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sábado, 28 de janeiro de 2017

Recensão. Artur Rocha. A Muralha de Dinis I e a Cidade de Lisboa. Fragmentos Arqueológicos e a Evolução Histórica. Paulo Almeida Fernandes. «… um plano integrado para todo este património, no qual se inclua ainda a Cerca Fernandina e as sondagens mais ou menos isoladas…»

Cortesia de wikipedia

«(…) O segundo projecto iniciou-se mais tarde, mas os primeiros resultados são bastante animadores. Na verdade, há muito tempo que se vem investigando arqueologicamente o Castelo de São Jorge, sendo de elementar justiça destacar o trabalho continuado de Alexandra Gaspar e Ana Gomes na Praça Nova, ao abrigo do Projecto Integrado do Castelo de São Jorge, cujos resultados levaram à definição de uma área arqueológica visitável e do Núcleo Museológico do Castelo de São Jorge. Neste momento, a investigação sobre a fortaleza prepara-se para entrar numa nova fase. Estão em curso projectos académicos de investigação destinados a estudar a fortificação na fase muçulmana, para a qual foi essencial a recente leitura de Carmen Barceló de uma inscrição islâmica do Museu de Lisboa, e a resgatar abundante informação documental inédita sobre a história e o restauro do monumento. Paralelamente, o estudo físico das muralhas e torres do castelo está a revelar-se uma verdadeira surpresa, como se comprova pela leitura do esgrafito que alude ao terramoto de 1356, recentemente efectuada por Bernardo Sá Nogueira, e pelos muitos materiais de várias épocas que se encontram incorporados nos muros, formando parte dos seus enchimentos.
Sendo o Castelo de São Jorge um monumento cuja autenticidade tantas vezes se questiona, pela radicalidade da intervenção pretensamente restauradora realizada entre 1938 e 1942, intervenção, de resto, que carece de um estudo monográfico rigoroso, estas descobertas representam novos motivos para o desenvolvimento de um plano de investigação integral do conjunto monumental, ao mesmo tempo que transmitem a sensação de que se deve voltar ao ponto de partida e começar a estudar o castelo do princípio, sem aceitar pré-conceitos acerca da originalidade das suas parcelas, do carácter inventivo do restauro ou da profundidade com que se afectou o subsolo e os seus estratos arqueológicos. Por estes motivos, importa que, em paralelo com o estudo documental, fotográfico e iconográfico do restauro, se possam desenvolver projectos complementares de diagnóstico e de caracterização. É essencial que se promova um levantamento exaustivo dos paramentos das muralhas e das torres e que se complete esse trabalho com uma análise de arqueologia da arquitectura. E é também importante que a arqueologia convencional volte ao topo da colina, porque a área arqueológica da Praça Nova é um dos motivos de atractividade do castelo, mas também porque há um imperativo científico no estudo de zonas potencialmente relevantes, em particular associadas aos alicerces de alguns sectores do sistema defensivo e de outras parcelas da alcáçova.
