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Guerra
marítima, comercial e ideológica
«(…)
Vasco da Gama assentou duradouramente o preço da pimenta e carregou em Cochim 30
000 quintais. No regresso, no espólio de duas naus que assaltaram, encontraram um
ídolo de trinta arráteis de peso. Tinha um rubi no peito, as vestes eram de ouro
e pedrarias e nos olhos brilhavam duas esmeraldas.
Cochim,
o cais da pimenta
A quinta
armada, a de 1503, teve a direcção dos primos Francisco e Afonso Albuquerque. António
de Saldanha, o primeiro europeu a subir à Mesa do Cabo da Boa Esperança, seguiu-os
mais tarde. No grupo de Afonso, era capitão o geógrafo, navegador e militar Duarte
Pacheco Pereira que integrara a armada de Cabral. Nicolau Coelho comandava uma das
naus de Francisco Albuquerque. Na frota do Saldanha, um dos capitães e mestre, por
ser mui usado no mar, era um Diogo Setúbal. Encontraram o reino de Cochim tomado
por Calecut e os seus aliados. O rei recusara-se, apesar dos protestos do seu povo,
a entregar os portugueses da feitoria. A artilharia das naus portuguesas e dos batéis
desalojou os militares de Calecute e trouxe o rei de volta à cidade. Não havia quem
trouxesse pimenta nem os mercadores se atreviam a ir buscá-la. Foram lá os capitães.
Afonso Albuquerque carregou-a em Coulão onde a rainha tinha uma guarda de mulheres
frecheiras. Enquanto uma nau carregava, as outras duas obrigavam os navios que passavam
a dar obediência a Afonso Albuquerque que se intitulava capitão-mor do rei de Portugal.
Só roubavam as naus dos mouros do Mar Vermelho.
Francisco
Albuquerque e Nicolau Coelho partiram para Lisboa a 31 de Janeiro de 1504. Nunca
mais se soube deles. Afonso Albuquerque chegou a Lisboa em 23 de Agosto do
mesmo ano. Além da pimenta, trazia quatrocentos arráteis de aljôfar, quarenta pérolas,
dois cavalos, um árabe e outro persa, e o veneziano micer Bendjuto Dalban, casado
com uma javanesa. Duarte Pacheco Pereira ficou na Índia com a sua nau e duas caravelas.
Ao todo, uns 100 combatentes: o alcaide-mor e feitor de Cochim Diogo Fernandes Correia;
Pero Rafael e Diogo Pires, capitães das duas caravelas; o jovem fidalgo Simão Andrade:
escrivães; um Inhigo de Portugalete, um calafate biscainho, um carpinteiro, um
Jorge Grego, o Diogo canário, o João de Vila do Conde, o João e o Afonso do
Porto, o Bartolomeu, o Álvaro de Óbidos, o Diogo de Coruche, o Paulo genovês, frei
Gastão, um barbeiro, um mercador castelhano, um cerieiro, um bombardeiro, um
criado da Infante, um criado do bispo da Guarda. o Jorge do Porto, o Maçarelos,
o João de Leça, o João de Santarém, o genovês Baptista, os bombardeiros Isbráo
de Holanda e Pero Alemão, o João de Caminha, o Diogo de Bragança, o Luís de
Maçãs, o Cardoso, o Leitão, o castelhano Francisco, o Fernando do Mestre, os bombardeiros
Ausbrote, Miquel e Afonso. Era gente comum de diferentes pontos do país, particularmente
do litoral, e castelhanos, genoveses, um biscainho, um grego, um canário e bombardeiros
alemães.
Duarte
Pacheco Pereira veio com a sua nau e com a caravela de Pero Rafael para a ponta
de Cananor. A caravela mandava arribar as naus: donde eram, para onde iam, o que
levavam. Se achavam pimenta, tomavam-na. O rei de Cochim estava triste. Achava
pequena a armada de Duarte Pacheco, tanto mais que o rei de Calecut trazia, ao seu
serviço, dois milaneses que fundiam artilharia de bronze. Calecut e os seus aliados
desencadearam cinco assaltos à ilha e à cidade de Cochim. Fracassaram uma e
outra vez. No quinto assalto participou o próprio rei de Calecut. Ia num andor,
coberto por um sombreiro. Já se retirava quando Pero Rafael disparou uma bombarda
grossa. O tiro matou treze homens do Samorim, incluído o que lhe dava o bétel.
O projéctil passou a rasar tão perto que o rei, maculado de sangue, baqueou do andor».
In
António Borges Coelho, Na Esfera do Mundo, Editorial Caminho, 2013, ISBN
978-972-212-642-7.
Cortesia
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