sábado, 22 de setembro de 2018

A Duquesa de Bragança. Poema em Oito Cantos. José Carlos Gouvêa. «Que uma terna imagem pura, languida, a meus ávidos olhos apresenta. N’este magico enlevo, extasiado, a miragem do amor desconhecia!»

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Canto Primeiro
O Regresso do Duque
«(…)
XVII
Memorias desses dias tão funestos,
P’ra bem longe correi do Tejo aurifero;
Deixai na lusa historia refulgindo
So feitos immortaes e arrojo intrépido.
N’ão queiraes offuscar o novo brilho
Do sceptro, off’reci a gloria, á crença;
De vós espero, o duque, que ao passado,
Ás paginas de luto o véu do olvido,
Pra sempre heis-de lançar; de vos o espero:
Não sou aqui monarcha a lei impondo,
Apenas sou da terra, que me é cara,
Como vos um bom filho; eia, portanto
Em nome da nação, do berço q’rido,
Que os nossos avós, tanto illustraram,
Finalisem intuitos rancorosos.
Reunidos, busquemos novo lustre
Á terra dos heroes, á Lusitânia.

XVIII
Ó excelso monarcha; o foragido
Não volta a contemplar o ceu da infância
Para o vir envolver em grossas nuvens;
Ai! Não volta a pisar a lusa terra
Para ver a discórdia erguer-se esquálida
Agora, que feliz na pátria q’rida,
Onde apenas soltou ténues vagidos
Da vida no primeiro alvor tão puro,
Os sorrisos recebe da saudade;
Não vinha o desterrado abrir, qual réprobo,
No materno regaço de vis luctas
Profunda cicatriz, immenso báratro;
Também o esquecimento elle procura,
Não dos tempos, que só recordam lastimas,
Que p’ra sempre fugiram. Da saudade
Os espinhos soffrer sósinho anhela…

XIX
Da saudade…,  previsto havia um traço,
De mysterios inscripto em vosso rosto,
Que buscáveis no ceu já percebera
Adorada visão, ou sonho q’rido.
Do vosso peito vi que se escapavam
Suspiros, dos que solta amor occulto…
Esconder-vos não posso da minha alma
O arcano estremecido…
O amor ai, triste
No peito, que soffria, prematuro
Despontou em botão, floriu, gigante.
Na corte de Castella perseguido,
Pelos reaes edictos fulminado;
Da terna mãe nos braços carinhosos
Meu berço vi erguido, á terra alheia
Implorando um albergue, um pobre azylo,
Vegetei e cresci; os meus três lustros
Já completos corriam; só pensava
Na minha amarga sorte; algumas vezes
A sós com meu irmão pela espessura,
Dos homens esquecidos, divagando.
No idioma paterno, conversávamos:
Da pátria já não tinha outra memoria,
Que tudo ao pé de nós nos era estranho,
Que tudo nos lembrava a dôr, o exilio!

XX
Foi então, que a meus olhos deslumbrados
Uma luz inda incerta vi fulgindo…
Cresceu depois nas trevas da minha alma,
Estrella, que sorria de luz pródiga,
Ella foi da bonança a mensageira,
O facho do porvir e da ventura.
Ignotos sentimentos despertaram;
Robusto, indefinido, audaz anhelo
Crescer logo senti; as vãs chimeras
Da infância desfazer-se vi de chofre;
Aos sonhos tão queridos d’essa edade
Atravez das vigilias succederam
Vaporosas visões, risos angélicos,
Que uma terna imagem pura, languida,
A meus ávidos olhos apresenta.
N’este magico enlevo, extasiado,
A miragem do amor desconhecia!
Depois quando a seus pés a vez primeira
Proferi um sagrado juramento,
Quando a ebúrnea mão n’um terno osculo
Aos lábios desvairado uni sequioso.
Que em seus olhos d’amor embriagados
A mais languida estrophe li extático.
Ao amor vi então que me curvara.
Seus tyrannos decretos recebendo!
Os thesouros, que encerra o peito humano,
Patentes logo então á flax me foram.
Era o primeiro amor d’um peito virgem,
Era o cântico eterno, que a ternura
Vinha em flores trocar de grato aroma».
In José Carlos Gouvêa, A Duquesa de Bragança. Poema em Oito Cantos, Tipographia e Stereotypia Moderna, Lisboa, 1898.

Cortesia de Stereotypia Moderna/JDACT