumbra que o rodeia confundindo-o com a bainha da espada, com a sua fivela pendente do primeiro cinto (apertado à cintura) prolongando-se aparentemente numa tira de couro vertical com furos desalinhados e impossíveis. A impressão psicológica é de desordem, de contradição, e parece reforçar a significação da cruz partida.
Cortesia de paineis
A impressão provocada pelo cinto que o cavaleiro verde usa a tiracolo é exactamente a oposta, e parece reforçar a significação da pérola através de uma sugestão de perfeição e regularidade. Também ele é simbólico, uma vez que parece estar furado em toda a sua extensão de uma forma muito pouco utilitária, exactamente como o cinto do cavaleiro roxo! Note-se que o primeiro furo da ponta oposta à fivela invisível se destaca como um pequeno círculo negro muito próximo do círculo branco constituído pela pérola (que espantosas lições de elegância perdem os que insistem em reduzir a inteligência actuante a simples aparência trivial!) e que a restante porção do cinto que fica necessariamente próxima da fivela no outro extremo, depois de passar pelas costas e por baixo da axila, se encontra igualmente furada.
O leitor que não se aperceba da inverosimilhança do cinto do cavaleiro verde como adereço realista, terá apenas que experimentar a colocação a tiracolo do seu próprio cinto defronte de um espelho, de modo a conseguir uma distribuição de furos análoga: a operação é impossível, a menos que se trate de um cinto furado em toda a sua extensão, e a informação de que estamos perante mais um objecto simbólico é-nos comunicada por um único pequeno círculo negro, mesmo ao lado da pérola!
Dois cintos, portanto, igualmente insólitos mas convergindo com a intenção de outros objectos presentes nas figuras que os ostentam. E, mais uma vez, a «regra da irresolução» confirma a mistificação sistemática que acompanha e encobre os dados da charada: em ambos os casos os cintos parecem supérfluos, sem qualquer função para além da conferência de um estatuto moral aos seus proprietários, mas igualmente em ambos os casos, um exame mais detalhado abre a saída de emergência aos que não compreendem que o labor psicológico, intencional, contínuo, subtil, é muito mais revelador que a soma das justificações fracas e denunciadas que autorizam em permanência o álibi ingénuo. Ambos os cintos figuram afinal com uma possível função útil, detectável depois da primeira e importante impressão criada pela habilidade do pintor e para a fazer esquecer, porque podem estar ligados às bainhas das espadas e destinar-se a suportá-las como segundos cintos.
Regra da Irresolução
Cortesia de paineis
Vejamos como se cria esta nova ambiguidade:
- O cavaleiro roxo tem o seu cinto enrolado à volta da bainha, o que explica a irregularidade dos furos, e, para o caso de haver dúvidas, existem outros dois cintos enrolados em espadas, «mesmo ao seu lado!» Tanto o «cavaleiro de vermelho» do mesmo painel, como a «figura próxima» e ajoelhada do painel central contíguo exibem cintos claramente enrolados nas suas espadas. Não existem outros exemplos, mas estes dois estão providencialmente próximos para acudir ao ponto de vista ingénuo que não procura muito longe. Em nenhum dos dois se nota sequer a presença de furos, mas têm ambos pequenas bossas que criam um efeito de enrolamento espiral algo similar, mas não idêntico nem sugestivo de irregularidade;
- O cavaleiro verde, por seu lado, tem também dois cintos – a fivela do primeiro vê-se marginalmente perto da sua mão e portanto o cinto que usa a tiracolo pode ser o suporte da espada. É verdade que as correias de suporte da bainha desaparecem no limite do painel e não se consegue distinguir a qual dos dois cintos se dirigem, mas é assim que se consegue que a hipótese fique em aberto. Será preciso recordar que o painel dos Cavaleiros é um dos que não apresentam qualquer vestígio de desbaste lateral e a ambiguidade das correias de suporte está lá desde o início?
Cavaleiro de Vermelho
Figura Próxima
Cortesia de paineis
Se os dois cintos enrolados providenciais, a fivela disfarçada pela mão que permite deduzir dois cintos para o cavaleiro verde, e o suporte da sua espada, ambíguo e fora do painel, não chegarem para confirmar, mais uma vez, as intenções do pintor, propomos uma reflexão mais demorada sobre os furos do cinto regular e perfeito do detentor da pérola: se toda a sobreposição de pistas e contra-pistas é um acidente fortuito e o pintor se limitou a fazer o retrato daquilo que viu, como explicar um cinto feito de furos de uma ponta à outra? Mais uma moda estranha a acompanhar a das cruzes partidas, das mangas desiguais e dos barretes fraccionados, no políptico de todas as extravagâncias?» In Painéis de São Vicente de Fora.
