domingo, 14 de agosto de 2011

Manuel Inácio Pestana. O Arquivo Histórico da Casa de Bragança: «Os originais de todos os papéis que historiam a função e a sobrevivência da Casa Ducal guardavam-se no arquivo real, na Torre do Tombo, com registo ou cópia na mão dos senhores da Casa. Arquivo da Casa de Bragança e arquivo do Estado durante séculos coabitaram nas mesmas instalações oficiais»

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«Não obstante o seu valioso recheio, que abrange variados núcleos de documentação desde o século XV ao nosso tempo, o Arquivo da Casa de Bragança é ainda pouco conhecido dos historiadores nacionais e estrangeiros. Trata-se de um cartório particular que se tem mantido no Paço Ducal de Vila Viçosa, à guarda da ilustre Fundação que zela pelo seu património. Tal circunstância explica, em grande parte, o recolhimento que tem envolvido tão importante acervo documental, apenas referido por um ou outro investigador que beneficiou da sua consulta.
A publicação de «O Arquivo Histórico da Casa de Bragança» afirma-se, pois, do maior interesse para a cultura portuguesa, pelos dados informativos que a obra revela. Além de uma história breve desse cartório, o leitor toma ainda conhecimento da sua génese e das várias reformas da sua organização. Torna-se assim possível acompanhar a evolução histórica do mencionado Arquivo, bem como a formção dos seus actuais núcleos históricos.
Arquivista da Fundação da Casa de Bragança, o que lhe tem permitido um contacto directo com esses fundos de documentação, o Dr. Manuel Inácio Pestana elaborou com a costumada mestria o presente volume. E mais uma obra que enriquece a sua já extensa bibliografia sobre a multissecular história da Casa Ducal.

Investigador dotado, mereceu ser eleito, em 30 de Junho de 1989, membro Correspondente da Academia Portuguesa da História, a que tem dado o melhor do seu talento e dedicação, com algumas comunicações hauridas no importante fundo brigantino.

Cortesia de marcasdascienciasfcul

Objectivos.
Um arquivo é lugar de pesquisa e um campo de trabalho, um repositório de instrumentos de investigação, um registo da memória dos povos e das nações. Espaço físico onde o tempo parou, onde muitos tempos, todos os tempos, se encontram, lugar onde a história se lê, onde a história se constrói e reconstrói a todo o momento; um arquivo vive também a sua própria história, uma história que raramente é contada. O quanto, o como e o porquê da existência de um arquivo passa muitas vezes ao lado do historiador. Os arquivos, os antigos cartórios documentais, são assim comparáveis aos servidores de quem precisa, e, por quem precisa, imediatamente esquecidos. Fica-se pela citação das fontes, o que também nem sempÍe acontecia, que hoje felizmente é norma da técnica heurística e da ética hermenêutica.

Arquivos de Estado ou de casas particulares, classificados nesta ou naquela categoria segundo a natureza e o predomínio dos seus materiais, os arquivos podem, eles mesmos, contar a sua própria história. E isto que nos propomos fazer: proporcionar o encontro com um antigo e valioso cartório que em fontes documentais próprias se inspira para justificar historicamente e explicar documentalmente a sua existência.
Queremos referir-nos ao arquivo histórico da antiga casa senhorial dos Duques de Bragança, da qual pretendemos evocar as suas origens, as suas glórias e desventuras, evidenciar a quantidade e a qualidade das suas reservas documentais e falar da sua utilidade e funcionalidade no passado, no presente e, evidentemente, no futuro, ao serviço da historiografia portuguesa.
Cortesia de antoniogranjo

Génese do Cartório.
Com origem no casamento do filho bastardo de D. João I com D. Brites Pereira e nas doações e escambos de bens que o antecederam ou lhe sucederam, poderemos dizer que este arquivo existe, isto é, começou a construir-se, não exactamente e apenas no momento da fundação do ducado de Bragança (1422. Maio) mas em data mais remota. Se quiséssemos identificar o seu documento mais antigo - e servindo-nos já das suas próprias fontes - recuaríamos até 1208. Fevereiro.17, data da confirmação por D. Sancho I do foral de Barcelos, concedido por D. Afonso Henriques, seguido de idêntico pergaminho da vila de Rebordãos de 1208. Novembro, terras que, como tantas outras de Entre-Douro-e-Minho e de Trás-os-Montes, vieram a integrar os vastos domínios da futura casa dos duques de Bragança - documentos estes, que, tal como muitos outros dos sécs. XIII, XIV e XV, constam hoje do conjunto de apógrafos setecentistas da chamada Reforma do Cartório, cujos traslados da Torre do Tombo, ordenados por D. José I em 1756 para comprovação dos direitos e privilégios da Casa de Bragança, demonstram e justificam a génese remota do velho arquivo.

Os originais de todos os papéis que historiam a função e a sobrevivência da Casa Ducal guardavam-se no arquivo real, na Torre do Tombo, com registo ou cópia na mão dos senhores da Casa. Arquivo da Casa de Bragança e arquivo do Estado durante séculos coabitaram nas mesmas instalações oficiais. Provam-no documentos que historiam, por exemplo, os incêndios sofridos em diversas data. Instalações e cartórios comuns, organização e funcionamento, portanto, em comum. Acidentes, percalços, vicissitudes, incêndios e destruição também em comum». In Manuel Inácio Pestana. O Arquivo Histórico da Casa de Bragança, Academia Portuguesa da História, Lisboa, 1996, ISBN 972-624-108-1.

(Continua)
Cortesia da Academia Portuguesa da História/JDACT