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A
noiva de luto. Isabel. 1470-1479
«(…)
Por isso, mãe e senhora minha, regresso a Castela. Quero esquecer Sevilha e os
seus aromas; quero afastar-me da fragrância das frondosas várzeas portuguesas; das
paredes que albergaram a minha felicidade; dos meus sonhos desfeitos... Preciso
que a Castela onde nasci fortaleça a minha alma, que o seu ar limpo e fino a
purifique, e que o seu céu sem nuvens me livre das brumas que nublam os meus
sentidos. Por isso, passados os primeiros lutos, deixei Santarém para ir em busca
do vosso consolo, da protecção do meu pai e da companhia das minhas irmãs,
Joana, Maria e Catarina. Faço-o com a certeza de que não me abandonareis nesta
hora amarga da minha vida. Beijo as mãos e os pés de V. A. e peço a Deus Nosso Senhor
que vos guarde e proteja em tão alta missão como a que vos foi encomendada. Peço-vos,
minha mãe, que tenhais presente nas vossas orações a vossa filha mais devota. Isabel»
In Escrita em Abrantes a VIII de
Setembro de MCDXCI, Anno Domini.
Algures
em Castela. Setembro de 1491
Elvira
afadigava-se a estender o lençol do melhor linho da Flandres sobre a cama que,
pouco depois, iria conceder a Isabel o cobiçado descanso. A viagem desde
Santarém até terras castelhanas, tinha sido extremamente cansativa. Os
acontecimentos das últimas semanas não tinham apenas afectado o ânimo da infanta,
tinham também diminuído consideravelmente as suas forças. Assim, aias e
camareiras seguindo ordens estritas de sua mãe, a rainha, aprestavam-se a
preparar-lhe uma boa cama e um bom jantar na esperança de a fazer recuperar a
saúde perdida antes de iniciar a viagem até Santa Fé, nas imediações de
Granada, onde estava instalada a corte e de onde os monarcas dirigiam as
operações do longo cerco a que estava a ser submetida a capital do reino
nazerí. A luz entrava a jorros pelas amplas janelas do quarto. Roupas,
utensílios pessoais, livros e trabalhos de costura espalhavam-se
desordenadamente pela sala esperando que as mãos hábeis de donzelas e
camareiras conseguissem encontrar um lugar adequado sob o olhar atento de Leonor
Maldonado, a velha aia que tinha criado a infanta e as suas irmãs e que,
enquanto Beatriz Galindo e outras sábias mulheres lhes transmitiam conhecimentos
e a língua e a cultura latinas, tinha tido a seu cargo as suas necessidades
quotidianas. Alheia a tudo o que não fosse a sua dor, a infanta descansava numa
sala contígua sem que parecesse incomodada pela conversa insignificante das jovens
camareiras. Inesperadamente, entre o murmúrio monótono das vozes, impôs-se a de
Leonor: estica mais daí, menina; daí, desse canto... que a minha senhora é
muito delicada e qualquer ruga a incomoda. A camareira, desafiadora,
respondeu-lhe: esquecei a menina que criastes, dona Leonor, que quem vai dormir
nesta cama é uma mulher feita e adulta, embora, isso sim, com a alma partida.
Não creio que nas suas circunstâncias a infanta dona Isabel se importe muito
com as dores do corpo...» In As Mulheres de D. Manuel I, María Pilar
Queralt del Hierro, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2010, ISBN 978-989-626-247-1.
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de EsferadosLivros/JDACT