jdact
A
noiva de luto. Isabel. 1470-1479
«(…)
Leonor suspirou enquanto tentava dominar o tremor que os anos e o trabalho
davam às suas mãos. Tendes razão, Elvira. Mas precisamente por isso temos de
lhe agradar. Ah, se não fossem estas mãos inúteis eu mesma lhe prepararia a
cama e disporia os baús, que bem conheço os seus gostos e talvez assim pudesse aliviá-la
de tanto sofrimento! Confiai em mim, dona Leonor, que sou jovem e tenho boas
forças. Não há-de faltar nada à infanta nossa senhora, pois vou cumprir a minha
obrigação de camareira com redobrado vigor...
Receio,
Elvira, que nada nem ninguém poderá devolver o riso à sua boca. Meu Deus!, interveio
Ana Lerma, outra das camareiras, apenas vinte e um anos e já viúva… Nunca foi
feliz, não vos enganeis, interveio Joana Guzmán, a primeira camareira do quarto
da infanta, enquanto retirava um brial de seda crua de um dos baús chegados de
Portugal. Nisso tenho de vos dar razão, sentenciou Leonor. É verdade que como
primogénita gozou mais do que qualquer das irmãs dos mimos e carícias dos pais
mas não lhe faltaram angústias e dissabores. Como não deve ter sofrido a minha
pobre menina afastada dos pais para cumprir o Tratado das Terçarias de Moura!
Não esqueceis, Leonor, Joana dispensava o tratamento mais formal por lhe ser
mais próxima em idade e categoria doméstica, que desse primeiro pacto entre
Portugal e Espanha nasceu o que mais tarde foi um matrimónio feliz…
É
verdade, mas acreditais que isso é o suficiente para compensar a solidão de uma
menina de dez anos que passou três em terra estranha e sem a companhia dos
seus? Se fosse só isso!, exclamou a camareira, o pior foi que pouco antes, o
nascimento do príncipe João a tinha afastado rapidamente da sua condição de
princesa das Astúrias... Isso não tem nada a ver! Dona Isabel nunca foi uma mulher
ambiciosa. O curioso é que, como ela própria me relatou, quando teve de
regressar a Castela sem saber se o casamento se realizaria, chorou amargamente.
Mas..., interrompeu-se a aia. Onde ides, Joana, com o brial de seda que a
infanta Isabel vestiu no seu casamento? Sigo instruções, Leonor... A princesa ordenou
que levemos todas as suas roupas ao mourisco da Costanilla Nueva que sabe muito
de tingimentos. Garante que nunca mais se vestirá de cor, que a sua alma está negra
de dor e como tal quer ataviar-se... Além disso, entregou jóias e outros objectos
ao seu confessor pedindo-lhe que os distribua entre aqueles que mais necessitam.
Leonor baixou a cabeça e suspirou. Foi a jovem Elvira quem, enquanto afofava as
almofadas de penas do leito, tomou a palavra: passa a vida a chorar e triste. Bem
precisa de levantar o ânimo e esquecer pois ainda tem muitos anos de vida pela
frente para os passar entre lutos e tristezas. A infanta é muito sensível, sentenciou
Joana Guzmán.
Um
grito vindo do corredor interrompeu a conversa. Precipitaram-se para a porta mas,
antes de chegarem a sair a sala, Brites Meneses, a única camareira portuguesa do
séquito da infanta entrou sufocada e chorosa: acudi depressa, dona Leonor... A mim
não me ouve! Mas o que aconteceu? Quem é que tem de vos ouvir? A infanta, a infanta...,
balbuciou Brites enquanto enxugava as lágrimas e se assoava ruidosamente com um
pequeno lenço de seda. A infanta? O que aconteceu à infanta?, alarmou-se a aia.
Cortou os cabelos, dona Leonor..., redobraram os soluços, os seus belos cabelos
louros; pediu roupas de estamenha e garante que quer refugiar-se no convento de
clarissas de Tordesilhas. Diz que a sua vida terminou e que quer professar...» In
As Mulheres de D. Manuel I, María Pilar Queralt del Hierro, A Esfera dos
Livros, Lisboa, 2010, ISBN 978-989-626-247-1.
Cortesia
de EsferadosLivros/JDACT