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«(…) Pedro Alcântara Bragança
Bourbon, numa versão resumida do seu nome, via-se assim, aos 31 anos, numa
posição insólita: tinha sido rei de Portugal e imperador do Brasil, recusara o
trono da Grécia e o da Espanha; foi o soberano de milhões de homens e mulheres;
poderia tê-lo sido de muitíssimos mais... E agora, não tinha nada. Não tinha
trono. Não tinha pátria. Era pai duma rainha e de um imperador, mas não tinha
sequer uma casa a que chamar sua. Bem, mas a História é generosa para homens
como Pedro I do Brasil e IV de Portugal. Qualquer coisas neles parece atrair os
acontecimentos e chamá-los, de novo, à fila da frente das revoluções. Como uma
actualização dramática da infância, Pedro via-se forçado a defrontar o irmão. Miguel
tinha traído todos os juramentos que fizera ao regressar de Viena; mandara
prender, expatriar ou enforcar os opositores políticos e autoproclamara-se rei
de Portugal, restaurando o absolutismo. Pedro regressa à Europa, deixa a mulher
e a filha em segurança e embarca para a ilha Terceira, nos Açores. Aí, assume o
comando dos liberais no exílio e organiza um exército.
Em Junho de 1832, desembarca no
Norte do país e cerca o Porto. Tem início o último capítulo verdadeiramente
sangrento da História de Portugal: a guerra civil de 1832-34. Irmão
contra irmão, portugueses contra portugueses, a superioridade pende quase
sempre para o lado de Pedro. A 26 de Maio de 1834, a paz é assinada na Convenção
de Évora Monte. Miguel reconhece a derrota e parte para a Alemanha, onde
morrerá 32 anos depois. Apesar de nunca ter abandonado totalmente as pretensões
ao trono e declarar ter assinado a rendição sobre coacção, oferecerá ao irmão as
suas jóias para ajudar a patrocinar a reconstrução do país após a guerra. A
invulgar relação daqueles dois homens ficaria bem caracterizada no comentário
comovido que o gesto então mereceu de Pedro: isto são mesmo coisas do mano
Miguel... Esgotado, perdoado, demasiado vivido para alguém que ainda só
contava 35 anos, Pedro, o Rei-Soldado,
restaura o poder da Carta Constitucional e devolve à filha, dona Maria
II, agora com 15 anos, o trono que o tio lhe usurpara. .Já não consegue sequer
assistir à cerimónia da coroação. Acamado em Queluz, sofre do agravamento dos
sintomas que se haviam revelado durante a guerra: dificuldades respiratórias,
cansaço extremo. Redige o testamento, onde lega o seu coração à cidade do
Porto, epicentro do movimento liberal. Quatro dias depois, morre o Libertador, rei de tudo e nada. A
autópsia indica uma tuberculose como causa de morte. Quando lhe extraíram o
coração, para o submeter a um tratamento de conservação e enviar, como relíquia,
à Igreja da Lapa, no Porto, descobriram algo extraordinário: o coração de Pedro
Alcântara Bragança Bourbon era maior do que o normal. Pensando bem, poucas
coisas faziam tanto sentido.
A história
de Maximiliano Habsburgo-Lorena conta-se mais depressa. Nascido em Viena a 6 de
Julho de 1832, dois dias antes de Pedro IV desembarcar com o exército liberal no
Pampelido e dar início à guerra civil portuguesa, era filho de Sofia de Baviera
e talvez de seu marido, o arquiduque Francisco Carlos (levantou-se sempre
a hipótese de o pai ser, na verdade, Napoleão II, o que faria de Maximiliano neto
de Bonaparte). Cresceu, serviu na marinha e alcançou em Trieste a vitória sobre
a Itália. Apaixonou-se por uma princesa, dona Maria Amélia, fez planos de
casamento, mas a jovem morreu, inesperadamente, em 1853. Maximiliano nunca se recompôs
e diz-se que o anel que usaria até ao fim dos seus dias continha no interior um
pequeno tufo de cabelo da princesa desaparecida.
Mas a
vida tinha de seguir. Quatro anos depois, Maximiliano casa com Carlota da Bélgica,
aparentemente menos por amor e mais por necessidade financeira, já que usou o dote
de casamento da mulher para pagar a dívida que contraíra na construção dum castelo
em Trieste. Que planos havia trazido para a vida o arquiduque Max nunca
saberemos bem; a pouco e pouco, o seu destino começou a ser conduzido mais
pelos desejos de terceiros do que pelos seus. A pedido do sogro, parte para Milão,
onde assume o controlo das possessões austro-húngaras naquele que é hoje território
italiano. Sem talento ou vontade para a terra, vai perdendo domínios até ser
afastado do posto pelo imperador e retirar-se com a mulher para o seu castelo.
Depois, veio a sentença de morte... Convencido pelo imperador francês Napoleão III
a fazer no México um império que competisse com a América anglo-saxónica, Maximiliano
abdica dos seus títulos na Europa e parte para a utopia do outro lado do Atlântico.
Confiante no apoio que recebia de França e da Santa Sé, desembarca em Veracruz em
1864, com o título de imperador, disposto a consolidar uma grande monarquia
católica a partir do fascinante território de Maias e Astecas». In Alexandre
Borges, Histórias Secretas de Reis Portugueses, Casa das Letras, Lisboa, 2012,
ISBN 978-972-46-2131-9.
Cortesia
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