quinta-feira, 5 de maio de 2016

As Mulheres de D. Manuel I Maria Pilar del Hierro. «… redobraram os soluços, os seus belos cabelos louros; pediu roupas de estamenha e garante que quer refugiar-se no convento de clarissas de Tordesilhas. Diz que a sua vida terminou e que quer professar...»

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A noiva de luto. Isabel. 1470-1479
«(…) Leonor suspirou enquanto tentava dominar o tremor que os anos e o trabalho davam às suas mãos. Tendes razão, Elvira. Mas precisamente por isso temos de lhe agradar. Ah, se não fossem estas mãos inúteis eu mesma lhe prepararia a cama e disporia os baús, que bem conheço os seus gostos e talvez assim pudesse aliviá-la de tanto sofrimento! Confiai em mim, dona Leonor, que sou jovem e tenho boas forças. Não há-de faltar nada à infanta nossa senhora, pois vou cumprir a minha obrigação de camareira com redobrado vigor...
Receio, Elvira, que nada nem ninguém poderá devolver o riso à sua boca. Meu Deus!, interveio Ana Lerma, outra das camareiras, apenas vinte e um anos e já viúva… Nunca foi feliz, não vos enganeis, interveio Joana Guzmán, a primeira camareira do quarto da infanta, enquanto retirava um brial de seda crua de um dos baús chegados de Portugal. Nisso tenho de vos dar razão, sentenciou Leonor. É verdade que como primogénita gozou mais do que qualquer das irmãs dos mimos e carícias dos pais mas não lhe faltaram angústias e dissabores. Como não deve ter sofrido a minha pobre menina afastada dos pais para cumprir o Tratado das Terçarias de Moura! Não esqueceis, Leonor, Joana dispensava o tratamento mais formal por lhe ser mais próxima em idade e categoria doméstica, que desse primeiro pacto entre Portugal e Espanha nasceu o que mais tarde foi um matrimónio feliz…
É verdade, mas acreditais que isso é o suficiente para compensar a solidão de uma menina de dez anos que passou três em terra estranha e sem a companhia dos seus? Se fosse só isso!, exclamou a camareira, o pior foi que pouco antes, o nascimento do príncipe João a tinha afastado rapidamente da sua condição de princesa das Astúrias... Isso não tem nada a ver! Dona Isabel nunca foi uma mulher ambiciosa. O curioso é que, como ela própria me relatou, quando teve de regressar a Castela sem saber se o casamento se realizaria, chorou amargamente. Mas..., interrompeu-se a aia. Onde ides, Joana, com o brial de seda que a infanta Isabel vestiu no seu casamento? Sigo instruções, Leonor... A princesa ordenou que levemos todas as suas roupas ao mourisco da Costanilla Nueva que sabe muito de tingimentos. Garante que nunca mais se vestirá de cor, que a sua alma está negra de dor e como tal quer ataviar-se... Além disso, entregou jóias e outros objectos ao seu confessor pedindo-lhe que os distribua entre aqueles que mais necessitam. Leonor baixou a cabeça e suspirou. Foi a jovem Elvira quem, enquanto afofava as almofadas de penas do leito, tomou a palavra: passa a vida a chorar e triste. Bem precisa de levantar o ânimo e esquecer pois ainda tem muitos anos de vida pela frente para os passar entre lutos e tristezas. A infanta é muito sensível, sentenciou Joana Guzmán.
Um grito vindo do corredor interrompeu a conversa. Precipitaram-se para a porta mas, antes de chegarem a sair a sala, Brites Meneses, a única camareira portuguesa do séquito da infanta entrou sufocada e chorosa: acudi depressa, dona Leonor... A mim não me ouve! Mas o que aconteceu? Quem é que tem de vos ouvir? A infanta, a infanta..., balbuciou Brites enquanto enxugava as lágrimas e se assoava ruidosamente com um pequeno lenço de seda. A infanta? O que aconteceu à infanta?, alarmou-se a aia. Cortou os cabelos, dona Leonor..., redobraram os soluços, os seus belos cabelos louros; pediu roupas de estamenha e garante que quer refugiar-se no convento de clarissas de Tordesilhas. Diz que a sua vida terminou e que quer professar...» In As Mulheres de D. Manuel I, María Pilar Queralt del Hierro, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2010, ISBN 978-989-626-247-1.

Cortesia de EsferadosLivros/JDACT