sábado, 13 de agosto de 2011

O Papado e Portugal no primeiro século da História Portuguesa: Carl Erdmann. «Politicamente, o território era uma fracção do reino leonês, estado que sucessivas partilhas muitas vezes desagregaram, voltando, porém, sempre a unificar-se. A situação religiosa e cultural teria sido naturalmente muito primitiva»


Cortesia de iauc

Introdução.
«Este trabalho não pretende ser a última palavra sobre o assunto, o que, no estado actual das investigações, seria uma coisa impossível. Tentamos somente, e pela primeira vez, abrir caminho através duma terra incógnita. A dificuldade está em não possuirmos bastantes trabalhos preliminares e quase não existirem fontes narrativas. As vidas de S. Geraldo, arcebispo de Braga, e de S. Telo, o fundador de Santa Cruz de Coimbra, assim como a História Compostelana dão-nos do vez em quando uma notícia isolada, mas não, como sucede em geral com as fontes narrativas, o próprio fio dos acontecimentos históricos. Não há outro remédio senão recompor através dos diplomas a evolução histórica propriamente dita e reconstituir às vezes os simples factos. Quem alguma vez tiver tentado um trabalho destes julgará das suas dificuldades. A condição indispensável para o levar a cabo é juntar na medida do possível a documentação, no nosso caso os documentos pontifícios, que dizem respeito a Portugal.

As primeiras relações entre Roma e Portugal.
No Verão de 1084, depois de Gregório VII ter fugido diante da ira dos romanos para junto dos normandos, enviou o seu confidente Jarento, abade de S. Benigno em Dijon, ao conde de Coimbra Sisnando. Era a primeira vez, que saibamos, que um enviado de Roma chegava até aqui. Mas os pensamentos e plenos de Gregório alcançavam também naquele momento o extremo ocidente da Europa, como haviam atingido o extremo oriental.

Cortesia de rosebudcine7 e quebranotas



Coimbra era então o lugar mais importante da região a que já se começava, a chamar Portugal. Não há dúvida que Gregório conhecia a situação especial daquele território quando mandou o seu legado.

O resultado da invasão muçulmana foi a ocupação da metade sul do actual Portugal, pouco mais ou menos até ao Mondego. Só esta parte do território ficou na posse duradoira dos mouros. O resto, a parte norte, não conseguiram os reis asturianos, os quais só no século VIII começaram a reconquista, conquistá-lo definitivamente; sujeito a correrias do exército cristão, tinha sido completamente devastado e constituía, uma zona fronteiriça desabitada, uma «terra nullius domini» que separava dois povos inimigos.
Na segunda metade do século IX inicia-se no norte uma colonização intensa que perdura durante quase todo o século X. As velhas cidades episcopais de Braga, Viseu, Porto, Coimbra e Lamego são reconstruídas e reinstituídas as respectivas dioceses. Politicamente, o território era uma fracção do reino leonês, estado que sucessivas partilhas muitas vezes desagregaram, voltando, porém, sempre a unificar-se. A situação religiosa e cultural teria sido naturalmente muito primitiva.

Cortesia de almofhariz

Parece que os bispos, pelas notícias que deles nos chegam, não residiam nas suas sés, mas na corte dos reis no norte do país. É certo que existiam alguns mosteiros, dos quais o de Lorvão é o mais conhecido, mas a, sua actividade civilizadora não terá sido de grande alcance. Desconhecem-se manuscritos de origem portuguesa antes do século VII, e os poucos documentos conservados revelam uma grande decadência da língua escrita. Nada se sabe acerca das relações entre a cúria e a região portucalense. É certo que o facto das fontes nada dizerem não prova nada, dada a exiguidade da tradição. Nada, porém, nos autoriza a admitir a existência de tais relações.
No fim do século X deu-se uma reacção:
  • os árabes avançam até ao Douro, mais ou menos, devastando em várias incursões também o extremo norte de Portugal que ainda se conservava cristão.
Não se manteve nenhuma diocese. Só depois dos meados do século XI Fernando o Magno de Leão consegue recuperar o território perdido. O acontecimento primordial foi a tomada de Coimbra, que se costuma datar de 1064». In Carl Erdmann, O Papado e Portugal no primeiro século da História Portuguesa, Universidade de Coimbra, Instituto Alemão da Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 1935.

(Continua)
Cortesia de Separata do Boletim V do Instituto Alemão/JDACT