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«(…) Havia ainda prédios assim, em Angers, ruas inteiras, antes das recentes
obras, e monsieur Breton foi buscar a um armário envidraçado o Guide Joanne de
1868, relativo a La Loire et le Centre da França, dando conta das grandes
transformações urbanas, e apontou com visível prazer as linhas que o
testemunhavam. E logo depois era questão de magníficos boulevards bordejados de
casas elegantes, de duas pontes novas, e do novo bairro entre o Mail e a
estação do caminho-de-ferro, com edificações que respondiam a novas
necessidades da cidade; e o exemplo estava ali, neste Hotel du Cheval Blanc,
que não tinha rival em França... O pitoresco das velhas casas..., e ele
lembrava-se de ruas da sua infância, a da Auguillerie, a da Oisellerie, a Rue
Baudrière; mas havia ainda a Maison d'Adam, logo adiante, perto da catedral, a
mais bela de todas, era do século XV, e valia a pena a visita. Havia tantas coisas
a visitar em Angers! Mas monsieur Grasset teria muito gosto em guiá-lo.
Perante tanta amabilidade, sorrindo, ele perguntou então a monsieur
Breton se não tinha algures nos seus sótãos uma mesa de pés altos, em que fosse
possível escrever de pé. Se monsieur le Consul desejasse, podia substituir a
mesa do seu quarto por outra maior, mas da mesma altura, precisou, com
hesitação na voz. Não, era mais uma questão de altura, ele tinha coisas a
escrever e estava habituado a fazê-lo de pé, era une petite manie, acrescentou,
com um ar meio desinteressado, não desejando insistir. Pois ia ver, na verdade
nenhum cliente lho tinha pedido. Mas se fosse preciso, o marceneiro do hotel
podia fazer a adaptação necessária, e rapidamente; não, não incomodava nada,
por amor de Deus... Mas era tarde já, e ele queria subir ao quarto, menos para
se deitar que para folhear mais uma vez o manuscrito daquela desgraça familiar
de que não sabia desenvencilhar-se. Escreveu ainda meia folha, e sobretudo nas
largas margens das folhas anteriores, com uma letra fina, tão certa na
aparência. Mas que fazer depois? E que estava ele a fazer em Angers, a ouvir monsieur
Breton contar a sua vida, e de todas aquelas colombages?... Ah, sim, ele tinha
feito copiar para si, o que era? A passagem de uma carta de uma condessa d'Armaillé,
alguém importante na cidade. Era uma descrição do hotel em 1851. Leu, no esmero
da caligrafia: forte ancienne bâtise en bois et en torchis avec des galeries couvertes
comme au Moyen-Age. Foi ao gabinete de toilette,
verificou que a pequena torneira brilhante do depósito de água funcionava bem, deitando
um fio de água na bacia, pôs o seu pó dentífrico (o inglês era certamente melhor
do que o que os franceses fabricavam) na escova de dentes, fez a toilette para se deitar, alisou a camisa
de dormir, e deitou um olhar preguiçoso ao Little Tour, de Henry James, antes
de pousar o monóculo num lenço de cambraia, sobre o tampo de mármore da
mesa-de-cabeceira (peniqueira: o termo nortenho veio-lhe de repente à memória,
com um largo riso, que lhe vincou o rosto: peniqueira) no Anjou...), afastando o
naperon de filet que o cobria e que suspeitou ter pó acumulado. Depois, reflectiu
e levantou-se para voltar a lavar as mãos, assoprando então a vela na lamparina
de prata, que era com certeza uma distinção de monsieur Breton». In
José Augusto França, A Bela Angevina, Editorial Presença, Lisboa, 2005, ISBN
972-23-3359-3.
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