Cortesia de Painéis/JDACT
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segunda-feira, 29 de agosto de 2011
António Arroyo: A Viagem de Antero de Quental à América do Norte. Parte V. «...a maior dificuldade que teve a vencer resultaria pois da distância relativamente pequena a que estava do banco, quando o mau tempo o alcançou. Segundo a «Lei das tempestades», o navio, enquanto pudesse, devia fugir a sotavento para se afastar do centro do ciclone»
Cortesia de mundolusiada
«Mas um outro episodio, semelhante a este, porque ao primeiro aspecto, o trágico, sucedera um segundo agradável, deu-se com o cão de bordo, um terranova comprado em Halifax, e que Halifax se ficou chamando. Numa volta de mar, que o arrastara, desaparecia o lindo bicho; uma outra devia porém tê-lo posto a bordo, porque mais tarde foram encontrá-lo, muito escondido com susto, no fundo do virador colhido. Negrão, quase ao findar do temporal, desconfiando, pela altura da vaga, que o navio tivesse caído muito e se achasse próximo do banco, foi ter com Antero para lho dizer.
Este continuava impassível a ler e a consultar os livros alemães, e olhou para o amigo na mais completa indiferença, sem ideia de qualquer coisa a recear. Apesar de isso o capitão preveniu-o de que talvez se achassem sobre o banco.
— E se lá chegarmos?... perguntou Antero.
— Desfaz-se tudo, não escapa nada.
— Pois então, quando você vir que isso está vai não vai para acontecer, venha dizer-mo, ou mande cá. Verdade, verdade, eu não ganho nada com isso. Mas venha sempre; talvez até eu -lá chegue acima. Depois resolverei conforme me achar.
E continuou a ler.
Negrão subiu ao convés. Vinha nesse momento tomar o leme um velho marinheiro que andara já à pesca do bacalhau e conhecia aquelas paragens. Quando passou pelo capitão, disse-lhe:
— Quem vê partir este mar há-de dizer que o fundo não está muito longe.
—Você está doido! bradou Negrão.
Qual fundo nem meio fundo! Quando eu julgar preciso, logo aviso.
— Peço perdão, senhor capitão.
Mas o desânimo já ia lavrando entre a marinhagem que até pensou em oferecer a vela grande à Senhora da Conceição. Pelas duas horas da manhã começou porém a abater o vento e a abonançar. Foram largando algum pano para impedir que o navio continuasse a cair. Por fim, virando o vento, meteram de todo ao mar e viram-se livres de perigo. Negrão descia novamente à câmara de Antero para lhe comunicar a boa nova.
—Amigo, desta escapamos nós.
—Está bem.
Tais foram as únicas palavras que o poeta pronunciou. «Evidentemente ele não tinha o menor receio da morte, como mais tarde demonstrou», diz-me Joaquim Negrão.
Nova York
Cortesia de artgeist
Parece que o nosso «patacho» atravessou de feito um ciclone, mas no seu ramo menos violento. Por quarenta graus de latitude, penso eu que essas tempestades não conservam já a energia atingida no seu ponto de formação, a zona tórrida, visto como ganham em amplitude à maneira que avançam. Mas a viagem realizou-se em Setembro e, nesse mês, mais ainda em Agosto e bastante menos em Outubro, é que as estatísticas registam maior numero de ciclones no hemisfério boreal. Além de isso, a descrição do capitão do navio parece concordar com o que o estudo da «Lei das tempestades» nos ensina a tal respeito. Julgo porém necessário dizer em breves palavras como se constitui um ciclone para se compreender a situação em que se encontrou o «Carolina».
Os ciclones, segundo se pensa, formam-se geralmente por 10 graus de latitude e são constituídos por uma espécie de furacão giratório, animado de grande velocidade, cujo centro segue uma trajectória parabólica, com vértice voltado a oeste, entre 20 e 30 graus de latitude. O movimento de rotação, no hemisfério boreal, faz-se por norte, oeste e sul, isto é, em sentido inverso do dos ponteiros dum relógio. O temporal em questão tem pois dois lados: o perigoso, ou da direita, para o observador que olha no sentido da sua marcha, no qual se adicionam as duas velocidades, de translação e de rotação; o «manobrável», (no tempo da navegação á vela o lado que hoje se designa por manobrável, era, ao que parece, chamado lado velejável), ou da esquerda, em que as duas velocidades se subtraem.
