quinta-feira, 17 de agosto de 2017

Manique do Intendente. Uma Vila Iluminista. «José Manuel Carvalho Negreiros escreveu, em 1792, a “Jornada pelo Tejo”, em que também ele sugere a forma mais correcta e eficaz de construir as novas cidades e reformular as antigas»

jdact e wikipedia

Urbanismo: o Contexto Europeu. A engenharia militar e a tratadística
«(…) Cada povoação teria no centro uma praça, áreas de terra plana e figura quadrilátera, e são como salas da cidade, localizada no centro do quadrado, e cresceria em torno desta de forma igualitária, de modo a todos os pontos se encontrarem à mesma distância da praça principal. As ruas que saem da praça central são consideradas também elas ruas principais, havendo subjacente uma hierarquia viária. As estradas que ligam umas povoações às outras fazem-no em linha recta e partem das suas ruas centrais. As praças teriam dimensões segundo a extensão e importância das povoações (capital, 125 braças de lado; província, 96 braças de lado; vila, 65 braças de lado; paróquia, 36 braças de lado). Relativamente às funções presentes, o autor propõe localizar aí o palácio real, a catedral, o Tesouro Real, a casa do Senado e da Câmara. Outros edifícios que devem ter frente para uma praça, ainda que não necessariamente para a principal, são os conventos, o arsenal das munições reais, as cavalariças militares, os armazéns de contrato real e o açougue. As igrejas paroquiais, os palácios dos fidalgos e os conventos menores, se não tiverem frente para uma praça, deverão situar-se numa das ruas centrais.
Também os edifícios habitacionais teriam medidas estandardizadas e fachadas normalizadas. As casas seriam constituídas por 4 pisos, num total de 75 palmos de altura (16,5 m). Figueiredo Seixas apresenta mesmo desenhos (plantas e alçados) das casas que constituiriam as novas povoações. Na segunda parte do tratado, trata das questões práticas do planeamento e execução do seu projecto. Fala da realização de mapas com o levantamento das situações existentes, e do seu cruzamento com a situação ideal, de forma a ir substituindo edificações e regularizando as ruas e praças. Esses mapas teriam também a função de re-distribuir os terrenos pelos proprietários, sem prejuízo para ninguém. Acredita que é possível em 40 anos ter todo o reino arruado da forma que propõe. Descreve igualmente nesta parte do tratado como fazer a quadrícula no terreno, usando diversos instrumentos, superando os obstáculos, como desníveis do terreno e linhas de água.
José Manuel Carvalho Negreiros escreveu, em 1792, a Jornada pelo Tejo, em que também ele sugere a forma mais correcta e eficaz de construir as novas cidades e reformular as antigas, onde a tónica assenta numa perspectiva de desenvolvimento das actividades económicas, melhoria das condições de vida dos cidadãos, em suma, progresso do país, os motivos que devem interessar a todo o bom Patriota. Paulo Varela Gomes refere que as ideias e projectos do urbanismo de JMCN distinguem-se do Tratado de Ruação de Seixas por um realismo muito maior; Carvalho Negreiros menciona a adequação aos lugares (climas, solos e água), prevê canalizações, aquedutos, fossas.
O autor descreve o modo como devem ser construídos alguns equipamentos públicos (Alfândega, Açougue, Cadeia, Casa de Câmara, Igreja, Palácio Real, com particular atenção aos aquartelamentos militares), como se devem constituir as povoações e os terrenos agrícolas, aproveitando os baldios improdutivos. Descreve em termos gerais a constituição de habitações para pessoas de ocupações e condições variadas. Alonga-se a explicar o funcionamento da casa para um lavrador, com as suas diversas dependências agrupadas em torno de pátios. Relativamente às estradas, fala de materiais, de modos de construção, do escoamento das águas, da existência de passeios lajeados, guarnecidos de árvores e de chafarizes e de dimensões: a rua teria 40 palmos (8,8 m) e cada um dos passeios laterais 10 palmos (2,2 m).
O objectivo era torná-las o mais próximo possível da linha recta, sem grandes desníveis, cómodas aos viajantes. Para ele o sistema viário é preponderante e refere que alguns povos, como os romanos, e nações estrangeiras já tiveram essa preocupação. Menciona ingleses, franceses e espanhóis, elogiando no último caso a obra do monarca Carlos III. As praças são também um elemento indispensável, por questões de segurança sísmica e de protecção contra incêndios (o terramoto de 1755 estava ainda bem presente, nas suas consequências desastrosas) e desafogo dos habitantes no interior das povoações. Carvalho Negreiros sugere igualmente a sua existência em estradas rurais. As praças, excepção feita às destinadas a exercícios militares, deviam ser ornadas com colossos, pirâmides, colunas, chafarizes, e fachadas de Palácios e Igrejas, assim como edifícios públicos de variadas qualidades. Mas existirão praças com diferentes usos (comércio de produtos frescos, feiras, artesãos), e uma hierarquia implícita a esses usos. Também as ruas devem ser hierarquizadas por funções, havendo ruas dedicadas a diferentes artesãos e comerciantes, assim como ruas nobres». In Cátia Gonçalves Marques, Departamento de Arquitectura da FCTUC, Junho de 2004.

Cortesia de FCTUC/JDACT