NOTA: Afonso Henriques, nascido em 1109, filho do conde Henrique e de dona Teresa, neto de Afonso VI de Leão e primo direito de Afonso VII. Tem uma relação amorosa com Elvira Gualter, da qual nasceram duas filhas, Urraca e Teresa Gualter; e outra com Chamoa Gomes, de quem tem dois filhos, Fernando e Pedro Afonso. Será reconhecido com rei de Portugal, em 1143, em Zamora.
Coimbra,
Maio de 1126
«Nesse momento, Fátima olhou para
a irmã Zaida, com um sorriso triunfante, mas a outra fez-lhe uma careta. Sem
ligar às diatribes silenciosas das filhas, Zulmira prosseguiu: Para mais,
Afonso VI nunca ajudou meu avô Al-Mutamid. Tempos depois, chegou a segunda
notícia fatal: Sevilha fora também tomada pelos almorávidas de Yusuf, e
Al-Mutamid tinha sido levado preso para Marraquexe, onde morreria.
A minha raiva tornou-se
gigantesca, confessou Zulmira. Ainda mais enfurecida ficou quando Afonso VI se
passou a intitular o «Imperador das Duas Religiões», argumentando que o seu
herdeiro legítimo, o príncipe Sancho, era tão cristão como muçulmano. Era o cúmulo
da afronta!, exclamou.
Como Zulmira viria a descobrir, não
era a única a ter tais sentimentos. Os nobres e os bispos de Castela e Leão
abominavam aquela farsa da união das duas religiões, e a hostilidade ao varão
do imperador crescia, contaminando Dona Urraca e Dona Teresa, iradas por terem
sido ultrapassadas por Sancho na linha sucessória.
Certo dia, quando Zulmira
passeava pelas ruas de Toledo, dois homens obrigaram-na a segui-los. Fora levada
a uma casa e, num ambiente escuro, tinham-lhe proposto um sinistro acordo.
Desafiaram-na a matar o meio-irmão Sancho, coisa que ela podia fazer
facilmente, pois circulava à vontade na corte. Em troca, o grupo dos
conspiradores garantia-lhe proteção contra a fúria de Afonso VI. Zulmira
suspirou e depois disse:
Não posso jurar, pois não lhes vi
bem as caras, mas suspeito de que entre aquelas pessoas estavam Dona Urraca e
Dona Teresa. Zaida levou a mão à boca, compreendendo o perigo que ainda corria
a mãe. Se um dia a reconhecesse, Dona Teresa podia mandar matá-la! Há nove
anos, em Coimbra, achei que ela me identificara, mas depois percebi que não,
recordou Zulmira. Mas outros podem fazê-lo, por isso não fui a Ricobayo nem a
Toledo, e fingi doenças. .
Fascinada pelo intrigante golpe
palaciano, Fátima perguntou se a mãe havia tentado matar o seu meio-irmão, mas
Zulmira contou que, saída daquela obscura casa, rapidamente chegara à crua
conclusão de que, fizesse o que fizesse, morreria. Se matasse Sancho, seria
eliminada, ou pelo vingativo imperador, no caso de ser descoberta, ou pelos
conspiradores, para garantirem que não os denunciava. Mas, se não matasse
Sancho, os conspiradores também não a iam deixar viver. Em Toledo, o seu
destino estava traçado. A sua única possibilidade era uma imediata fuga, e fora
isso que fizera». In Domingos Amaral, Assim Nasceu Portugal, Por Amor a uma Mulher, Casa
das Letras, LeYa, 2015, ISBN 978-989-741-262-2.
Cortesia de CdasLetras/LeYa/JDACT
JDACT, Domingos Amaral, A Arte, Literatura,