Ora, atendendo ao que nos diz o capitão do «Carolina», este achava-se no lado «manobrável»; a maior dificuldade que teve a vencer resultaria pois da distância relativamente pequena a que estava do banco, quando o mau tempo o alcançou. Segundo a «Lei das tempestades», o navio, enquanto pudesse, devia fugir a sotavento para se afastar do centro do ciclone. Mas, nesse caso, era lançado sobre o banco onde fatalmente naufragava. Viu-se pois forçado a receber o vento por estibordo, e a aguentar-se por forma que caísse o menos possível para oeste, sem contudo fugir do temporal.
Joaquim Negrão
Antero de Quental
Cortesia de antoniocarneiro e lutadoresdarepublica
Eis o que parece depreender-se dos dados colhidos na narrativa do capitão e do pouco que se sabe acerca destes meteoros, que ainda assim vai muito além do que eu sei.
É certo que a extrema violência e a natureza desse temporal parecem confirmar-se pela seguinte noticia que encontro no «The Illustrated London News» de 23 de Outubro de 1869: On the 2nd and 3rd inst. a tremendous storm of wind and rain visited a large área of the United States. There were floods in all directions, from Washington to Philadelphia, Albany, and Syracuse. Landslips are also reported, and great damage has been done, bridges broken down, lines of railway urecked and swamped at different points, and houses and workshops thrown down».
Dir-se-ia que, conforme acontece muitas vezes com os verdadeiros ciclones, em terra e a certa distância do centro principal, se formou um centro ciclónico secundário que, desde Washington, caminhou também para norte até Albany e Syracuse, portanto entre 39 e 44 graus de latitude, ganhando sucessivamente em amplidão e perdendo-se por fim.
O enciclopédico «Larousse» diz-nos que, nas zonas temperadas, os ciclones perdem, a maior parte das vezes, os seus caracteres especiais, confundindo-se então com as tempestades dos respectivos países; á maneira que avançam, acrescenta, vão alargando e enfraquecendo. Não deixa porém de lembrar que eles pertencem aos fenómenos meteorológicos regionais e dependentes das estações. Por outro lado, é certo que o «Carolina» se encontrava na região percorrida por esses temporais e na estação em que eles mais se produzem.
Interessante, portanto, seria apurar, nos registos dos observatórios, nos diários de bordo, nos relatos de viagens e até nos jornais da América do Norte, tudo quanto se relacione com este temporal em que, por um triz, não naufragou o «patacho Carolina», capitão Joaquim de Almeida Negrão, levando a seu bordo Antero Tarquínio de Quental.
A partir desse momento, a viagem fez-se sem perigo, sem nada de maior, mas sempre com ventos contrários, o que a tornou muito longa e incómoda. Gastaram nela 52 dias ao todo. Em virtude da deslocação do trigo, inevitável apesar da divisória longitudinal do porão, o meio fio, e das precauções tomadas, o navio adornou, (O meu sempre modesto dicionário parece considerar, neste caso, o verbo adornar como corruptela de adernar, que define: meter-se debaixo de agua. Quero crer que assim seja e até gosto mais da segunda forma. A significação é que me parece trágica de mais. O navio, quando aderna ou adorna, apenas tomba para um lado, mas nem a borda mete dentro de água. Pelo menos, com estes ares é que tenho visto empregado o termo em questão) sempre um pouco para bombordo.
Antero continuava enjoado na câmara a estudar alemão. Só se levantou em Portugal, a não ser quando tomava banho. Chegara a tal magreza, por nunca reter os alimentos, que Negrão temeu um desenlace fatal. Recorreram por isso aos banhos rápidos de imersão em água salgada fria que lhe davam dois homens de bordo. Pegavam nele e levavam-no nos braços, completamente nu, até á banheira improvisada e, logo que o tiravam de dentro, davam-lhe uma fricção em todo o corpo «com mão de marinheiro».
