jdact
No
Oriente
«(…)
Em vez, porém, de voltar para o reino, o poeta, obrigado ao serviço militar,
teve de ir para o aborrecido e perigoso cruzeiro do estreito de Meca (golpho de
Aden), na armada do commando de Manuel Vasconcellos (Fevereiro de 1553). Eis
como Diogo do Couto dá noticia desse cruzeiro: partido Manuel Vasconcellos de Gôa…, e em sua companhia Fernão Farto,
que levava os padres para irem a Abassia, foram seguindo sua derrota até
haverem vista da costa de Arábia, e Manuel Vasconcellos se foi lançar com toda
a sua armada a Monte de Félix [é o Ras, cabo, ai Fil, ou Filuk, situado
algumas dezenas de milhas, 38 em linha recta, para dentro do cabo de Guardafui,
na costa setentrional da Somália; eis como elle vem descripto no roteiro inglês
do Mar Vermelho e golpho de Aden, The Red Sea and Gulf of Aden Pilot, edição de
1900, Ras Filuk, ou mais propriamente Ras-al-Fil, o Mons Elephas dos romanos,
assim chamado por causa da similhança que tem com um elephante, é uma elevada
collina de 800 pés d'altitude acima do nivel do mar, a 8 milhas a oeste do Ras Alula.
Tem a apparencia de uma ilha, quer se veja de leste, quer de oeste, pois são
baixas as terras que lhe ficam ao pé. Os indigenas chamam-lhe geralmente Ras
Belmúk; com tempo claro pôde ser visto á distancia de 40 milhas...; no valle
que fica a leste ha uma laguna de agua salgada…; a oeste do Ras Filuk ha uma
pequena, mas profunda baía, abrigada dos levantes e poentes, com um bom
ancoradouro de 5 braças d'agua], como
levava por regimento, pêra alli esperar as naos que haviam de vir do Achem e
alli esteve até se lhe gastar a monção, sem lhe vir cahir alguma nas mãos. E
sendo tempo de se recolher a invernar em Mascate, pêra recolher as nãos de
Ormuz, por se recearem do cossario Cafár, se fez á vela e foi surgir naquelle
porto, onde desapparelhou e esteve até Setembro e entrada de Uutubro, Década VII.
Ouçamos
agora o poeta, edição de 1852:
Junto
d'um sêcco, duro, estéril monte,
Inútil
e despido, calvo e informe,
Da natureza
em tudo aborrecido.
Onde
nem ave voa ou fera dorme,
Nem corre
claro rio ou ferve fonte,
Nem verde
ramo faz doce ruido,
Cujo
nome, do vulgo introduzido,
É Feliz,
por antiphrasi infelice,
O qual
a natureza
Situou
junto á parte
Aonde
um braço d'alto mar reparte
A Abassia
da Arábica aspereza,
Em que
fundada já foi Berenice (ver nota),
Ficando
á parte donde
Nota: Se a palavra relativa
por que começa este verso se refere á Arábia, trata-se da Berenice que ficava na
Arábia Pétrea, no extremo norte do Aelaniticus sinus. Neste caso, o Ficando do verso 14 refere-se a Berenice
e este verso e o seguinte formam como que um parenthesis. Se, porém, o
antecedente do Em que é a parte do verso
10, trata-se de uma das três ou quatro Berenices, que se achavam situadas na costa
africana do Mar Vermelho. E se no verso 15 se deve ler nelle, como fez o primeiro editor das Rimas, não póde deixar de ser uma destas. Nelle seria então o braço d'alto mar do verso 11, isto é, o Mar Vermelho,
a que, diga-se de passagem, os nossos antigos escriptores davam como limites extremos
Suez e uma linha tirada do cabo de Guardafui ao de Fartaque.
O sol
que nella ferve se lhe esconde;
O cabo
se descobre, com que a costa
Africana,
que do austro vem correndo,
Limite
faz, Arómata chamado,
Arómata
outro tempo, que volvendo
A roda
(2), a ruda lingua mal composta
Dos próprios
outro nome lhe tem dado.
Aqui,
no mar que quer, apressurado,
Entrar
por a garganta deste braço,
Me trouxe
um tempo e teve
Minha
fera ventura.
Aqui,
nesta remota, áspera e dura
Parte
do mundo, quis que a vida breve
Também
de si deixasse um breve espaço,
Porque
ficasse a vida
Por o
mundo em pedaços repartida.
Aqui
me achei gastando uns tristes dias,
Tristes,
forçados, maus e solitários,
De trabalho,
de dôr e de ira cheios.
Não tendo
tão somente por contrários
A vida,
o sol ardente, as aguas frias,
Os ares
grossos, férvidos e feios.
Mas os
meus pensamentos, que são meios
Para
enganar a própria natureza,
Também
vi contra mi,
Trazendo-me
á memoria
Alguma
já passada e breve gloria,
Que eu
já no mundo vi, quando vivi,
Por me
dobrar dos males a aspereza,
Por
mostrar-me que havia
No
mundo muitas horas de alegria.
Aqui
'stive eu, com estes pensamentos,
Gastando
tempo e vida, os quaes tão alto
Me subiam
nas asas, que caía
(Oh vede
se seria leve o salto!)
De sonhados
e vãos contentamentos
Em desesperação
de ver um dia.
O imaginar
aqui se convertia
Em improvisos
choros e em suspiros,
Que
rompiam os ares.
Aqui,
a alma captiva,
Chagada
toda, estava em carne viva,
De dores
rodeada e de pesares,
Desamparada
e descoberta aos tiros
Da soberba
Fortuna,
Soberba,
inexorável e importuna!
Não tinha
parte donde se deitasse,
Nem esperança
alguma onde a cabeça
Um pouco
reclinasse por descanso!
Tudo
dôr lhe era e causa que padeça,
Mas que
pereça não, porque passasse
O que
quis o destino nunca manso.
Oh que
este irado mar, gemendo, amanso!
Estes
ventos, da voz .importunados,
Parece
que se enfrêam;
Somente
o ceu severo,
As estrellas
e o fado, sempre fero,
Com meu
perpétuo dano se recrêam,
Mostrando-se
potentes e indignados
Contra
um corpo terreno,
Bicho
da terra, vil e tão pequeno!
Se, de
tantos trabalhos, só tirasse
Saber
inda, por certo, que algum'hora
Lembrava
a uns claros olhos, que já vi,
E se
esta triste voz, rompendo fora,
As orelhas
angélicas tocasse
Daquella,
em cuja vista já vivi,
A qual,
tornando um pouco sobre si,
Revolvendo
na mente pressurosa
Os tempos
já passados
De
meus doces errores.
De
meus suaves males e furores,
Por ella
padecidos e buscados,
E, posto
que já tarde, piedosa.
Um pouco
lhe pesasse,
[…]
In José Maria Rodrigues, Camões e a
Infanta D. Maria, Separata do Instituto, Imprensa da Universidade de Coimbra, Coimbra,
1910, há memória do Mal-Aventurado Príncipe Real Luís Philippe (3 1761
06184643.2), PQ 9214 R64 1910 C1
Robarts/.
Cortesia
do AHistórico/UCoimbra/JDACT