Neste cenário, o Instituto de Estudos Medievais desempenha já papel importante, tendo sido firmados protocolos com a EGEAC (empresa gestora do Castelo de São Jorge) para permitir investigações de mestrado e de doutoramento sobre a alcáçova medieval de Lisboa (2014), tendo havido já sessões de debate e de transferência de conhecimento, como o 1.º Workshop sobre a alcáçova e o castelo de Lisboa (Junho de 2015) e prevendo-se mais acções num futuro próximo.
Habituámo-nos a caracterizar o sistema defensivo de Lisboa nos seus três monumentos-etapas fundamentais: Castelo de São Jorge; Cerca Velha e Cerca Fernandina. Mas nem essas estruturas funcionam de forma isolada, nem são o resultado de campanhas construtivas temporalmente unitárias, nem, tão pouco, são os únicos elementos de um sistema militar que contou com outras realizações e outros momentos. A visibilidade arqueológica do muro do tempo de Dinis I ou o lanço de muralha que avança da Cerca Velha até à Torre de São Pedro provam como a defesa da cidade foi um processo continuado, conjunturalmente avaliado em cada época, cujas etapas de construção são mais numerosas e carecem de um estudo tipológico concertado. É nesse sentido que o trabalho de Artur Rocha no subsolo do Banco de Portugal deve ser articulado com as acções de Manuela Leitão na Cerca Velha e com os de Ana Gomes no Castelo de São Jorge, a que se devem juntar muitos outros autores que têm vindo a investigar, de forma parcelar, aqueles monumentos. Mas é também importante que exista um plano integrado para todo este património, no qual se inclua ainda a Cerca Fernandina e as sondagens mais ou menos isoladas que têm sido realizadas ao longo do seu percurso.
Finalizo com uma palavra sobre a excelente museografia do Núcleo de Interpretação da Muralha de D. Dinis. A visita é antecedida por uma animação gráfica relativamente simples mas muito didáctica, que passa em revista, em poucos segundos, a evolução da cidade desde a época medieval até aos nossos dias e as diferentes opções construtivas que foram tomadas para o local onde hoje se encontra o Banco de Portugal. A descida à muralha propriamente dita é acompanhada por um percurso descendente também em termos cronológicos, do mais recente para o mais antigo, que simula, em certa medida, a própria evolução de uma escavação arqueológica, ao longo do qual o visitante toma contacto com artefactos e outros objectos encontrados pelos arqueólogos. O espólio é limitado e de importância reduzida, mas as soluções de exposição encontradas, a que não faltam animações tridimensionais das peças, merecem ser elogiadas. Finalmente, o percurso pela muralha é acompanhado por discretas tabelas explicativas que contextualizam não só a história da muralha, mas também as muitas cicatrizes que os tempos posteriores deixaram, assim indicando aos visitantes que estão a observar um muro que, longe de alguma vez ter estado cristalizado no tempo, antes foi aproveitado para diversos fins ao longo da História, sendo a sua musealização apenas mais um momento. E isto é uma das coisas que se conseguem quando se junta dinheiro, competência e bom gosto». In Paulo Almeida Fernandes, Recensão, A Muralha de Dinis I e a Cidade de Lisboa. Fragmentos Arqueológicos e a Evolução Histórica, Museu do Dinheiro / Banco de Portugal, 2015, Universidade de Coimbra, IEM, Revista Medievalista, Nº 20, 2016, ISSN 1646-740X.