Antero achava muita graça ao caso que parece ter-lhe aproveitado; de facto, ele só retinha a refeição, leite ou farinha, que tomava sobre o banho. Repunha todas as outras (56)». In António Arroyo, A Viagem de Antero de Quental à América do Norte, Edição da Renascença Portuguesa, Porto, University of Califórnia Libraries, PQ 9261 Q34Z5ar, AA 000 453 081 2.
Cortesia de University of Califórnia Libraries/JDACT
Oliveira Martins: Os Filhos de D. João I. Parte IV. «Ao lado do rei, os infantes, cumprindo-lhe rapidamente as decisões, suprimindo de caso pensado os detalhes irritantes ou enfadonhos dos negócios, usavam com seu pai de todas as artes legítimas para lhe evitar o cansaço e para lhe ressalvar a susceptibilidade que aos velhos cresce com os anos»
Cortesia de paulocampos e feriasparatodos
A Corte e o Conselho
«Dos legítimos, os três mais velhos, criados juntos, educados juntos, quase da mesma idade, tinham crescido como vergonteas de uma só arvore, alentados pela mesma seiva, unidos num único amor, unânimes no respeito inexcedível pelos pais, ligados entre si por uma amizade estreme. Mas, não há na natureza dois seres inteiramente iguais, como ramos de uma mesma árvore, os filhos de Avis, à medida que cresciam, divergiam bracejando, cada qual segundo o seu feitio, para sua direcção diferente. Já D. Duarte mostrava aquela virtuosa abnegação e a passividade que o matou. Já D. Pedro acusava a inteireza de pensamento e as suas inclinações de filósofo, procurando, desejando sempre subordinar os seus actos a regras, e indagando as causas morais e materiais das coisas. Já D. Henrique, finalmente, menos escrupuloso do que o herdeiro da coroa, cuja virtude tinha o quer que fosse doentio, ou sequer fraco, e menos integro do que o seu antecessor, mostrava a força de um homem de acção, obedecendo cegamente a impulsos que não contraria, ainda quando a razão e a consciência lhe murmurem que pode errar. Dos três, o mais humano era incontestavelmente D. Pedro. D. Duarte tinha na sua virtude o quer que é enfermiço e feminino. D. Henrique, votando-se à castidade, por obediência aos planos que lhe enchiam o cérebro, sonhando cavalarias magníficas e empresas estupendas, de um género inteiramente novo, denunciava um temperamento de herói, com a secura, com a dureza, com a desumanidade que as ideias fixas, condição do heroísmo, impõem aos homens.
Fora ele quem insinuara a João Afonso de Azambuja a ideia de Ceuta? Talvez fosse. O facto é que no seu pensamento a aquisição d'essa praça ganha uma importância nova.
A continuação da reconquista para além mar não era apenas um desforço contra os mouros, nem a vingança da lendária traição do conde Juliano: era abrir a Portugal as portas doiradas do Oriente vago e misterioso, onde havia cristãos com efeito, os cristãos do Preste João, mas onde havia também as especiarias, os tecidos preciosos, o oiro fulvo, e tudo o mais que as caravanas traziam através do deserto, desde o mar Roxo, pelo Egipto, pela Tripolitana e por Argel, até Marrocos, de que Ceuta era a Nova York, e Fez a capital, como Washington, uma corte apenas.
Cortesia de paulocampos
Já talvez agora, no espírito quase fenício do infante, se desenhassem estes alinhamentos da cavalaria nova em que Portugal ia arrolar-se, confundindo num mesmo abraço a fé, recebida do passado, e o lucro, futura religião dos europeus assim que puderam avassalar e explorar o mundo inteiro.
A medida que os filhos foram crescendo, D. João I associou-os ao governo. Formavam o seu conselho de estado. Assembleia única era a desses quatro homens ligados pelos vínculos do sangue, unidos pela mesma fé e por um amor igual, presidindo ao governo de um povo que os abraçava a todos numa adoração comum! Com a reserva e o respeito de filhos, os homens novos, recebendo mais vivas as impressões de fora, modificavam os caprichos que a idade, os hábitos, porventura a doença, levantavam no espírito do pai. A família, na mais bela expressão do seu valor social, realizava assim a abstracção da imortalidade com o facto da sucessão das gerações transmitindo de uma a outra uma ideia, um pensamento, uma vontade. A alma dos pais, ao despedir-se da terra, renascia com asas novas no corpo dos filhos que entravam em cheio na arena da vida.
