jdact
A Montagem de uma Conspiração. Debates de Comando e Direcção
«(…) Na prática isto significava uma suspensão dos trabalhos preparatórios,
o que não deixou de causar alguma perplexidade na J.N., até porque tais
diligências não estavam substancialmente adiantadas. A J.N. acabou por decidir que
temporariamente os trabalhos não tomacem huma maior latitude. Deve dizer-se
que este abrandamento de ritmo ia, de alguma forma, ao encontro da postura
habitual dos notáveis miguelistas de Lisboa, que sempre tinham insistido na
necessidade de aguardar pelo momento oportuno. Esta atitude de confortável
distância cautelar, quase esquecia que uma conjuntura favorável só podia,
realmente, ser aproveitada se o dispositivo de acção tivesse sido preparado com
a devida antecedência. Em oposição a este cenário paralisante de fidelidades
distintas mas inactivas, sobressaía o incansável Vilar de Perdizes que, em nome
da J.N. e em diligências particulares, procurava estabelecer e consolidar a base
de opperaçoens para a conspiração miguelista. Ou seja, de acordo com a auctoridade,
e direcção de Ribeiro Saraiva, não cessava a sua intensa rede de contactos
pessoais destinada a agregar influências e empenhamentos.
Além disso, a composição da J.N. obrigava a que os contactos externos
fossem responsabilidade de Pereira Coutinho. Com efeito, nem José Lencastre,
nem João Castelo Branco eram especialmente vocacionados para essas actividades,
o que não quer dizet que estivessem inactivos. Ao primeiro não falta
determinação e fé, na causa de dom Miguel, mas manifesta uma notória
dificuldade no diálogo com o mundo novo. A sua postura de algum isolamento,
definida pela sua educação, não contém as virtualidades da diplomacia e diálogo
tão necessárias para que a audiência nas novas gerações seja possível. Quanto
ao segundo, João Castelo Branco, a par do seu entusiasmo crescente na
Restauração, a sua grande vantagem política era permitir o estabelecimento de
um elo de contacto com o conde de Barbacena. Apesar de tudo, o funcionamento da
J.N., nas suas reuniões mais ou menos regulares, permitia fazer um balanço das
condições em que se inscrevia a preparação do movimento e estabelecer os
critérios de actuação imediata.
A J.N. apresentava mesmo uma notória coesão interna, não isenta de formalidades,
só que não podia ultrapassar os limites pessoais e sociológicos que marcavam o
meio miguelista da capital. Daí, por vezes, algumas quebras de sincronia com as
directrizes emanadas por António Ribeiro Saraiva. Não é uma questão de
desobediência, mas a força das realidades, nem sempre ao alcance do agente de dom
Miguel ern Londres:
No empenho de regularizar os seus trabalhos julgam os membros da J, (JN)
indispensável dizer a V, Exa quais são as verdadeilas circonstancias em que se
acham. A J: não tem á sua dispozição os meyos de fazer comprir ordens, e assim
não pode aceitar a responsabilidade de as receber porque isso emportaria a
obrigação a comprimento do impraticavel, e em taes circonstancias entende só
ser possível, o accordo, a combinação, e conceito, que nace da harmonia e zello
do Serviço, porque tambem são estes os unicos recursos de que se pode dispôr.
A posição externa de Ribeiro Saraiva, apesar dos seus diligentes correspondentes,
não lhe permitia, por vezes, uma actuação adequada às circunstâncias em que se
moviam os esforços da Restauração. Era o caso das suas correspondências de
combate que enviava para diversas figuras políticas liberais e realistas. A
polémica, por vezes, tornava-se pública sem que daí adviessem benefícios para a
causa. No caso dos realistas, combatia tenazmente os que se tinham ligado ao
sistema. Estas polémicas pessoalizadas dificultavam os esforços da JN, e
reforçavam a desconfiança do conde de Barbacena e de outros notáveis de Lisboa
em relação ao centro de Londres. Porém, não eram apenas as graves razões de
divergência táctica ou doutrinária que estavam na base dessas reservas. Influem
poderosamente questões de prestígio e de precedência, relacionadas com a
ambiguidade existente na direcção dos miguelistas, o eterno problema das
legitimidades paralelas sancionadas por Miguel. Vilar de Perdizes não tem dúvidas
a este respeito:
[...] alem da natural vaidade e espirito sempre o mesmo, d’esta gente
não ha para comnosco maes, que o terem medo ou receio de que lhe fassarnos sombra.
A montagem da conspiração miguelista não pode deixar de ser afectada
por estas clivagens entre os seus fautores potenciais. O comportamento do chefe
miguelista de Lisboa, em face dos preparativos para o movimento de Restauração,
acaba por revelar-se algo paradoxal; não se quer envolver directamente, mas não
deixa de revelar ressentimentos quando se supõe subalternizado:
A [conde de Barbacena] não quer que se falle em seu nome, e só e detras
a cortina é quem dá empulço, mas muito a coberto, entendendo-se com 12 [ João
Castelo Branco], o seu natural é o reservado, austero, e secco, além d’isso é
muito meditador, e suspeitozo, e se elle tivesse o menor vislumbre de notticia
de que se falava ou auctorizava em com seu nome, fugia, e emigrava».
In José Brissos, A Insurreição Miguelista nas Resistências a Costa
Cabral (1842-1847), Faculdades de Letras de Lisboa, Edições Colibri, 1997, ISBN
972-8288-80-8.
Cortesia de Colibri/JDACT