sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Nuno Crato. O “Eduquês” em Discurso Directo: «O conceito de escola nova está na sua fase romântica, com um exagero na substituição dos métodos “mecânicos” pelos “naturais” [...]. Antigamente, os alunos ao menos alcançavam uma certa bagagem de factos concretos. Agora, já não há nenhuma bagagem para pôr em ordem...»

Cortesia de profblog

Cultura e conhecimento face a cultura popular fragmentada.
«Levando estas ideias às suas naturais consequências, não se deveria falar da destruição da floresta amazónica, porque se trata «de um universo desconhecido». Em vez de um esforço pela abertura de perspectivas culturais dos estudantes, defende-se pois a sua limitação ao «universo», que conhecem. Pouco falta para que se diga que os jovens oriundos de meios menos favorecidos não devem ultrapassar o método de contagem pelos dedos. Tudo isto como meio de os defender da opressão da cultura dominante...

Percebe-se, pois, o que se advoga subliminarmente em textos como o seguinte:
  • «A necessidade de aumentar as oportunidades de sucesso das crianças provenientes de culturas ou de sectores sociais mais desprotegidos implica que, em vez da escola monocultural que «reforça as posturas uniformes e uniformizantes da cultura dominante e considera as culturas populares deficitárias» (Leite, 1,997: 1451, se promova «a educação intercultural [...]».

Cortesia de gradiva

Contraste-se este retrocesso de fachada progressista com a visão de um marxista esclarecido, o italiano Antonio Gramsci, um dos pensadores de esquerda que cedo perceberam que a escola romântica condenava as classes trabalhadoras à ignorância.
«O conceito de escola nova está na sua fase romântica, com um exagero na substituição dos métodos “mecânicos” pelos “naturais” [...]. Antigamente, os alunos ao menos alcançavam uma certa bagagem de factos concretos. Agora, já não há nenhuma bagagem para pôr em ordem [...]. O aspecto mais paradoxal de tudo isto é que a escola nova é apresentada como democrática, quando na realidade está destinada a perpetuar as diferenças sociais».

Cortesia de profblog

Ouça-se ainda um pensador liberal, o inglês Michael Oakeshott (1901-1990). Proveniente de um quadrante político completamente diverso, faz também a apologia da elevação do estudante às conquistas culturais da humanidade. É particularmente feliz o seu elogio à educação clássica.
«Aprender» estava pois identificado com atingir a compreensão do que é sugerido pela vida humana espelhada numa cultura histórica de notável esplendor e lucidez, era o convite para se reconhecer a si próprio em termos dessa cultura. Era uma educação que prometia e trazia a libertação do lugar e do momento, das restrições imediatas, da lama, da crueza, do sentimentalismo, da pobreza intelectual e dos pântanos emocionais da vida vulgar. E assim continua a ser até aos dias de hoje».
Igualmente interessante é a insistência de Oakeshott na chamada dos jovens à «conversação» com a cultura:
  • [...] o convite da educação liberal, ou seja, o convite para se abstrair por algum tempo das pressões do momento e do lugar e para ouvir a conversação em que o ser humano, desde sempre e para sempre, tem procurado compreender-se a si próprio».
In Nuno Crato, O “Eduquês” em Discurso Directo, Uma Crítica da Pedagogia Romântica e Construtivista, Gradiva 2006, ISBN 978-989-616-094-4.

(Continua)
Cortesia de Gradiva/JDACT