Ao lado do rei, os infantes, cumprindo-lhe rapidamente as decisões, suprimindo de caso pensado os detalhes irritantes ou enfadonhos dos negócios, usavam com seu pai de todas as artes legítimas para lhe evitar o cansaço e para lhe ressalvar a susceptibilidade que aos velhos cresce com os anos. E o inconsciente, acusando a debilitação da energia vital. Queriam que o governo fosse para ele um prazer. Deixavam-lhe plena liberdade de fixar os dias de desembargo e a ordem dos negócios; mas faziam-no com tanta discrição que o rei, sendo de facto governado pelos filhos, se acreditava ainda nos tempos em que mandava, na plena acepção da palavra.
«Tal maneira, diz D. Duarte, ao contar estas coisas, não se pôde bem ter com todos os senhores, nem se guardar em todas as amizades, que escrito é que amizade perfeita não pôde ser senão entre pessoas virtuosas, de um propósito querer e não querer nas coisas principais, que hajam entendimento e vontades concordáveis fundados em muita lealdade, de grandes, largos e bons corações».
Cortesia de almapaixonada
Aos largos e bons corações de seus filhos confiou pois D. João I a ideia da conquista de Ceuta, enumerando os obstáculos que se opunham à sua realização. Em primeiro lugar, faltava dinheiro: não o tinha o tesouro. Como havê-lo? Por meio de pedidos, ou impostos? Isso traria um escândalo enorme, e seria cruel para o povo que tanto sofrera com as guerras castelhanas; depois, seria desvendar um plano cujo êxito estava principalmente na pontualidade do segredo. Em segundo lugar, não havia esquadra capaz de levar o exército a Ceuta. Em terceiro lugar, faltavam homens. Faltava tudo. Parecia que o rei de propósito exagerava as dificuldades, para afastar os filhos da empresa.
Em quarto lugar, ainda que vença, «o filhamento (tomada) desta cidade, continuava D. João I, me pôde fazer maior dano que proveito». O reino de Granada parecia-lhe mais fácil de conquistar; e se o não conquistássemos, Castela o conquistaria. Que proveito tinha ele em que Granada caísse em poder dos castelhanos? Se tomo Ceuta, concluía, com certeza os castelhanos tomam Granada; o que era um mal evidente, porque destruía o equilíbrio internacional na Espanha, aumentando o poder dos nossos inimigos naturais. Em quinto lugar, finalmente, indo bolir com os mouros de Marrocos, expomos o nosso Algarve aos seus contínuos assaltos; e além disso fica-nos fechada a porta do Mediterrâneo, onde os navios portugueses vão de Lisboa vender o vinho, o azeite e as frutas. Fazia-se um grande comércio marítimo com os portos mediterrâneos.
Depois do rei expor as suas dúvidas, os infantes disseram que não eram necessários pedidos : obter-se-íam os recursos por escambos (empréstimos) com os mercadores do reino; em todo o caso bastava aplicar à guerra o que se havia de gastar com as festas projectadas para os armar cavaleiros. Com relação à falta de navios, que era real, mandavam-se vir fretados dos portos da Galiza, da Biscaya, de França e da Alemanha: considerasse-se o número de navios que vinham ao frete do sal, do azeite e dos vinhos.
Por outro lado bastava fretar os navios para com eles vir gente. E, além disso, não era exacto que faltasse gente: havia, e muita, no reino, e estava-se em paz com Castela.
Convenceu-se facilmente o pai acerca dos três primeiros pontos; mas nos dois últimos houve dúvidas. A ideia de uma empresa marítima devia assustar na velhice o rei que levara toda a vida em correrias e cavalgadas, costumado a batalhar e vencer em terra. Simpatizava mais, e compreende-se, com a empresa de Granada, que seria, porém, uma loucura, já por importar a guerra com Castela, já porque a própria Castela só depois de unida ao Aragão pôde, em 1492, destruir esse último baluarte do império muçulmano da Espanha. Não é na proximidade dos sessenta anos que facilmente se aceitam ideias novas: mais vezes se praticam loucuras sob a inspiração das antigas (23)». In Joaquim Pedro Oliveira Martins, Os Filhos de D. João I, Casa Editora Antiga Livraria Chardron, Lugan & Genelioux, Successores, Porto. Lisboa, Imprensa Nacional, MDCCCXCI, Library University of Toronto, Oct 6 1967 de 3 1761 042963371.
