domingo, 21 de agosto de 2011

José Marques. Os Castelos algarvios da Ordem de Santiago no reinado de D. Afonso III: « E avya em ela estes lugares que se seguem, a saber: Estombar e Alvor, e Caçela e Palma, e Tavjra e Farom e Loulee e Sylves, e Albofeyra e Aljezur, e Alcoutim e Craastomarim e Laguos. Que ora mais he, estes som os lugares que os Reys de Portugal depois fizerrom. Dos quaes el Rey D. Afonso ouve em seu poder estes lugares que dito avemos»

Cortesia de separatarevistacaminiana

Introdução
«O título em epígrafe evoca o papel desempenhado pelos monumentos militares no complexo processo da reconquista, quer no tocante à defesa dos territórios recuperados, quer como centros coordenadores da vida económica, social e administrativa, quer ainda como poderosos e insubstituíveis polos dinamizadores do povoamento, colonização e desenvolvimento do território.
Derrubado o enfraquecido domínio muçulmano do sudoeste peninsular, os castelos até então a eles pertencentes passaram a constituir, antes de mais, um cómodo sistema defensivo ao serviço dos novos titulares das terras algarvias. Consumada a reconquista do Algarve durante a campanha militar de 1249-1250, os castelos algarvios, para além das virtualidades defensivas inerentes à sua natureza, à semelhança do que tinha acontecido com os que, em séculos precedentes, ponteavam os territórios de Entre-Douro-e-Minho, transformaram-se, de imediato, em instrumentos absolutamente indispensáveis à reorganização da vida social e administrativa, nestas regiões meridionais, onde não havia possibilidade de instalar e deixar desprotegidas comunidades concelhias, idênticas às do norte, onde o fenómeno do povoamento seguia, havia muito, por outros caminhos.

Cortesia de separatarevistacaminiana

É nesta linha que parece interessante valorizar os castelos algarvios, na fase subsequente ao encerramento do ciclo da reconquista do território que hoje é Portugal. Importa, sublinhar que esta função administrativa e social não se pode dissociar da confusa situação política decorrente das pretensões e diferendos existentes entre Afonso X e D. Afonso III sobre o Algarve, que obrigam a formular um conjunto de perguntas, cujas respostas se tornam indispensáveis à compreensão do papel por eles desempenhado, sendo mais pertinentes as seguintes:
  • A quem e quando foram entregues esses castelos?
  • Que relação havia entre o soberano outorgante e o novo titular de cada um deles?
  • Que função desempenharam na efectiva ocupação do solo e na organização administrativa da região?
  • Será detectável a existência de alguma estratégia subjacente à entrega destes castelos aos que vieram a ser os seus primeiros titulares, após a reconquista?
Não é fácil responder com o desejável pormenor a todas estas interrogações, até porque o presente estudo não pretende ser ,mais do que uma primeira abordagem de problema tão candente e delicado. Mesmo assim, à mistura com dados bem conhecidos, cremos poder revelar alguns elementos susceptíveis de conduzirem a uma leitura nova e global de um conjunto de factos que são já do domínio comum. Isto implica que, apesar do incómodo daí decorrente, tenhamos de proceder a uma arrumação metódica dos acontecimentos na escala do tempo, uma vez que o seu encadeamento lógico e cronológico lhes confere uma dimensão reveladora de situações insuspeitadas ou mal conhecidas.

Cortesia de separatarevistacaminiana

Outorga dos castelos algarvios: A quem. Quando. Porquê?
A «Crónica de D. Afonso III» procura elucidar o que se deve entender por Algarve ou mais concretamente por «Reino do Algarve», que, em sentido amplo, é tudo o que vai «des o cabo de Sam Vicente ate Almerja e todo Belamarim ata Tremeçem», informando que a parte possuída por Portugal «he des o Diana ate Vasquam amtre a sera e o Campo d'Ourjque, pela costa do mar ata aguoa do Vasquam. E avya em ela estes lugares que se seguem, a saber: Estombar e Alvor, e Caçela e Palma, e Tavjra e Farom e Loulee e Sylves, e Albofeyra e Aljezur, e Alcoutim e Craastomarim e Laguos. Que ora mais he, estes som os lugares que os Reys de Portugal depois fizerrom. Dos quaes el Rey D. Afonso ouve em seu poder estes lugares que dito avemos».
Sem alimentar a discussão em torno da definição destes limites, nem acompanhar a progressão da reconquista para sul, julgamos oportuno recordar que o avanço pela linha do Guadiana até se chegar a Tavira, em 1242, tem de ser creditado, como saldo positivo, ao reinado de D. Sancho II, ficando a posse definitiva do ocidente algarvio à conta do reinado de D. Afonso III, mais concretamente da campanha militar de 1249-1250 e da acção diplomática posterior. É, pois, legítimo inquirir da atitude deste monarca face aos castelos e às Ordens Militares, cujo apoio foi decisivo para a conquista desta parcela meridional do Reino, interessando-nos apenas conhecer as posições de D. Afonso III face à Ordem de Santiago.
A leitura atenta da «Crónica», cuja cronologia terá de ser fixada por outras fontes, apresenta como protagonista da conquista do Algarve D. Paio Peres Correia, mestre da Ordem de Santiago, sediada em Uclés, no reino de Castela. De acordo com as crónicas, de D. Sancho II e de D. Afonso III ficam nitidamente subalternizados, quando não marginalizados, parecendo confirmar, assim, o pensamento de Oliveira Marques, se o mesmo não foi bebido nela:
  • «Mostraram-se aí secundárias as iniciativas do rei».
Era, por isso, normal que, mais ou menos ao ritmo da reconquista, o apoio da Ordem de Santiago fosse premiado, como de facto aconteceu, tendo-lhe D. Sancho II confiado Aljustrel, em 1235, e Tavira, em 9 de Janeiro de 1244». In José Marques, Os Castelos algarvios da Ordem de Santiago no reinado de D. Afonso III, Separata da Revista Caminiana, Ano VIII, Braga 1986.

Cortesia de Revista Caminiana
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