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Aliás, é curioso notar que é neste decreto que o marquês de Pombal se vai basear,
perto de três séculos mais tarde, para suprimir as distinções e incapacidades legais
dos cristãos-novos: mando que a Lei do Senhor D. Manuel I, expedida no Primeiro
de Março do Anno de mil quinhentos e sete; e a outra Lei do Senhor Rei Dom João
o III, dada em dezasseis de Dezembro do Anno de mil quinhentos e vinte e quatro,
em que proibiam a sediciosa e ímpia distinção de Cristãos Novos e Cristãos
Velhos, sejam extraídas do Meu Real Arquivo da Torre do Tombo, e de novo
publicadas, e impressas com essa para fazerem parte dela, como se nela fossem inteiramente
incorporadas. O decreto do marquês de Pombal, aliás do rei José I, de 25 de
Maio de 1773, baseia-se também, com algum cinismo histórico, no bom relacionamento
sempre havido em Portugal entre os reis portugueses e os judeus...
Para
além de proibir as inquirições ao passado judeu dos cristãos-novos, uma outra tentativa
de assimilação dá-se com a alteração dos nomes. Aos judeus agora baptizados
seriam dados vulgares nomes cristãos: João Fernandes, Gonçalo Rodrigues, Jerónimo
Henriques, António Dias, Luís Álvaro, Estevam Godinho, Maria Caldeira, Leonor
Ribeira. Não tem fundamento a ideia muito vulgarizada de que seriam adoptados nomes
de árvores. Estes pertenciam regra geral à nobreza e foram atribuídos apenas a algumas
personalidades cristãs-novas de prestígio. Mas, para além de tentativa de integração,
a alteração do nome significava o esforço para apagar e destruir a identidade
judaica anterior. Permaneceu, no entanto, a dualidade do nome, um nome cristão público,
outro secreto judaico, para os que não aceitavam como sua a nova fé imposta.
Grande parte dos convertidos por Manuel I, depois de baptizarem na igreja os seus
recém-nascidos, davam-lhes o nome judaico no segredo das suas casas, procurando
assim manter o vínculo da tradição ancestral, como forma de resistência à assimilação
forçada. As crianças eram pois portadoras de dois nomes e duas identidades. É como
vimos o caso de Grácia Nasi, nome ibero-judaico, mas baptizada como Beatriz de Luna.
Assim,
a imposição de um nome cristão, longe de significar a tão desejada integração dos
cristãos-novos, tornou-se, pela manutenção ou adopção do nome hebraico, um elemento
de distanciação e reserva mental face à fé violentamente imposta. Outras duas
medidas tendentes à assimilação dos cristãos-novos foram a proibição de casarem
entre si, medida que pouco foi aplicada, e o baptismo das antigas judiarias, agora
denominadas ruas novas ou vilas novas. Estas seriam reocupadas pelos
seus antigos locatários, embora sem a discriminação legal anterior, sobretudo
no Porto, Évora e Lisboa. As casas desocupadas seriam entregues a
cristãos-velhos, o que era estimulado pelo rei para promover a convivência, mas
também a vigilância sobre os conversos. Finalmente a 21. de Abril de 1499
seria publicada uma lei proibindo aos cristãos-novos a saída do reino, sob pena
de perda dos bens móveis e de raiz a favor da coroa, exceptuando as viagens de negócios
e na condição de deixar as mulheres e os filhos no reino. Temia-se assim que
fossem para as terras dos mouros, retornando ao judaísmo e, sobretudo, que levassem
consigo os seus bens.
... Saiba,
Senhor que o judaísmo faz parte dos males incuráveis
Teve
esta política de Manuel I o resultado esperado? O rei acreditava, sem dúvida, na
possibilidade de uma assimilação e de uma integração autênticas. Mas na verdade
esta política não funcionou. Obrigados a abraçar uma religião que lhes era estranha,
a maioria dos judeus terá permanecido fiel ao judaísmo, pelo menos inicialmente.
O cronista judeu Salomão Ibn Verga, exilado de Espanha e ele próprio arrastado pelas
conversões compulsivas, escreve na sua obra Shebet Yehuda (O Ceptro de Judá): que
proveito tirará a Nossa Senhoria e Rei em deitar água benta sobre os judeus, passando
a chamá-los Pedro ou Pablo, enquanto eles permanecem ligados à sua fé, como Akiba
ou Tarfon? ( ....) Saiba, Senhor que o judaísmo faz parte dos males incuráveis.
Na verdade, convertidos em massa e de um só golpe, grande parte dos judeus cristianizados
mantinham vivas, pelo menos nos primeiros anos, as suas estruturas comunitárias,
os seus laços de solidariedade e sobretudo a consciência da sua identidade religiosa
judaica». In Esther Mucznik, Grácia Nasi, A judia portuguesa do século XVI que
desafiou o seu próprio destino, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2010, ISBN
978-989-626-244-0.
Cortesia
de ELivros/JDACT