Cortesia de IEM/FCSH/NOVA/FCT/JDACT

Recensão. Artur Rocha. A Muralha de Dinis I e a Cidade de Lisboa. Fragmentos Arqueológicos e a Evolução Histórica. Paulo Almeida Fernandes. « Na verdade, a acção desenvolvida pelo Museu do Dinheiro não é a única iniciativa dedicada a desvendar e a preservar trechos do sistema muralhado medieval da cidade»

Cortesia de wikipedia

«(…) Outras perguntas situam-se em âmbitos de maior exigência, que apenas a ampliação da área intervencionada arqueologicamente poderá vir a responder. Qual a relação da muralha Dionisina com a Cerca Fernandina, construída escassos oitenta anos depois daquela? A crer no traçado proposto por Vieira Silva para esta última, a opção dos construtores do século XIV foi a de inviabilizar a edificação do tempo de Dinis I, que já aparece mencionada como muro velho num documento da chancelaria régia, datado de 1424. Este dado leva-me a admitir que a empreitada fernandina terá registado diferentes escolhas ainda por explicar cabalmente: na zona ocidental da cidade, terá menosprezado a muralha Dionisina mas, no extremo oposto, no lado oriental, aproveitou uma torre anterior ao tempo de Dinis I para se ligar à Cerca Velha, em concreto a torre de S. Pedro, cuja primeira menção data de 1263. Por outro lado, qual a relação que se poderá estabelecer com o troço do muro Dionisino identificado em 1939? Faria este ainda parte do sector de muralha promovido pelo rei, ou estaria já na área que a Câmara de Lisboa se comprometeu a construir pelo contrato de 1294, mas cuja empreitada não está provada? E teria o troço construído pela autarquia as mesmas características construtivas que o patrocinado pelo monarca?
Estas e muitas outras perguntas não podem ser dirigidas apenas à equipa de arqueologia do Museu do Dinheiro do Banco de Portugal. É necessário que outros agentes científicos possam prestar o seu contributo para que as perspectivas agora inauguradas de interpretação da muralha do reinado de Dinis I possam ter continuidade em relação à totalidade do sistema defensivo medieval de Lisboa. Na verdade, a acção desenvolvida pelo Museu do Dinheiro não é a única iniciativa dedicada a desvendar e a preservar trechos do sistema muralhado medieval da cidade. Dois outros projectos em curso merecem ser aqui referenciados, pela grande importância dos resultados até agora alcançados.
O primeiro diz respeito ao trabalho de Manuela Leitão, cuja investigação desenvolvida ao longo de vários anos sobre a Cerca Velha culminou na constituição de um circuito pedonal de cerca de 1,5 Km, sinalizado com 16 pontos de informação, e que permite a realização de uma visita orientada e informada de aproximadamente uma hora em torno daquele perímetro muralhado. Seguindo os vários painéis informativos, estrategicamente colocados em locais relevantes da muralha, que situam o visitante no circuito e fornecem-lhe informação contextual adicional, a visita pode ser complementada com um mapa que está disponível em alguns pontos turísticos, assim dispensando a orientação por parte de guias.
O itinerário da Cerca Velha foi inaugurado em Setembro de 2014 como produto turístico, mas ele representa a face mais visível de um programa de trabalhos de maior ambição. O PIEVCVL, Projecto Integrado de Estudo e Valorização da Cerca Velha de Lisboa, cujas origens recuam a 1998, promoveu a realização de 11 escavações, o levantamento criterioso de sete sectores de paramentos, duas acções de conservação e restauro e um plano coerente de qualificação urbanística da envolvente à cerca. Realizou-se mesmo um estudo de arqueologia da arquitectura, num dos trechos mais bem preservados (Rua da Judiaria e Postigo de São Pedro) e um projecto de investigação específico destinado a caracterizar as argamassas, passo interdisciplinar decisivo para compreender técnicas construtivas e a produção de ligantes e revestimentos a partir dos recursos naturais existentes em Lisboa.
Estes números impressionam pela abrangência de acções e novos dados serão revelados em breve (uma vez que continuam as sondagens, como a que a Marina Carvalhinhos efectuou na Rua Norberto Araújo, em 2015), mas a Cerca Velha, como qualquer marca arquitectónica de uma cidade em contínua transformação, é um organismo vivo que guarda partes da história de Lisboa por decifrar. A muralha não foi sempre uma fronteira; ela foi ponto de apoio e de partida para outras construções, foi rasgada e rompida para permitir acessos antes indesejados, foi alteada e suprimida ao sabor de vagas construtivas e gerações de vontades. A densa história que o projecto de estudo e valorização tem revelado, complementa-se com a documentação medieval, moderna e contemporânea e um crescente espólio iconográfico e fotográfico, ingredientes que adivinham a relevância e o sucesso de um centro interpretativo sobre este monumento (ambição antiga dos gestores do PIEVCVL), mas também de um livro sobre a Cerca Velha de Lisboa, não já um roteiro ou um circuito turístico-cultural, mas sim um estudo monográfico que sedimente o conhecimento adquirido até hoje». In Paulo Almeida Fernandes, Recensão, A Muralha de Dinis I e a Cidade de Lisboa. Fragmentos Arqueológicos e a Evolução Histórica, Museu do Dinheiro / Banco de Portugal, 2015, Universidade de Coimbra, IEM, Revista Medievalista, Nº 20, 2016, ISSN 1646-740X.

Cortesia de IEM/FCSH/NOVA/FCT/JDACT