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De
Volta de Ceuta
[…]
«E para
acabar de lhe azedar a alma, não faltariam os boatos de que a infanta tinha todo
o empenho em não protrahir o seu casamento com o principe das Astúrias. Foi talvez
por pôr a bocca no mau successo dos amores de Camões com a infanta, que Gonçalo
Borges, encarregado dos arreios do paço, foi gravemente ferido pelo poeta, na rua
de Santo Antão, em pleno dia, quando toda a Lisboa andava na rua para assistir á
procissão do Corpo de Deus, 16 de Junho de 1552, [a narrativa do facto, contida
na carta de perdão, auctoriza, a meu ver, a conjectura de que não foi casual a intervenção
do poeta na briga travada entre Gonçalo Borges e os dous cavalleiros mascarados;
a immediata retirada destes faz suppôr que o poeta tinha contas a ajustar com aquelle,
mas não queria ser o provocador]. Como se sabe, o poeta esteve preso até 7 de Março
de 1553 e foi solto por lhe ter perdoado a parte offendida e por ir servir
aquelle anno na Índia. E antes de findar o mês, talvez no dia 26, lá saía elle da
amada terra, em que lhe ficava o magoado coração.
E tanto
mais magoado, quanto ás saudades da infanta accresciam também agora as da menina
dos olhos verdes, que, sinceramente compadecida da sorte d'aquelle a quem tanto
havia amado e esquecendo profundos aggravos, não quis faltar ao amargurado poeta
com o seu perdão nem com as sinceras lagrimas da despedida, na manhã do dia de embarque.
«Aquella
triste e leda madrugada,
Cheia
toda de mágoa e de piedade,
Emquanto
houver no mundo saudade,
Quero
que seja sempre celebrada.
Ella
só, quando amena e marchetada
Saía,
dando á terra claridade,
Viu apartar-se
de uma outra vontade,
Que nunca
poderá ver-se apartada.
Ella
só viu as lagrimas em fio,
Que,
de uns e de outros olhos derivadas,
Juntando-se,
formaram largo rio.
Ella
ouviu as palavras maguadas,
Que poderão
tornar o fogo frio
E dar
descanso ás almas condemnadas».
(Soneto
20).
E já
em pleno mar, é ainda esta doce imagem que o poeta evoca, para arrostar os perigos
que o esperavam:
«Por
cima destas aguas, forte e firme,
Irei
aonde os fados o ordenaram,
Pois
por cima de quantas derramaram
Aquelles
claros olhos, pude vir-me.
Já chegado
era o fim de despedir-me;
Já mil
impedimentos se acabaram.
Quando
rios de amor se atravessaram
A me
impedir o passo de partir-me.
Passei-os
eu com animo obstinado.
Com que
a morte forçada gloriosa
Faz o
vencido já desesperado.
Em qual
figura ou gesto desusado
Pôde
já fazer medo a morte irosa
A quem
tem a seus pés, rendido e atado?
Mas,
como vamos ver, não era só na menina dos olhos verdes que o poeta ia pensando durante
a longa e accidentada viagem para a Índia». In José Maria Rodrigues, Camões e a Infanta D. Maria, Separata do
Instituto, Imprensa da Universidade de Coimbra, Coimbra, 1910, há memória do
Mal-Aventurado Príncipe Real Luís Philippe (3 1761 06184643.2), PQ 9214 R64 1910 C1 Robarts/.
Cortesia
do AHistórico/UCoimbra/JDACT