Cortesia de J. Oliveira Martins/Paulo Campos/U. de Toronto/JDACT
NICO. Christa Päffgen. «Uma cantora, compositora, modelo e actriz, mais conhecida pelo pseudónimo "Nico", atribuído a Andy Warhol, que é um anagrama da palavra ICON, ícone»
(1938-1988)
Köln, Alemanha
Cortesia de smironnefreefr
«Há personagens cuja lenda termina por devorar o artista e a sua obra. Nico é uma delas. A sua vida poderia inspirar vários filmes, dependendo do género. A beleza germânica que sobrevive aos horrores da II Guerra Mundial e aos triunfos como modelo de moda na Europa. A mulher enigmática que seduziu Alain Delon. A «femme fatale» que era sempre um romance impossível com Jackson Browne e Jim Morrison. Dando concertos para um público, que nem sempre estava lá para a música e que se tornou deusa decadente. Nico, que morreu de um derrame celebral em Ibiza no verão de 1988, enquanto andava na sua bicicleta com um manto negro sob o sol abrasador».
Estado do tempo em Portugal Continental. Uma depressão irá condicionar o “tempo” nos próximos dias. Chuva ou aguaceiros, por vezes acompanhados de trovoada. Queda de granizo, com uma probabilidade de ocorrência da ordem dos 35%.
Cortesia de jam
Uma depressão inserida na corrente de oeste irá condicionar o estado do tempo no território do Continente nos próximos dias. A aproximação e passagem das linhas de “tempo”, vulgo sistemas frontais, darão lugar a períodos de chuva e/ou aguaceiros, por vezes acompanhados de trovoada. A queda de granizo também está inerente, mas numa probabilidade de ocorrência da ordem dos 35%.
Os valores da temperatura do ar tendem a registar uma descida.
Com a devida vénia ao colega José António Maldonado, apresento alguns dados do modelo físico-matemático do Centro Europeu, ECMWF, localizado em Reading no Reino Unido.
Cortesia de jam
JDACT
A Fortaleza de Alpalhão. «A origem de Alpalhão, tudo indica, terá ocorrido no Monte dos Setes, outeiro a noroeste da actual vila e “transferida” para a sua actual localização no século XIV, durante o reinado de D. Dinis. Desta primitiva implantação não possuímos muita informação. Não está também devidamente estudada a doação feita à Ordem do Templo desta localidade»
Cortesia de amigosdoscastelos
«À época da Reconquista cristã da península Ibérica, a povoação integrou os domínios da Ordem dos Templários em Portugal, que aí teriam feito erguer um castelo em algum momento entre os meados do século XII e os do XIII. À época de D. Dinis (1279-1325), com a extinção da Ordem, a povoação e seu castelo passaram para os domínios da Ordem de Cristo (1319), época em que o castelo terá sido reedificado.
Sob o reinado de D. Manuel I (1495-1521), encontra-se figurado por Duarte de Armas (Livro das Fortalezas, c. 1509). Era seu alcaide, à época, Fernão da Silva (1492-1511). Actualmente restam vestígios dos antigos panos de muralha e de algumas torres. Este património não se encontra classificado e nem consta dos roteiros turísticos do Concelho de Nisa.
Cortesia de amigosdoscastelos
A origem de Alpalhão, tudo indica, terá ocorrido no Monte dos Setes, outeiro a noroeste da actual vila e “transferida” para a sua actual localização no século XIV, durante o reinado de D. Dinis. Desta primitiva implantação não possuímos muita informação. Não está também devidamente estudada a doação feita à Ordem do Templo desta localidade.
A localidade doada aos Templários, onde possivelmente estes terão erguido uma estrutura defensiva, seria, a julgar pelos dados disponíveis, a instalação do Monte dos Sete e não actual Alpalhão, já que esta só ganha forma no reinado de D. Dinis, depois da extinção da Ordem dos Templários. Não é claro se terão edificado algum castelo, já que a única confirmação de castelos templários a sul do Tejo, relacionados com a Ordem do Templo, é o castelo de Nisa. Segundo Alexandre Herculano, aquando da doação do território de Açafa (actualmente Nisa e Vila Velha de Rodão) por D. Sancho, no final do século XII, existiria já um castelo, “castellum” Terron, embora a localização correcta esteja ainda por determinar.
Assim, a questão sobre a fundação de Alpalhão está ainda em aberto aguardando novos dados e novas investigações. É já no século XIV, que D. Dinis que “transfere” Alpalhão para o seu local actual, aproveitando a existência de estruturas edificadas pré-existentes (alguns autores falam no Mosteiro de Alpalantri). Assim em 1300 temos a edificação do castelo dionisino de Alpalhão.
Em 1512, Alpalhão torna-se concelho, através de foral dado por D. Manuel. O seu castelo foi retratado nos inícios do século XVI, pela mão de Duarte d’Armas. Não são conhecidas intervenções de época manuelina, embora possamos supor, pelos que se conhece dos restantes castelos de fronteira, algumas intervenções de recuperação, melhoramente, etc. Aliás, as vistas disponibilizadas pelo Livro de Duarte d’Armas, sugerem que o castelo de Alpalhão estaria em obras no início do século XVI, marcado por exemplo pela ausência regular de ameias nos muros, que sugere uma intervenção a decorrer. A existência de troneiras em grande quantidade é também demonstrativa do esforço de manutenção das condições de defensibilidade deste espaço. Durante o reinado de D. João III as referências feitas ao castelo de Alpalhão dizem que apresentava “bom aspecto e dentro bons aposentamentos”.
No âmbito das Guerras da Restauração, em pleno século XVII, a vila é guarnecida de novas muralhas, ordenadas por D. João IV, concluídas em 1660, já no reinado de D. Afonso VI.
No século XVIII, o castelo e as muralhas seiscentistas terão conhecido episódios de destruição sobretudo em 1704 aquando da sua ocupação pelo Exército Franco-Espanhol. Já em 1758, depois do grande terramoto de 1755 escreve o vigário de Alpalhão:
- «tem esta villa finalmente seu sinal de muralha que he á o redor huá parede mais larga arruinada e quasi-posta no alicerce, e hum castelo no meyo com huá das quatro faces, arruinada pelos castelhanos de Mayo de mil setecentos e quatro, este pello terremmoto foi so o que padeceu nesta villa perder hua parte la do alto da mesma face offendida que as outras tres de conservam inteiras»
Cem anos mais tarde, em 1874, Pinho Leal descreve um castelo de Alpalhão e conjunto de muralhas como estando “...tudo desmantelado”. O concelho de Alpalhão é extinto em 1855 e transitou depois dessa data para Nisa, Crato e novamente para Nisa onde permanece como freguesia.
jdact
O Desenho
O desenho mais antigo da fortificação de Alpalhão que conhecemos provém do Livro das Fortalezas de Duarte d’Armas, datado dos inícios do século XVI (c. 1509). Retrata um castelo de forma rectangular, quase quadrada. No ângulo sudoeste estava a Torre de Menagem, de planta rectangular, com três andares e doze varas de altura. Em cada um dos restantes cantos da fortificação encontrava-se um cubelo de forma circular. Em volta dos muros havia um grande n.º de troneiras. A entrada principal efectuava-se pela muralha sul e não são visíveis outras portas no Livro das Fortalezas, embora fosse de supor a existência de mais uma (Porta das Sortidas). A população desenvolvia-se para nascente, sul e poente do castelo e a norte, erguia-se a Igreja, onde está hoje a Igreja Matriz.
Das construções fortificadas modernas temos hoje poucos vestígios. Estas terão absorvido do núcleo urbano mais antigo. A tradição do sítio do castelo mantém-se na vila de Alpalhão, sendo o acesso ao interior do quarteirão definido pela Rua do Castelo, possivelmente a zona onde se localizava a entrada do recinto. Acede-se à Torre do Relógio por uma entrada que também dá acesso a um pátio de uma casa particular. O embasamento desta poderá ter pertencido a uma das torres do castelo, mas esta informação carece de confirmação.
São poucos os vestígios do castelo de Alpalhão, que hoje estão visíveis ao nosso olhar.
Quem entra em Alpalhão à procura da antiga fortificação desemboca no largo da Igreja Matriz, e depara-se com este edifício marcante. Podemos tomar esta estrutura como ponto de orientação para estabelecer alguma aproximação com a zona onde se localizava o castelo.
Alpalhão constitui um exemplo raro de perda de memória do património construído, neste caso do local de implantação do seu castelo. Com mais tempo, mais cuidado e com intervenções arqueológicas e de leitura do edificado existente (a nível do núcleo urbano antigo) poderemos reconstituir a antiga fortificação para que Alpalhão tire partido dessa mais-valia». In Os Amigos dos Castelos, Wikipédia.
Cortesia dos Amigos dos Castelos/JDACT
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